30 de julho de 2008

A execução do soldado Slovik


O presidente dos Estados Unidos, George Bush, autorizou a execução do soldado Ronald A. Gray, acusado de quatro assassinatos e oito estupros num intervalo de oito meses nos anos 1980. Militares só podem ser executados nos EUA com autorização presidencial. As notícias relativas ao assunto falam que essa será a primeira execução em meio século.

Pois vamos à outra: no final da II Guerra Mundial, um soldado americano, Eddie Slovik, entrou em pânico durante um combate e fugiu da batalha. Conseguiu reunir coragem e se apresentou aos superiores, dois ou três dias após. Acusado de alta traição, de deserção, foi julgado e condenado à mote. Acabou sendo o único soldado dos Estados Unidos morto por seus parceiros durante o conflito, diante de um pelotão de fuzilamento formado por chocados, transtornados companheiros seus.

O general George Smith Patton Jr., um psicopata de alta patente que já havia esbofeteado outro soldado num hospital de campanha ao saber que ele estava internado "por causa dos nervos", pediu a morte do jovem porque, caso contrário, "eu nunca mais teria como olhar para os olhos de um soldado corajoso". Slovik, filho de imigrantes russos - eis seu verdadeiro crime - havia sido batedor de carteiras em Nova Iorque e tido algumas passagens pela prisão. Quem quiser conhecer melhor a história da barbaridade que ele sofreu em fins de 1944 pode ver o filme "A Execução do Soldado Slovik (The Execution of Private Slovik, EUA, 1974)", cujo cartaz ilustra esse texto. Trata-se de uma obra feita com honestidade.

24 de julho de 2008

O gênio esquecido


O cidadão na foto aí ao lado foi um dos maiores brasileiros de todos os tempos. Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 - Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) é o escritor brasileiro considerado um dos mais importantes nomes da literatura desse país e identificado pelo crítico Harold Bloom, além de outros tão importantes quanto este, como o maior escritor que a humanidade já produziu.
De sua vasta obra, que inclui ainda poesias, peças de teatro e crítica literária
, destacam-se o romance e o conto. É tido como um dos criadores da crônica no país, além de ser importante tradutor, vertendo para o português obras como Os trabalhadores do Mar, de Victor Hugo e o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente na também chamada de Casa de Machado de Assis.

Reparem na data da morte dele. Repararam? Pois vai ser completado um século. E o Brasil simplesmente não homenageia isso. Quem passar pelas livrarias vai encontrar dificuldades para localizar mais de dois ou três títulos seus, isso se tiver sorte.

Mulato num país escravocrata, pobre, gago e epiléptico, ele tinha tudo para ser um fracassado na vida. Mas era um gênio. Quem um dia quiser ter uma aula sobre como escrever narrativa, pode ler alguma coisa dele. Não precisa nem ser muito. Basta um conto. Só a "amostra grátis" já serve como um curso de pós-graduação.

Mas ele era brasileiro, coitado. E como ocorre com a maioria dos brasileiros de valor incontestável, de estatura que merece ser copiada, foi simplesmente esquecido.

18 de julho de 2008

Um câncer brasileiro



As obras do novo aeroporto de Vitória foram paralisadas, outra licitação terá de ser feita e mais uma vez os capixabas terão um ano de canteiro parado pela frente antes que tudo seja reiniciado. E o novo aeroporto é uma necessidade imperiosa num Estado que cresce a ritmo acelerado. O atual, este visto na foto, não atende mais às necessidades.
Mas que motivos levaram à paralisação das obras? Por que o Tribunal de Contas da União, o TCU, denunciou superfaturamento nos preços cobrados pelo consórcio que venceu a primeira licitação pública?
Fácil: porque esse é o retrato do relacionamento das empreiteiras de obras públicas e o poder no Brasil. Um relacionamento marcado, sobretudo e principalmente pela promiscuidade. Uma troca de favores inescrupulosa, que troca, dentre outras coisas, verbas de campanha por obras públicas.
Além disso, e como parte dessa promiscuidade, os contratos celebrados entre os “consórcios” e o poder público favorecem o superfaturamento na medida em que permitem reajustes sem delimitar fronteiras, sem fazer constar responsabilidade, inclusive jurídicas, para o não cumprimento de itens contratuais, e ao dar poderes quase absolutos às empreiteiras.
Elas são as donas do Brasil. Ganham licitações fazendo acordos de cartas marcadas, superfaturam as obras, paralisam os canteiros quando bem entendem e ainda recorrem à Justiça para parar tudo enquanto itens contratuais são discutidos e o dinheiro público é jogado no esgoto.
Isso não é novo no Brasil. E não se limita às grandes obras públicas como a do aeroporto de Vitória. O consórcio que superfaturou os preços agora vai ditar as cartas para aceitar um rompimento sem recurso à Justiça. E deverá estar presente à nova licitação, concorrendo outra vez. E se ganhar, ganhará um contrato que vai favorecê-lo novamente, como sempre ocorre.
A isso se dá o nome de corrupção. Um câncer brasileiro com características próprias, mas forte e resistente do que os existentes em outros países.

11 de julho de 2008

Carta ao Bradesco


A carta abaixo foi enviada ao Bradesco por um correntista. Fica aí a sugestão à Febraban - reforçada pelo slogan dela, que pode ser visto na ilustração acima: "Um sistema financeiro saudável, ético, eficiente é condição essencial para o desenvolvimento econômico do país" - para enviá-la a todos os bancos:


CARTA ABERTA AO BRADESCO

Senhores Diretores do Bradesco,

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina de sua rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da feira, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria assim: todo mês os senhores, e todos os usuários pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, feira, mecânico, costureira, farmácia etc). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao pagante. Existente apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade.
Por qualquer produto adquirido (um pãozinho, um remédio, uns litros de combustível, etc) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até um pouquinho acima. Que tal?
Pois, ontem saí de seu Banco com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade.
Minha certeza deriva de um raciocínio simples. Vamos imaginar a seguinte cena: eu vou à padaria para comprar um pãozinho. O padeiro me atende muito gentilmente. Vende o pãozinho. Cobra o embrulhar do pão, assim como, todo e qualquer serviço.
Além disso, me impõe taxas. Uma 'taxa de acesso ao pãozinho', outra 'taxa por guardar pão quentinho' e ainda uma 'taxa de abertura da padaria'. Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo em seu Banco.
Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto de seu negócio. Os senhores me cobraram preços de mercado. Assim como o padeiro me cobra o preço de mercado pelo pãozinho.
Entretanto, diferentemente do padeiro, os senhores não se satisfazem me cobrando apenas pelo produto que adquiri.
Para ter acesso ao produto de seu negócio, os senhores me cobraram uma 'taxa de abertura de crédito' equivalente àquela hipotética 'taxa de acesso ao pãozinho', que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.
Não satisfeitos, para ter acesso ao pãozinho, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente em seu Banco.
Para que isso fosse possível, os senhores me cobraram uma 'taxa de abertura de conta'.
Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa 'taxa de abertura de conta' se assemelharia a uma 'taxa de abertura da padaria', pois, só é possível fazer negócios com o padeiro depois de abrir a padaria.
Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como papagaios'. Para liberar o 'papagaio', alguns gerentes inescrupulosos cobravam um 'por fora', que era devidamente embolsado. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu se antecipar aos gerentes inescrupulosos. Agora ao invés de um 'por fora' temos muitos 'por dentro'.
Tirei um extrato de minha conta - um único extrato no mês - os senhores me cobraram uma taxa de R$ 5,00. Olhando o extrato, descobri uma outra taxa de R$ 7,90 'para a manutenção da conta' semelhante àquela 'taxa pela existência da padaria na esquina da rua'.
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de R$ 22,00 a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros (preços) mais altos do mundo. Semelhante àquela 'taxa por guardar o pão quentinho'. Mas, os senhores são insaciáveis. A gentil funcionária que me atendeu me entregou um caderninho onde sou informado que me cobrarão taxas por toda e qualquer movimentação que eu fizer. Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores esqueceram de me cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de seu Banco.
Por favor, me esclareçam uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que sua responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências governamentais, que os riscos do negócio são muito elevados etc. e tal. E, ademais, tudo o que estão cobrando está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco Central.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem seu negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais. Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam garantidas em lei, tais taxas são uma imoralidade.

Atenciosamente.

3 de julho de 2008

Duas notícias


Eram duas as notícias a serem classificadas distantes no espaço mas não no tempo. Num dos casos, sem qualquer tipo de dúvida: o resgate de Ingrid Betancourt, na foto da AP com os dois filhos, tratava-se mesmo uma vitória contra o terrorismo. No outro havia a dúvida: teria sido aquele tresloucado palestino que atacou dezenas de pessoas com um trator - logo um trator - um terrorista ou simplesmente um homem que, de repente, perdeu a estribeira?

Gosto de ver os noticiários das TVs brasileiras em dias (noites) como a de ontem, 02 de julho.

Para a Globo, não restam dúvidas. O terrorismo foi derrotado na Colômbia. Mas até as convicções globais, tão sionistas em seus comentários, balançaram um pouco no caso seguinte: quem era o maluco do outro lado do mundo? Teria sido ele o autor de "um dia de fúria", como chegou a ser proposto. Aquele ataque, positivamente, não tinha "a cara" do hamas. Faltavam as bombas... Atacar com trator? Não faz sentido!

O homem do trator quebrou a unanimidade ao ter seu momento de fúria. Morto, não vai poder explicar seus gestos. E logo será esquecido porque o noticiário, por vários dias, se concentrará agora na certeza: em Ingrid e na vitória contra os terroristas das FARC. A visão ocidental de terror, aqui, não faz concessão alguma à dúvida.

Do tratorista não restará muita coisa. Aliás, o chefe de Estado de Israel já determinou que, "como manda a lei, sua casa deve ser demolida". Ou seja, não vai restar nem ao menos a casa. De forma que pouco importa se o indivíduo era terrorista ou não - tenha esse termo o significado que tiver para quem o usa - quando o terrorismo de estado, no caso de Israel, decide sua sentença, sem julgamento algum, mas com base "na lei".

Apesar dos seis anos de cativeiro, Ingrid poderá explorar sua unanimidade mundial da forma como bem entender. Inclusive indicando-se sucessora de Álvaro Uribe na presidência da Colômbia, quando as próximas eleições chegarem. Que azar, presidente!