31 de março de 2011

O legado de José Alencar

Agora que morreu, José Alencar Gomes da Silva, esse sorridente senhor aí ao lado, está sendo avaliado sobre seu legado. Muitos imaginam o que o Brasil deve a esse ex-vice-presidente da República que, como detentor de cargo público, teve o mérito que deveria ser de todos os seus iguais: a ética e o comprometimento com a causa pública. Foi a face digna de oito anos de um governo marcado por escândalos. Então, qual seria o legado de Alencar? O que o Brasil deve a ele? Deve alguma coisa?
Dívida fica uma, pois tudo o mais que fez era obrigação sua, como deveria ser dos demais: ele desmistificou a palavra câncer. Ele a pronunciou como uma coisa comum, como uma doença à qual todos estamos sujeitos. Ele lutou contra ela e disse a quem o ouviu que doenças, mesmo essa, devem ser enfrentadas. Todos vamos morrer, mas temos o direito de não morrer hoje ou amanhã se isso pode acontecer dentro de cinco ou dez anos.
Claro, nem todos podem lutar como lutou José Alencar, tendo à sua disposição o arsenal médico do Hospital Sírio Libanês. As milhares de cruéis mortes que ocorrem nas superlotadas emergências dos desatualizados - para dizer o mínimo - hospitais públicos mostram isso. E nos revelam a face mais dura, mais cruel, mais omissa do injusto sistema brasileiro de saúde pública.
Mas, retirado esse lado negro da vida nacional, José Alencar mostrou que câncer não é doença venérea, não é estigma, não é motivo de chacota ou vergonha como a AIDS injustamente foi até anos passados, quando chegou a matar, graças também à omissão do Estado, gente como o sociólogo e filósofo Betinho, além de diversas outras pessoas que precisaram de transfusões de sangue e o receberam infectado.
Em diversos estados brasileiros, desde que o câncer foi identificado como doença, é praxe homens públicos camuflarem a situação. Muitas vezes dizendo que o tumor é benigno ou dando-lhe outro nome. Os políticos, principalmente, têm medo de que a revelação do mal os faça perder eleições. Para eles o eleitor pode pensar: "Fulano vai morrer. Vou votar em Sicrano ou Beltrano para não perder meu voto". Mas muitas vezes o sujeito se trata e, o que é comum nos dias de hoje, termina curado se identificou o câncer precocemente. Continua atuando como sempre o fez, depois de se utilizar de sofismas gerados por medo, preconceito ou vergonha. E isso tudo para esconder o que? Ele, essa figura hipotética no caso, acabou curado, viveu depois disso normalmente. Teve uma doença e mais nada.
José de Alencar e a presidente(a) Dilma Roussef preferiram o caminho inverso: mostraram o câncer abertamente e como lutar contra ele. Para Alencar era tarde demais. Para Dilma, ao que tudo indica, não. É preciso lutar, mesmo, contra o câncer em todas as suas fases.
Com a mesma vontade com que precisamos lutar a cada dia mais contra a omissão política que faz milhares morrerem nas sujas emergências dos hospitais públicos, contra mentira que virou hábito entre governantes, contra a corrupção de todos os níveis, contra todos os nossos fantasmas.
E se pensarmos nesses tais fantasmas tomando-os isoladamente, veremos que a maioria deles nem são o que imaginamos. Basta os enfrentarmos, tirarmos seus lençóis e ficarão expostos. Pobres retratos das fragilidades da sociedade construída por nós.

17 de março de 2011

O tsunami das ações humanas


Os geólogos e outros estudiosos são unânimes em dizer que a tragédia do Japão é um fenômeno natural e aconteceria mesmo que vivêssemos em um paraíso. A crosta terrestre executa movimentos de acomodação entre as placas tectônicas, e estas liberam enorme quantidade de energia que, por sua vez, converte-se em terremotos, tsunamis e suas consequências.
Mas as chuvas que destroem o Brasil e outras regiões do mundo, da mesma forma que os longos períodos de estiagem, não são. Estes, constituem-se no fruto da ação humana sobre a natureza. Nunca antes na história desse planeta ele foi tão destruído. Tão maltratado. Tão vilipendiado. Somos nós, os chamados animais racionais, o maior terremoto, o maior tsunami a ameaçar a terra. E ainda não conhecemos, senão em parte, os resultados de tanta irresponsabilidade.
Os líderes mundiais, sobretudo dos países mais poluidores, justificam a destruição da camada de ozônio, apenas uma das tragédias modernas, como sendo necessária à sustentação de suas economias. Há a necessidade de queima de combustíveis fósseis e ponto final. O Brasil, que não polui tanto por essa via, queima florestas com uma velocidade que dificulta até mesmo o acompanhamento da rapina via satélite. Acaba com a natureza e ainda ataca com ferocidade a camada de gases que deveriam nos proteger contra radiações.
Onde vamos parar?
Na foto deste texto está um trecho de uma cidade do Espírito Santo. Nos noticiários da TV's, o medo estampado no rosto das pessoas que, de uma hora para a outra, descobrem que não têm mais nada. Perderam tudo o que haviam acumulado ao longo de suas vidas.
É uma tragédia quase tão grande quanto a japonesa. Com a diferença de que, na Ásia, toda a destruição é resultado de um fenômeno sobre o qual o homem não tem controle. E nem terá. Nos demais, a destruição é fruto de nossas ações. Teríamos controle sobre ela se quiséssemos. Mas como o importante supostamente é preservar a economia, estamos destruindo o futuro de nossos netos. E talvez não tenhamos como recuperar o que já foi perdido.
Que pena!

9 de março de 2011

A criatura no fundo do poço


Começa a desmoronar, como se fosse um castelo de cartas, o espetáculo ilusionista de milagre econômico no qual se constituiu o segundo governo de Lula, em seu esforço descabido para fazer um(a) sucessor(a), fosse quem fosse, contanto pudesse manter seu grupo político no poder. Já foi anunciado um corte de mais de R$ 50 bilhões no orçamento. E vai ser preciso mais. Farras de gastos costumam terminar em ressacas de bolsos vazios.
Durante oito anos, usando e abusando de metáforas paupérrimas, o hoje ex-presidente tentou glorificar a seu governo e a si próprio. Agora, faz palestras auto-glorificantes pelas quais cobra - segundo se imagina - cerca de R$ 200 mil por cada 40 minutos de leitura de laudas escritas por terceiro. Quem sabe para evitar erros de concordância e outros.
O "aperto" anunciado pela presidente(a) Dilma Roussef, e ela sabe disso, serve a muito pouco da nobre causa de manter a economia do Brasil saudável. Teria de ir muito mais adiante para surtir efeito, inclusive com cortes de pessoal contratado apenas para cumprimento de conchavos políticos. Mas as pressões contra isso seriam imensas. Ainda não creio sequer que ela consiga cortar R$ 18 bilhões em emendas parlamentares - esse cancro político - como anunciou. O Poder Legislativo gosta de nadar em dinheiro público para manter seu curral eleitoral de rédea curta.
O deficit público só aumenta e, na última entrevista dada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que para corrigir em 4,5 o cálculo do imposto de renda talvez fosse preciso "reajustar algum tributo". Esse não é apenas um erro que o governo comete. Essa é a solução sempre encontrada para que privilégios se eternizem. Para que a "companheirada" seja acomodada em cargos públicos. Para que se façam "parcerias", que é como eles chamam conchavos políticos ou simplesmente a venda de apoios ao Executivo este conviver com um Legislativo bonzinho, incapaz de dizer "não", mas sim de aprovar sempre por unanimidade.
Mas o poço tem fundo. E talvez caiba à criatura descobrir que o criador a colocou lá!

2 de março de 2011

O "basta" contra os feudos!


O castelo de cartas que desmorona nos países islâmicos do Norte da África e regiões próximas tem um forte componente político, mas não político-partidário. Não se trata de uma, duas ou mais revoluções ideológicas - daquele gênero capitalismo X comunismo -, como as que ocorriam até meados do século passado, mas de um movimento supra-nacional de cidadãos que querem lutar para ter voz e participar dos destinos de seus países.
Egito, Líbia, Iêmen, Tunísia, Jordânia e outros, não são estados como nós conhecemos. Aqui na América do Sul, por exemplo, até mesmo nas ocasiões de quebra da normalidade democrática, nos anos de chumbo, os que detinham o poder, na sua totalidade militares, trocavam a guarda para dar a impressão de que o poder mudava de dono de "X" em "X" anos. Um ditador brasileiro, Ernesto Geisel, nosso "pastor alemão", disse certa feita na Europa que o Brasil era "uma democracia dentro de sua relatividade". Engraçado? Não, apenas ridículo.
Como ridículo é o líbio Khadafi (na foto acima), com suas vestimentas de escola de samba, seu distanciamento da realidade e sua visão de mundo dissociada de tudo o que possa fazer sentido. É contra esse quadro, esse aleijão, que lutam os povos dos diversos países. Eles querem ser donos de suas nacionalidades. Não querem viver no feudo do senhor "A" ou "B". Os senhores feudais do Norte da África são todos multimilionários e acumularam fortunas roubando, enquanto seus povos passavam dificuldades. As revoltam são contra isso. O que se quer fazer naquela região é transformar feudos em países. Senhores feudais em detentos. Ou em um passado que precisa ser esquecido.
E a lista das anomalias não se estanca nos países onde a população já se revoltou. Em outros, como na Arábia Saudita e Emirados Árabes, por exemplo, o estado pertence a famílias. Castas de magnatas que vivem à custa de seus povos e do petróleo existente naquelas regiões.
Na maioria dos casos, esses países sobreviveram até hoje por força de conveniências políticas. Os mais espertos eram e são fornecedores de petróleo para os Estados Unidos e não hostilizam Israel. Graças a isso os norte-americanos passaram década fazendo vistas grossas a tudo o que de ruim acontecia por lá. Agora não é mais possível. Agora o "basta" é um tsunami popular que ganha força ao chegar às praias. E ainda não chegou a todas elas.