26 de abril de 2012

O Cachoeira do Brasil

Carlinhos Cachoeira, a figurinha premiada ao lado, era o dono de Goiás. Propriedade na mais pura acepção da palavra que ele dividia com o senador Demóstenes Torre e o governador Marconi Perillo. O senador e o governador são de partidos diferentes políticos diferentes, até adversários no plano nacional, mas isso não importa. Os interesses são comuns e passam pelos jogos de azar. Azares, claro, dos outros.
Hoje, Carlinhos passa temporada em prisão federal enquanto não é julgado por uma série de acusações. Todas graves. Enquanto isso, uma encenação no Congresso criou a CPI do Cachoeira. E o governo determinou que os postos chave, presidência e relatoria, deveriam ser ocupados por "aliados". Quer evitar que alguma das máquinas de jogos seja identificada com ramificações no Palácio do Planalto.
Todos têm medo das gravações feitas pela Polícia Federal. Dos esquemas de roubo de dinheiro público e nomeação de apaniguados participam muitas das figuras mais insuspeitas de nossa República. Na hora de dividir o butim o Brasil é o país mais republicano do mundo. Quase unânime.Dessa forma é mesmo necessário que o Governo tenha o controle da CPI. Afinal, ela está sendo feita apenas para dar uma satisfação à opinião pública. Não custa nada passar um pouco de perfume na fedentina que exala.
Aliás, essa opinião pública deixou revoltado até mesmo o ex-presidente do STF, Cezar Peluso. Ele não entende como o Supremo e outras instâncias judiciais podem agir de acordo com as opiniões de terceiros. Mesmo daqueles que lhes pagam os salários. A opinião pública, para ele, deveria ser um mero acessório a ser usado ou não, dependendo dos humores.
Esse é o país dos esquemas, da prepotência e da divisão de cargos e dinheiro públicos. O país onde reinava o Cachoeira do Brasil. Mas alguma coisa diz que esse mundo vai mudar. Ou já estaria mudando. Fosse diferente e os cachoeiras de outros lugares - digo, Estados - não estariam com medo. Ele e seus demóstenes e marconis, também.     
     

12 de abril de 2012

Do direito de decidir

Feto anencéfalo morto em seguida ao parto 
A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, não é mais crime a mulher que tem no ventre um feto anencéfalo e, portanto, sem chances de sobreviver, interromper a gravidez caso queira. Antes, ela precisava se submeter à decisão solitária de um magistrado que raramente julgava sob a ótica de sua (dela) aflição, mas sim com base nos seus (dele) credos éticos ou religiosos.
O impressionante no caso do julgamento da questão dos anencéfalos foi a pressão exercida pelos diversos credos religiosos cristãos, mais precisamente católicos (infelizmente), contra a decisão do STF. Nós vivemos em um Estado laico. Significa dizer que todos temos ampla liberdade religiosa porque esse Estado não abriga nenhuma religião como sua. Oficial. Da mesma forma, temos o direito de decidir e de moldar leis que atendam aos desejos e valores de toda a sociedade e não de parte dela. Não é lícito que numa situação como essa, uma parcela do todo, por maior que seja, imponha seus dogmas aos demais. Por mais minoria que sejam estes outros.
É possível traçar uma analogia: a pessoa com morte encefálica num hospital "vive" porque aparelhos mantêm seu coração e pulmões funcionando. Se esses aparelhos são desligados, o que resta do organismo deixa de funcionar. Esse procedimento é feito geralmente quando se vai retirar órgãos para doação. Um feto anencéfalo também tem "morte cerebral" porque o cérebro inexiste. Seu coração e pulmões funcionam porque ele, o fato, está ligado à mãe e essa funciona como os aparelhos de um hospital. Ao parir, o organismo da mãe "desliga" os aparelhos. Interrompe o vínculo vital. O coração e os pulmões paralisam suas atividades. Da mesma forma como no caso do paciente com morte cerebral a vida não existe mais, no do feto anencéfalo ela nunca existiu. Portanto, é no mínimo estúpido classificar a interrupção de gravidez nesses casos como um gesto nazista, como alguns religiosos desonestamente estão fazendo nos últimos dias. 
Supremo julga a anencefalia no DF
É pecado interromper a gravidez em casos de anencefelia, gestação provocada por estupro ou que coloque em grave risco a vida da mulher? Ótimo, então não façam isso. Mas vamos dar àquelas mulheres que consideram insuportável parir numa dessas três situações, o direito de decidir por interromper, não a gravidez, mas seu sofrimento.
O Brasil considera crime o aborto. Isso significa matar um feto saudável, gerado às vezes irresponsavelmente e retirado do ventre por conveniências diversas. Às vezes porque é cedo para ter filhos. Outras, porque não há dinheiro para criar. Não importa: é crime.
Mas condenar seres humanos a situações insuportáveis pode ser uma forma de torturar. E o torturador passa a ser aquele que carrega a cruz, o símbolo supremo da tortura, para diante da sede da maior corte de Justiça do Brasil. E tenta impedir, desta forma, o direito de os demais decidirem sobre as vidas afetas a eles com base apenas em crenças suas e desconhecendo totalmente o direito de os outros pensarem diferente.

7 de abril de 2012

Demóstenes, carta fora do baralho

Não é preciso que ninguém tenha a menor sombra de dúvida: há muitos outros demóstenes no Congresso Nacional. E também outras carradas espalhadas pelos legislativos estaduais e municipais. Esse cancro mole brasileiro que pode ser resumido com o termo "promiscuidade" marca a vida política nacional tanto no relacionamento com membros dos outros dois poderes quanto com contraventores e criminosos.
Nesse caso específico, negociava-se também a saída de Demóstenes do DEM e sua ida para o PMDB, havia negociatas envolvendo figuras do Governo de Goiás, a compra de barcos cassino e até mesmo uma negociação para que, no futuro, Demóstenes fosse indicado como ministro do Supremo Tribunal de Federal (STF). "Cruzes!", diria minha avó. 
O político que cede à tentação de se relacionar com criminosos visando ganhos extras de dinheiro, ou então que tomam parte em negociatas envolvendo dinheiro público, acreditam que jamais serão descobertos. Mas deixam rastros. Na época da ditadura os militantes de esquerda das mais diversas siglas sabiam que não podiam tratar de assuntos políticos pelo telefone. Mas os demóstenes da vida não aprenderam isso ainda. E olhem que no caso dos militantes comunistas que se opunham à Ditadura, os criminosos estavam do outro lado.
O senador goiano gostava de colecionar em seu gabinete charges nas quais suas "qualidades" moralizadoras eram reconhecidas. Ou seja: ele nem achava que o Judiciário e a Polícia Federal poderiam pegá-lo um  dia, como também que os jornalistas confiariam em sua "honestidade" por todos os tempos. Por isso, traficava influência porque é parte da cultura política brasileira cada um dos senhores deputados e senadores achar que tem o direito a uma cota de cargos públicos, bem como de interferir em resultados de licitações.
Esse Demóstenes, que na foto da Agência Estado (AE) aparece se escondendo atrás da porta de seu gabinete como um rato que se vê cercado pelos gatos, foi descoberto. É carta fora do baralho. Resta achar os demais. E, repito, eles são muitos.