25 de junho de 2012

Caras pintadas, às ruas!

Fernando Haddad olha para o padrinho e o novo aliado se cumprimentando 
Pode parecer que não, mas estamos vivendo um momento dramático da história recente do Brasil. Ou a parcela mais informada da sociedade reage agora ou corremos o risco de não vencer a corrupção e os privilégios que se acumulam nas altas esferas do poder mas sim, ao contrário disso, assistiremos à consolidação de uma democracia de fachada, feita por privilegiados e seus apaniguados ligados ao poder, vilipendiando a imensa maioria dos brasileiros.
O último episódio envolvendo o ex-presidente Lula é mostra disso: ele foi à casa de Paulo Maluf (veja a foto), abraçou o carcomido representante da corrupção política brasileira nos jardins residenciais e ainda, junto com sua nova criatura, o candidato a prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Antes, já havia dito que não vai deixar - esse termo mesmo - o PSDB chegar ao poder em 2014. Pelo visto, usará de todos os meios, lícitos e ilícitos - principalmente os segundos - , para alcançar o objetivo. Um objetivo espúrio, com certeza.
Mais ou menos enquanto isso acontecia, o Parlamento brasileiro se reunia sem aviso prévio para cometer em meia hora um projeto de lei que elimina o teto de R$ 26.723,13 para o salário dos servidores, permite acumulação de outros rendimentos, obviamente todos pagos pelo contribuinte, acaba com uma regra definida pelo Artigo 37 da Constituição estabelecendo esferas administrativas para os salários e, o mais dantesco dentre os pontos que destaco: passa do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de fixar valores dos vencimentos dos três poderes.
Sabemos todos que o Judiciário ter aumentar o teto atual, que iria a mais de R$ 32 mil mensais. Com o golpe do Legislativo, os vencimentos deste poder ficariam atreladom aos do Judiciário, de modo que o efeito cascata seria imediato. E sem o prejuízo do desgaste de deputados e senadores votarem seus próprios reajustes. Recentemente, a presidente Dilma conseguiu impedir esse aumento. Mas o Judiciário age nas sombras pressionando o Congresso para reformar a decisão. Esse, formado por uma grande parte daqueles que precisam de favores legais, trabalha para atender aos pedidos. No jogo de compadres, perdem ambos em dignidade. Mas perdemos mais todos nós.
A corrupção não cessa. Vez ou outra um esquema é descoberto e bandidos são presos. O processo do Mensalão - o maior escândalo da República - deve entrar em julgamento em breve, mas seus desdobramentos não são conhecidos. Ou mensuráveis. Dinheiro público é desviado todos os dias. Grande parte dele abastece esquemas de governo nas esferas municipais, estaduais e federal, via concessão de empregos públicos por cargos comissionados para comprar o silêncio e o apoio de membros do Poder Legislativo que deveriam fazer leis e fiscalizar o Executivo.
Nessa mesma magnitude, empresas empreiteiras de obras públicas sobrevalorizam preços de contratos para ganhar dinheiro pagando comissões ilegais e realizando serviços de má qualidade. Para refazê-los depois. Combinam valores em participação de licitações, dividem os serviços entre si e não recuam diante de nada. O dinheiro público é deles e de seus amigos.   
Ou a sociedade civil se ergue, se insurge, ou eles vão ganhar. E vai ser preciso se insurgir com força, com determinação, nas ruas e com as caras pintadas, para formar a maré que se transforma em maremoto e varre o que não presta. Quando a decomposição dos valores sociais é de tal forma grotesca, em alguns países a reação se dá sem sangue. Em outros, com sangue. As duas formas são válidas, lícitas. Talvez o Brasil consiga isso apenas com seus milhões de caras pintadas nas ruas. Fez isso num passado recente. Pode repetir. Para um país que destronou uma ditadura militar sanguinolenta, nenhum obstáculo pode parecer intransponível.            

18 de junho de 2012

A beleza fora do lugar

Os principais chefes de Estado do mundo preferiram não vir à Rio+20. Em muitos sites, jornais, rádios e TVs, o evento foi literalmente debochado. Diz-se dele que não consegue arregimentar parceiros e apoios porque o momento econômico não permite. Isso como se momentos econômicos fossem imutáveis. Ou então porque politicamente esse não é oportuno. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente Barak Obama está às voltas com a campanha de reeleição. Faz sentido.
Mas esse é o único mundo que temos. Cientistas das mais diversas áreas, dos mais distantes países, são unânimes em dizer que a conta a ser paga será imensa se o homem não parar agora para pensar um modo de fazer com que nossa casa possa se sustentar, repondo o que tiramos dela e ainda a protegendo da imensa emissão de venenos diários jogados por nós na atmosfera.
Alguns dizem que países como Estados Unidos e China não querem pagar a conta da salvação do planeta sozinhos. Que não é a hora  ou então que essa conta deveria ser paga por todos, como se fosse uma "vaquinha" de restaurante, onde o total é dividido pelo número de convivas quando o garçom nos apresenta a comanda fechada pelo caixa. Quer dizer que a Somália tem ou terá meios de dividir as despesas com os Estados Unidos? E o Lesoto com a China?
Uma brasileira, a médica infectologista Míriam Tendler, trabalha praticamente sem apoio oficial faz mais de três décadas para desenvolver uma vacina contra a esquistossomose porque essa doença atinge principalmente pobres em países idem e isso não dá dinheiro aos miliardários e imensos laboratórios multinacionais donos de nossa saúde. É sempre assim.
No caso presente da Rio+20, tenta-se mostrar ao mundo que os danos ao planeta acarretarão fenômenos que tornarão a vida difícil e, em certos casos, impossível. Os pobres, como sempre, sofrerão os primeiros e maiores danos. Mas países mais ricos não avaliam que, como estamos todos nos mesmo barco, chegará a vez deles. Por mais que a ciência evolua e crie meios e modos de minorar o sofrimento da falta de água, de outros alimentos, efeito estufa, etc.
É bonito poder fotografar uma flor na varanda. Essa que ilustra esse texto embelezou a minha varandinha de apartamento por cerca de sete dias. Mas ela estava deslocada. Seu lugar é no meio do mato, da floresta que a gerou e que precisa dela para se reproduzir.
Não, apesar de críticas que podem ser feitas a organizadores e sua megalomania, se nós não conseguirmos avançar o suficiente nas ações necessárias à preservação da vida com qualidade nessa Rio+20, não será uma única reunião que fracassará. O fracasso será de todos nós. Sim, porque somos nós, em última análise, os fiadores dos mandatários de todos os países. Mesmo das ditaduras. Mesmo quando eles representam os princípios pelos quais os elegemos.
O meio ambiente é a boa luta. Por ela vale a pena lutar!                

14 de junho de 2012

Democracia, essa miragem

Um dos princípios basilares da democracia representativa é a diversidade de pensamentos, a existência de partidos políticos com programas e ideologias diversas e o confronto de ideias. Também se insere nesse quadro a independência para atuar, legislar e fiscalizar o Poder Executivo. Mas, como o Legislativo brasileiro é um balcão de negócios, ele há já muito tempo renunciou a esse último ponto. Só que no caso específico da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, que ocupa o prédio luxuoso da foto anexa, as bases de comportamento que identificam a democracia representativa foram devidamente estupradas, mortas e sepultadas.
Atualmente, dois parlamentares têm problemas com a Justiça e podem ter seus mandatos cassados e direitos políticos suspensos por até oito anos. Um deles foi afastado da Assembleia por ordem judicial faz cerca de duas semanas, com comunicação àquela casa. Mas mesmo assim seu suplente, Max de Freitas Mauro (PDT), mesmo partido do afastado, não assumiu. Simplesmente a notificação judicial foi ignorada sob o argumento de que cabem recursos à decisão - o que realmente ocorre - e o afastamento pode ser reconsiderado parcial ou definitivamente - o que também acontece.
O que está por trás disso é que assustado. Max Mauro, ex-governador do Estado, é um político de Grande Prestígio em Vila Velha, primeira cidade capixaba e importantíssima na Região Metropolitana da Grande Vitória. Os olhos e os bolsos estão voltado para as eleições municipais do final do ano e o filho de Mauro, Max Mauro Filho, já se lançou candidato. As várias oligarquias políticas que pretendem aquele posto não querem dar ao pai dele um palanque legislativo que poderia tornar seu filho imbatível e, para alcançar esse objetivo, dane-se a democracia. Os deputados capixabas já declararam, por incrível que possa parecer, que Max Mauro não seria bem vindo na AL.
Se os deputados em vias de serem cassados pela Justiça cometeram crimes ou não, cabe ao Judiciário julgar. Se vão voltar aos seus mandatos ou não, da mesma forma. À Assembleia cabe empossar o suplente em caso de afastamento do titular, imediatamente, mesmo que ele venha a ser sacado do gabinete em seguida, em caso de decisão judicial reformulada.
Mas o que se pode esperar da Assembleia Legislativa capixaba? Boa parte de seus membros são velhas raposas da política local, cujos conceitos éticos ficam abaixo dos interesses pessoais e corporativos, e têm por princípios democráticos um desprezo absoluto. Além do mais, Max Mauro não agrada a um ex-governador que deixou o poder antes de ser iniciado o mandato do atual e ainda goza de grande prestígio. Chama-se Paulo Harting. Todos disputam seu apoio em todas as eleições.
Democracia, o que é isso? Diversidade de pensamentos, programas, ideologias e confronto de ideias, onde se situam essas coisas abstratas, desconhecidas e inconvenientes? Concretos para eles são seus interesses. Estão acima até mesmo dos votos populares que fizeram do rejeitado um suplente de deputado. Afinal, um dos adversários ferrenhos de Max Mauro, mas que evita falar e age nos bastidores, é um ex-governador da época da ditadura militar, seu fiel servidor Elcio Alvares. Para esse, então, democracia é uma simples miragem. Coisa de deserto!    
  
    

6 de junho de 2012

Será o Benedito?

Vespasiano Meirelles, o Meirelinho, foi um influente líder comunista no Estado do Espírito Santo. Era jogador de futebol no início (Parafuso, seu apelido) e bombeiro hidráulico pelo resto da vida. Contava que, durante o Estado novo, na Ditadura de Getúlio Vargas, aqueles que eram presos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o famigerado DIP, costumavam se perguntar ou perguntar aos outros presos, no camburão, quem estaria de plantão na Polícia quando eles chegassem. "Será o Benedito?", questionavam. Benedito era o mais violento dos torturadores de presos políticos da época. Sentia prazer - talvez sexual - em fazer isso com seus subjugados.
Essa história me vem à mente na época em que a Comissão da Verdade começa a investigar os crimes cometidos no Brasil pelas ditaduras Vargas e militar.
Da primeira já se conhece muito e existe pouco a desvendar. Da segunda, não. Costumo dizer que, perto do regime de exceção que vivemos entre 1964 e 1985, Getúlio Vargas era apenas um aplicador de palmatória. Milhares de brasileiros foram presos ilegalmente, torturados e mortos nos porões de nossa última e derradeira ditadura. A democracia brasileira foi estuprada. A Constituição, pisada. O Congresso, fechado. Por irônico que possa parecer, foram os comunistas dos mais diversos matizes e siglas os que se insurgiram contra o status quo, enquanto a direita, sobretudo os grandes conglomerados de Comunicação de praticamente todos os Estados, não apenas apoiavam o regime, mas também se locupletavam dele. Nadavam em generosas verbas publicitárias oficiais. Não poucos enriqueceram.
O Partido Comunista Brasileiro, PCB, sigla à qual pertenci, não aderiu à luta armada. Sabiamente, optou por solapar o regime militar infiltrando seus membros no MDB e detratando ditadores e seus auxiliares. Sabia o Partidão que, mais cedo ou mais tarde, a ditadura cairia. E de podre, como efetivamente veio a cair.
Ulisses: "A sociedade é Rubens Paiva"
Outras siglas preferiram pegar em armas. Foram massacradas. O caso mais candente é o da Guerrilha do Araguaia, que ceifou a vida de muita gente. O crime maior, nesses casos, foi que os guerrilheiros não apenas terminaram mortos, mais seus cadáveres jamais foram entregues aos familiares. Pior:  o Exército nunca admitiu ter assassinado pessoas após a rendição destas. E isso aconteceu aos milhares. É crime de guerra, e os apoiadores da ditadura diziam então que o Brasil enfrentava uma guerra de guerrilhas.
O PCB não ficaria incólume. Quando a "abertura" (triste eufemismo!) era inevitável, o general Geisel, investido no cargo de presidente, determinou o massacre de praticamente todos os membros do Comitê Central. Eles foram assassinados em uma reunião, a mando do assassino do Palácio do Planalto.
Esses são os fatos que a Comissão da Verdade tem o dever ético e moral de levantar. Que levante também as mortes provocadas pelos movimentos de esquerda, e elas aconteceram. Mas, nesse caso, talvez investigue um por cento da conta dos mortos.
Creio que, fazendo Justiça sobretudo aos familiares dos massacrados, essa Comissão vai prestar um tributo à democracia - que cresce ao desvendar crimes - e ao grande Ulisses Guimarães. Esse político, quando da promulgação da Constituição de 1988, teve a coragem de dizer, no Congresso e diante de uma democracia ainda tênue, claudicante, palavras que deveriam ser inscritas em placa e pregada na entrada do Legislativo: "A sociedade é Rubens Paiva; não os facínoras que o mataram!"               

2 de junho de 2012

O escândalo Lula

É pelo menos escandaloso o entrevero entre o ex-presidente Lula e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O segundo acusa o primeiro de ter tentado interferir no julgamento do Mensalão. O primeiro nega. Mas se as vidas públicas de ambos forem avaliadas, chega-se à conclusão de que Mendes deve mesmo ter sido vítima de uma tentativa de coação.
É acreditável e inaceitável que um ex-presidente se comporte como Lula. Ele vive em Brasília, se mete no Palácio do Planalto, almoça e dá conselhos à presidente como o criador dono da criatura, faz reuniões com ministros, interfere em assuntos de Estado, manda recados a políticos e convoca um ministro do STF para reunião de  conversas pouco claras ou inconfessáveis. Reunião à qual, por sinal, Gilmar Mendes não deveria ter ido. Fica também em posição delicada o ex-ministro (de Estado e do STF), Nelson Jobim. Afinal, ele foi o "mediador" desse triste episódio do atual mundo político brasileiro.
Os oito anos de Lula à frente da presidência todo mundo conhece. Seu hábito de mentir de maneira contumaz, também. Sua forma de interferir no Poder Legislativo, fazendo conchavos espúrios, idem. E agora sabe-se que, igualmente, reserva-se o direito de pedir à mais elevada corte de Justiça do País para não julgar um processo no qual "companheiros" são acusados de, dentre outras coisas, subornar corruptos. Esse fato ele nega, reiteradamente, mesmo diante de provas irrefutáveis. Mesmo contra todas as evidências, como se elas não existissem. 
Um dia, não sei quando mas será um dia, o Brasil acordará e fará o verdadeiro perfil desse ex-presidente. De Lula. E se descobrirá envergonhado por ter dado ao "operário" que chegou ao Planalto o status político que ele ostenta hoje e que o diverte e encoraja. Concluirá que esse crítico das "elites" é homem um homem rico graças aos incautos. Graças aos pobres, aproveitadores ou incultos.
Avaliará também que um escândalo como o atual é totalmente inadmissível numa democracia representativa, onde cada Poder tem uma missão constitucional específica. E não pode nem deve invadir o espaço dos outros, em nome da decência. Em nome dos valores republicanos!