30 de novembro de 2013

O crime ainda oculto

Vamos nos esquecer por algum tempo do fato de o helicóptero (na foto) de Gustavo Perrella -  ou da empresa dele, como preferirem - ter transportado em um voo longo, dois bandidos e 446 quilos de cocaína. Vamos nos esquecer do fato de que ele alega até agora não saber da carga do avião, embora admitindo ter emprestado o aparelho ao piloto e ao copiloto para a missão de transporte de carga que talvez, na visão dele, tenha sido de hóstias consagradas para a paróquia de Afonso Cláudio.
Vamos nos esquecer disso tudo.
Eu estava encafifado desde o dia do acontecimento e entrei no site da Robinson, empresa dos Estados Unidos que fabrica esses aparelhos. Fui no modelo R66 - os meios de Comunicação o mostram como sendo o que era usado - e pedi o peso máximo de operação aérea. Estava lá: "Passengers and Baggage with Maximum Fuel 927 lb (420 kg)". Ora, se o aparelho voava com 446 quilos de pasta base de cocaína e dois tripulantes e calculado que o ser humano adulto pesa em média 70 quilos, havia 586 quilos a bordo entre gente que não presta e droga que mata. Um excedente de 166 quilos.
O avião, um helicóptero de apenas duas pás no rotor principal, fez um trajeto de longa duração, com escalas, em condições críticas. Repito: em condições críticas. Teria sofrido fratura estrutural e caído se, por exemplo, fosse alcançado por um temporal ou submetido a turbulência acima de moderada.
Ninguém havia pensado nisso ainda? Pois é bom que fatos dessa natureza sejam muito bem avaliados. Se aquele avião pilotado por dois criminosos, com pelo menos mais dois ou três lhes dando suporte, tivesse sofrido um dano maior sobre uma região urbana, gente inocente poderia ter morrido. Até mesmo caindo sobre uma fazenda um helicóptero carregado de combustível explode e mata as pessoas. Há muito mais crimes envolvidos nesse episodio do que julga nossa vã filosofia.

    

21 de novembro de 2013

Bandido não caça bandido. Não caça nem cassa

José Dirceu se apresenta à Polícia para ver enviado à Papuda. "Que injustiça"
Bandido não caça bandido. Não caça nem cassa.
Depois que os primeiros "mensaleiros" foram presos pela Polícia em cumprimento a determinação do Supremo Tribunal Federal, já vimos de quase tudo. Só não consigo me recordar de já ter visto ladrão de galinha ser levado a avaliação médica para saber se pode continuar preso ou se vai para casa cumprir prisão domiciliar na favela. Ladrão de galinha só cospe sangue quando apanha da Polícia. E sai da cadeia, se sair vivo, quando termina a pena. Geralmente meses depois disso.
José Genoíno compara o hoje com o ontem. A Papuda com as prisões da ditadura. Há uma distância abissal entre ambas. No caso atual ele foi preso porque é corrupto e isso está provado num processo que tramitou por oito anos. No caso passado, foi preso político porque combatia uma ditadura militar. Ao longo de mais de quatro ou cinco décadas de caminhos curvos e turvos, só mesmo ele sabe onde esqueceu a dignidade. Ele, José Dirceu e tantos outros que lutaram contra um regime político de exceção e depois descobriram que isso poderia ser um grande negócio. Não era uma questão ideológica. Não para eles. Era um investimento. E todos apostaram nos empregos, dinheiros públicos e compra de parlamentares para sedimentar um governo que pretendia e pretende se perpetuar.
O mensalão só existiu porque há gente que se vende no Parlamento Brasileiro. Muita gente. Incontáveis políticos municipais, estaduais e federais. E por isso o Executivo barganha com eles. Quando não para dar dinheiro público - o caso dos "mensaleiros" -, quase sempre para trocar apoio por cargos de primeiro, segundo e terceiro escalão. Com porteira fechada. Com verba parlamentar intocada. E para nomear tantos "cargos comissionados" quantos houver. Para cônjuges, amásias, filhos, genros e noras, primos, cabos eleitorais e o que mais houver. A relação política entre Executivo e Legislativo no Brasil é um caso único de promiscuidade a céu aberto.
Por isso o Poder Legislativo não quer cassar o mandato de José Genoíno - e não vai querer cassar também os dos demais políticos antes de ouvir a si próprio. Ao seu corporativismo. E o apoio incondicional aos compradores de apoio desnuda um outro drama ético brasileiro: políticos entram e saem da Papuda todos os dias em vans alugadas com o dinheiro público. Vão ver os "correligionários". Visitas de parentes também não respeitam dias e horários. Isso só vale para familiares dos demais presos. Afinal, quem mandou roubar galinha? Ser batedor de carteira? Ladrão sem fraque e cartola? Assaltante de padaria?
O STF ou, melhor dizendo, seu presidente, vai continuar levando tiros vindos de todos os lados petistas e da "base de apoio". Se o esquema cair, como enriquecer em quatro ou oito anos? É uma questão de sobrevivência. E bandido não caça bandido. Não caça nem cassa.
   

7 de novembro de 2013

O Estado Cartorial

A fila numa das fábricas de dinheiro espalhadas pelo Brasil. Elas são grandes
A Rede Globo vem fazendo uma série de reportagens sobre a burocracia no Brasil e uma deles falou sobre o poder quase indiscriminado dos cartórios brasileiros que atuam como um poder à parte, com o "direito" de decidir sobre a vida dos cidadãos. Um tabelião deu entrevista arrogante falando da investidura que tem em função de seu cargo. A tal "fé pública".
Isso me remete a assuntos próximos. Aqui no Espírito Santo uma instituição à qual sou ligado e uma outra, de amigas minhas, vem passando o diabo com certo cartório. A primeira ficou meses para conseguir registrar uma eleição de diretoria, com as mudanças necessárias. Outra tenta sem sucesso, já faz tempo, corrigir um erro de endereço. Coisa que deveria ser banal, de decisão em poucos minutos, uma vez apresentados os dados.
Mas o procedimento funciona assim: a pessoa leva ao cartório, por exemplo, a ata de uma eleição e outros documentos exigidos por lei. Paga taxas, emolumentos e reconhecimentos de firma. Dias depois o responsável ela é chamada ao cartório, que apresenta a ela um ou dois erros encontrados. Uma vírgula fora do lugar, um número equivocado, uma bobagem qualquer. Essa pessoa pode retificar na hora? Claro que não. Leva o papelório todo embora, corrige e retorna. Paga novamente taxas, emolumentos, reconhecimentos de firma e solicita de novo o registro. Dias depois eles encontraram um terceiro ou quarto erro. Começa tudo outra vez. E aí mora a má fé, o enriquecimento ilícito da estrutura cartorial do Brasil.
Por que a instituição tem que pagar tudo várias vezes? Por quê? Para dar dinheiro ao cartório. E porque ele não encontra todos os erros de uma vez só? Porque tem que ganhar mais dinheiro. E cartórios, em qualquer lugar do Brasil, são fábricas de dinheiro. No caso que estou relatando, a lei deveria permitir a correção imediata, no local, das falhas encontradas. Dar ao cidadão comum também a tal "fé pública". Se ele fraudar, se ele mentir, se ele cometer qualquer crime, responderá na forma da lei. Muito simples. E os cartórios, também por uma questão ética e de não exploração das pessoas, físicas ou jurídicas, deveriam ser impedidos de cobrar mais de uma vez por um só serviço apenas porque algo teve de ser corrigido.
O Brasil é um Estado Cartorial. E toda a vez que se tenta mudar leis reduzindo o poder dessas instituições o mundo vira de cabeça para baixo. E o Congresso, responsável por fazer leis, acaba cedendo, postergando. O Congresso, como todos nós sabemos, é uma instituição muito "sensível".
Isso é um absurdo. Nem mesmo a questão dos concursos públicos para preenchimento de vaga de cada tabelião titular dos cartórios consegue avançar. Eles continuam sendo capitanias hereditárias intocáveis. Um bisavô meu era tabelião do Cartório de Registro Civil de Salvador, Bahia. Minha avó se lembrava do dia em que ele, o Doutor Francisco Gomes Villela, reuniu os filhos e disse que gostaria de ter um deles bacharel em Direito. A esse caberia a herança de tocar o cartório depois da morte dele. Simples assim.
Simples assim no Brasil Cartorial!
            

2 de novembro de 2013

Também não gosto de evangélicos

Assisti faz dois dias a uma nervosa conversa entre dois evangélicos num supermercado. Eles protestavam entre si contra uma coluna da jornalista Ruth de Souza, publicada em Época, e na qual ela falava, dentre outras coisas, que não gosta de evangélicos. Os dois usaram várias vezes o termo retaliar.
Também não gosto dos evangélicos. Mas não porque eles pensam diferente de mim, ateu que sou, mas porque desprezam a opinião alheia e têm como meta chegar ao poder no Brasil para, com isso, moldar o País aos seus dogmas, independente de continuarem ou não a ser minoria. E sem ouvir opiniões contrárias. Não é por outro motivo que existe uma "bancada evangélica" no Congresso Nacional e esse grupo defende as bandeiras do pensamento evangélico sem se importar minimamente com a opinião pública.
Os evangélicos combatem de todas as formas os gays e os avanços de suas conquistas de cidadania. E eles pagam impostos como todos os demais brasileiros.  Da mesma forma, desenvolvem uma luta sem quartel para que não passe pelo Congresso Nacional e não se torne lei texto algum que reconheça na mulher o direito de interromper a gravidez. Esse são só dois exemplos.
Aliás, o Brasil reconhece apenas três situações nas quais a gravidez pode ser interrompida: gestação de feto anencéfalo, concepção por estupro e risco de vida comprovado para a mulher caso ela leve a gravidez a termo. Tudo o mais é considerado crime. E na maior parte dos casos é mesmo. Pois os evangélicos não admitem nem ao menos essas três hipóteses. E fazem de tudo para torpedear qualquer iniciativa pró. Aprendi ao longo da vida a não desejar ao próximo o que não desejo a mim. Mas gostaria de ver algumas pessoas como as que dirigem as principais correntes evangélicas do Brasil recebendo de um médico a notícia de que sua mulher espera uma criança sem cérebro. Só um exemplo. Talvez essa pessoa dissesse: "Problema algum, também nasci assim!"
Aliás, existem centenas de correntes evangélicas espalhadas pelo Brasil. Seus dirigentes descobriram a mina de ouro que é governar as opiniões e os medos das pessoas, sobretudo e principalmente as de pouca cultura, e reinam sobre elas como nababos. Vendem perdão celestial, milagres e tudo o mais. Depois embarcam em seus aviões particulares para suas mansões no exterior. São diferentes uns dos outros sobretudo por questões pecuniárias. Mas estão todos unidas na decisão de crescer até ocupar o Poder Federal no Brasil. Então, adeus Estado laico!
Esse é o grande risco. E por isso também não gosto de evangélicos.