23 de fevereiro de 2014

Presos de fino trato

Conta-se que pela década de 1960, época da ditadura militar, um comandante da PM pediu ao governador Christiano Dias Lopes Filho para voltar ao Rio de Janeiro pois sua família não havia se adaptado bem ao Espírito Santo. Foi exonerado a pedido. Aqui é preciso explicar alguns pontos: naquela época eram os comandos regionais do Exército que nomeavam os comandantes das polícias militares. Eram todos coronéis daquela Arma. E essas nomeações não passavam pelos governadores.
Não estou conjeturando ou coisa parecida. Em conversa informal, depois de entrevista para o livro biográfico do professor Paulo Pimenta, o ex-governador Christiano Dias Lopes Filho confirmou-me isso. Foi a última entrevista que deu antes de morrer. E aparentava ótima saúde.
Os jornais foram noticiar o fato. Como os demais, O Diário era feito a linotipo. As letras eram composta a chumbo quente, linha após linha, e agrupadas formando as páginas que, então, terminavam gerando chapas de impressão. Deu para entender? Deve ter dado. Tinha-se que tomar cuidado, ao pegar linha após linha, com aquele chumbo quente, para nenhuma letra cair e deixar palavra incompleta. Não se sabe como isso aconteceu numa manchete de "oito colunas", mas o texto "Comandante da PM é exonerado a Pedido", de O Diário, depois de perder o primeiro "d" de "pedido", foi publicado no dia seguinte em letras garrafais: "Comandante da PM é exonerado a peido". A correria foi grande. O furibundo coronel do Exército queria "enquadrar" o responsável. Afinal, tratava-se de um militar fiel seguidor de um regime que prendia ilegalmente, torturava e matava cidadãos que discordavam do regime. Tem cabimento ser tratado assim? Não tem!
Um vice-diretor de presídio atual foi transferido depois de exigir que o preso da Justiça Delúbio Soares cortasse sua barba. Ele teria de ficar igual aos demais detentos, embora sendo "diferente". Os diretores do sistema prisional de Brasília se apressaram em dizer que o vice-diretor não foi retaliado coisa nenhuma. Sua transferência se deu "a pedido" para ganhar mais. Notem bem: a transferência se deu "a pedido", por vontade do transferido. Não se tratou de uma transferência "a peido".
Na penitenciária da Papuda, em Brasília, políticos, autoridades estaduais e federais, dirigentes do PT e outros transitam livremente, violando os direitos dos demais presos. Delúbio, por exemplo, instituiu a feijoada dos sábados na ala onde vive como "vítima do sistema". Proclama inocência da mesma forma que José Dirceu, visto aqui na foto, "revoltado" por ter que conviver com presos comuns. Já houve ordens judiciais para que os privilégios deixassem de existir. Ordens desconsideradas. Visitantes ilustres entram de branco, a cor da roupa dos detentos, ou então com coletes da Polícia Civil. Afinal, vamos repetir são altas autoridades da República. Julgam-se - e devem estar - acima da Justiça, das sentenças - mesmo transitadas em julgado. São os reis da vaquinha!
Já vivemos a época da ditadura, quando oficiais de fino trato prendiam os que hoje representam nossos poderes, acusando-os de subversão. Como muitos dos ex-presos atuais ingressaram na política para corromper e serem corrompidos, não podem voltar a ser presos como antes. Agora, o são, pois as sentenças transitaram em julgado. Mas tornaram-se presos de fino trato.     

19 de fevereiro de 2014

Um preço alto

Um cidadão com quem eu conversava sobre a atual situação do Brasil me disse um dia desses: "Se aquele cinegrafista que morreu não fosse jornalista talvez nada disso tivesse acontecido depois. Nada de protestos generalizados, de mudanças de leis, de palavras de ministros, nada".
Talvez não tivesse mesmo. Não na mesma proporção.
Mas é triste constatar isso. E a que ponto vai a irresponsabilidade de grupos não se sabe ainda financiados exatamente por quem, que destroem patrimônio público e agridem pessoas indiscriminadamente. Para tanto, "assessorados" por uma Polícia incompetente e incapaz de conter multidões e separar quem protesta de quem destrói.
Geralmente as reações chegam quando os atos fogem do controle, do racional. Aqui no Espírito Santo havia um deputado que, em tom de blague, dizia que a imprensa era, não a quarta mas a primeira força no Estado brasileiro. O Primeiro Poder. Um dia ele foi à tribuna da Assembleia Legislativa e bateu no peito gritando: "Eu tenho a força". Era sua forma de dizer que ninguém seria capaz de prendê-lo. Foi preso pouco tempo depois, levado para a cadeia e não tem mais mandato até hoje. Eram públicos e notórios seus vínculos com o jogo do bicho e outras atividades ilegais.
Como no Brasil a desordem moral vem de cima para baixo, começando pela Praça dos Três Poderes, as mudanças chegarem à base da pirâmide demora. Mas chegam. Natan Donadon está na cadeia. Ex-ministros também. Um ex-governador passou por lá. E a tendência é que a cada dia, a cada mês, mais e mais a consciência crítica desse País cresça, exija, modifique. Sem matar, sem destruir, usando apenas de sua força moral. Os black blocs vão tentar atrapalhar, muitos lutarão contra, detentores de poder farão de tudo para preservar seus privilégios mas o que está errado mudará. O festival de sandices atual e que proporcionou os desmandos da Copa do Mundo tem os dias contados.
Pena que Santiago Ilídio Andrade tivesse que morrer. Foi um preço alto.

11 de fevereiro de 2014

Santiago, o símbolo!

Santiago Andrade não era um jornalista famoso, embora tenha ganho dois prêmios por reportagens cinematográficas feitas para a TV Bandeirantes. Mas ele se tornou um símbolo com seu sangue derramado estupidamente na rua, atingido que foi por um rojão disparado por um idiota.
E Santiago é símbolo por um motivo simples: violências contra profissionais de Comunicação são cometidas no Brasil, em tempos recentes, desde a ditadura Vargas, passando pela que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. Parece que ficaram os hábitos e costumes daqueles tempos negros e eles de vez em quando desabam sobre alguns jornalistas que cobrem o dia-a-dia do Brasil.
A vítima de agora foi Santiago.
E é difícil dissociar o fato recente de outros mais antigos. Na época de Vargas, um torturador do DIP era conhecido por sua violência. Como se chamava Benedito, todo preso que era colocado no camburão para ser levado para a delegacia se perguntava: "Será o Benedito?". Queria saber por quem seria torturado ao chegar, geralmente para confessar o que não sabia.
Sérgio Paranhos Fleury foi o rei da maldade durante os tempos duros do regime militar recente. Mas ele tinha incontáveis seguidores, auxiliares, sei lá como se chama isso. Um torturador certo dia parou de torturar uma prisioneira para limpar o suor da testa e quando ela perguntou a ele se tinha coração, respondeu: "Tenho. Mas quando venho trabalhar deixo o coração em casa".
Esse tempo já passou. Já passou?
Nos últimos anos um dos passatempos dos membros do atual Governo - junte-se Lula e Dilma nesse saco - é culpar a imprensa por tudo. Pelo "mensalão", por exemplo. E esses ataques, essas acusações, servem para lançar parte da sociedade contra o trabalho dos jornalistas. Inclusive membros das corporações policiais. Violências têm acontecido. E vão acontecer outras se todos não gritarem contra a morte de Santiago com a mesma força usada nas épocas de ditaduras.
Lamento a morte de um companheiro de profissão. Lamento por uma jovem jornalista que não terá um pai para vibrar com seu trabalho, crescimento profissional e sucesso. Lamento pelo fato de aquele profissional que não chegou a fazer 50 anos ter se tornado símbolo. Mas é preciso que não haja outros mais. Se todos ficarem calados, se a gente não gritar, vamos continuar morrendo.