28 de junho de 2016

Os nossos dilemas e os deles

A vitória dos que defendiam a saída da Grã Bretanha da União Europeia pegou a todos de surpresa. Principalmente porque agora ninguém sabe o que está por vir. E analistas políticos de matizes os mais diferentes possíveis tentam traçar paralelos entre essa crise europeia e os problemas do hemisfério sul, onde despontam com mais força os do Brasil. Pontos em comum há.
No caso inglês, o resultado das urnas foi mais do que uma reação dos mais velhos contra a montanha de imigrantes que hoje toma sobretudo a Inglaterra. Lá, como nos Estados Unidos, há forte reação contra os políticos tradicionais, bem como a repulsa envolve sobretudo a classe média menos favorecida inclusive intelectualmente, tanto contra imigrantes que teoricamente vão lhes tomar os empregos, quando contra a tecnologia que aumenta a automação e rouba postos de trabalho a todos. Os seja, o protesto vai da mão de obra pouco capacitada à alta tecnologia. Duas coisas que vão continuar existindo, apesar de todos os protestos que se venha a fazer.
E o Brasil? Aqui vivemos uma época de descrença em praticamente todos os políticos, e essa apostasia nasce sobretudo na classe média, que vem perdendo status já faz alguns anos. Não precisamos nos separar de outros países, mas temos definições sérias a tomar em termos de convívio econômico regional - vide Mercosul e Unasul - e ainda uma luta sem tréguas contra a corrupção que se enraizou como um câncer terminal da vida dos brasileiros de todos os lugares.
A alguns parece que o mal está na esquerda. Dizem isso até mesmo aqueles que não sabem explicar politicamente o que é isso ou então os que chamam todos os pensamentos não direitistas de comunistas. A outros surge a direita ou o liberalismo, a livre iniciativa, como os responsáveis pelos danos sofridos pelo Brasil. Ambos os pontos de vista estão errados. O mal se situa na extrema direita, pois ela é xenófoba, racista e genocida; e também na corrupção da esquerda, já que esta destrói ideais e a economia, como acontece no Brasil.
Nós vivemos entre os discursos da "bancada evangélica" do Parlamento, para os quais até o rock tem a ver com o demônio, com a insanidade de Jair Bolsonaro e amigos, e também com as prisões de falsos próceres da "esquerda", todos envolvidos num esquema de saque ao País sem precedentes na história. Nosso dilema maior tem a ver com isso. E dele nasce a repulsa do brasileiro pelos políticos.
O que vai acontecer? Não existe no horizonte um líder carismático e não populista que possa disputar o comando do Brasil contra os políticos profissionais. E as soluções (?) estão vindo de ações judiciais como a Operação Lava Jato e outras, que processam e prendem corruptos.
Mas a solução para o Brasil, como para os Estados Unidos e a Inglaterra, nasce e morre no sistema político-legislativo. Os casos europeu e norte-americano são problemas deles. O nosso é nosso. E só sairemos do atoleiro onde nos metemos se varrermos a corrupção e a maioria dos corruptos dos postos de comando. Sem isso apenas viveremos épocas de trégua sem progresso permanente. E essa luta é de todos os brasileiros. Em todos os dias, a todas as horas e todos os minutos.

14 de junho de 2016

Nosso herói desconhecido

Monumento a Domingos José Martins
No dia 12 de junho de 2017 vão se completar 200 anos da morte de Domingos José Martins. Fora de círculos acadêmicos e dos das pessoas que se interessam por história, poucos sabem quem foi esse capixaba que lutou na Revolução Pernambucana, também chamada de Revolução dos Padres, um movimento emancipacionista que eclodiu em seis de março de 1817 na que era então a Capitania de Pernambuco e foi sufocado violentamente pela Coroa portuguesa.
As razões para a Revolução são várias. Vão desde as ideias iluministas propagadas pelas sociedades maçônicas das quais Domingos fazia parte, passando pela crise econômica regional, o absolutismo monárquico português e os enormes gastos necessários para custear a Família Real e seu séquito, que haviam chegado ao Brasil por aqueles tempos. As capitanias tinham que enviar ao Rio de Janeiro enormes somas para o custeio dos portugueses, o que envolvia até as faraônicas festas que davam.
Domingos nasceu no Sítio Caxangá, no hoje município de Marataízes, filho de militar. Foi para Portugal, depois para a Inglaterra. Tornou-se comerciante também e amigo de um certo general Miranda, que havia lutado na guerra pela independência dos Estados Unidos e numa tentativa de emancipação da Colômbia. Esses, dentre alguns outros, foram os caldos de cultura da formação do revolucionário capixaba. Ele queria, como muitos, o Brasil emancipado de Portugal.
Mas o movimento acabou derrotado. Domingos Martins foi preso, enviado à Bahia e arcabuzado (fuzilado por arcabuzes) no dia 12 de junho de 1817 no Campo da Pólvora, hoje conhecido como Campo dos Mártires. Virou, com o tempo, patrono da Polícia Militar do Espírito Santo, do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), da cadeira 14 da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), nome de escola e de um município de região de montanha capixaba.
Mas é desconhecido pela esmagadora maioria dos espírito-santenses.
O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo tem obra sobre a vida dele. Em Pernambuco os relatos da Revolução de 1817 o situam no contexto da revolta. E como falta pouco tempo para se completarem dois séculos de sua execução, está na hora de o Espírito Santo resgatar oficialmente essa história. Nos colégios, nos círculos acadêmicos, nas discussões acerca de nosso passado, de nossa herança cultural, em todos os lugares onde as maiores figuras tenham um "altar" assegurado.
Os que usam o termo "herói" com as conotações atuais hão de perdoar Domingos José Martins. Ele não marcou um gol decisivo, não bateu recorde esportivo algum, não ganhou disputa de música e nem praticou outros atos menores. É um herói de nossa história por motivos maiores. Por ter lutado por um Brasil livre das amarras e dos grilhões que o mantinham colônia.  


12 de junho de 2016

O nosso vazio de líderes

O respeito de antes se  materializa na foto acima. Onde ele está hoje em dia?
O escritor escocês Irvine Welsh, que hoje mora nos Estados Unidos onde se prepara para lançar o livro "A vida sexual das gêmeas siamesas", sobre a vida na América e mais precisamente em Miami, deu entrevista a Época na qual, provocado pelo repórter, acabou tendo que falar sobre as eleições de novembro naquele país. Posso destacar do dito o seguinte:
"Trump e Hillary são duas das pessoas mais odiadas dos Estados Unidos. Se os dois candidatos são há algo errado com o sistema político. (...) representam a tão desprezados pelo povo, é porque avareza, a ganância, a arrogância, a pura ambição e o egoísmo. E aí você pensa: 'Meu Deus! A sociedade está tão ruim e débil que só conseguiu produzir candidatos assim?'".
Michel Temer é desprezados por grande parte do eleitorado brasileiro. Dilma Rousseff, por parcela incomparavelmente maior dele. Lula, que ainda detém parte de seu capital político apesar de todo o envolvimento nos escândalos das últimas duas décadas, tem rejeição recorde entre o eleitorado e corre o risco de vir a ser preso. Aécio Neves não consegue o respeito desse mesmo eleitorado.
O que está havendo conosco é parecido com o que ocorre nos Estados Unidos.
Selecionei para essa crônica a foto que a ilustra. Paulo Brossard (à esquerda) fala com Tancredo Neves (ao centro) e com Ulísses Guimarães (à direita). Eram líderes na mais pura acepção da palavra. Não aglutinavam todo o eleitorado, claro, tinham oposição de setores que ficavam bem à esquerda ou à direita do espectro político, mas em torno deles havia respeito. Quem, hoje, dentre os políticos mais em evidência, tem pelo menos uma pequena parcela da representatividade daquele trio? Ninguém. Nem mesmo Aécio conseguiu, ao longo da carreira, transferir para si parte do prestígio do tio.
Nós vivemos a mesma encruzilhada dos Estados Unidos? Não.
O que nos diferencia é que lá o melhor da política, com todos os seus percalços e representado pelo presidente Barak Obama, tenta evitar que um despreparado fanático chegue à Casa Branca e à proximidade dos botões que disparam mísseis nucleares. Aqui, um sindicato de ladrões apeado do governo tenta de todas as formas voltar a ele para garantir, ao menos em parte, a estrutura montada ao longo de 13 anos para a perpetuação de um projeto, não de Estado, mas de poder.
Nos Estados Unidos há um dilema. Aqui, uma tragédia.
Mergulhados na maior crise econômica da nossa história, não temos mais líderes robustos, de respeito. Temos a crise, o Centrão, um vazio que a mim principalmente assusta. Os líderes que se foram não conseguiram formar quem os sucedesse. Resta a nós, nesse momento, escolher o caminho menos pior. Aquele que mostra uma réstia de luz ao fim do túnel. E esse caminho se materializa no não retorno da presidente Dilma Rousseff ao poder. Ao menos para evitar o caos.  

11 de junho de 2016

Metamorfose calhorda ambulante

Em 1996, como ele mesmo fez questão de lembrar no discurso feito na noite de 10 de junho na Avenida Paulista, Lula denunciou "os 300 picaretas do Congresso". De lá para cá muita água passou por debaixo da ponte e a "metamorfose ambulante", como o ex-presidente de definiria um belo dia, acabou sendo amigo fraterno de muitos desses picaretas. Precisava deles para governar o Brasil e como seus atos se confundiam com os dos picaretas, o País passou a não conseguir diferenciar quem eram esses e que eram aqueles (no caso, Lula e seus ministros/amigos mais chegados).
Na noite de 10 de junho Lula retornou ao discurso de 20 anos passados. Disse sobre um caminhão de som durante os protestos petistas contra o presidente interino Michel Temer que os 300 picaretas de antes hoje são talvez muitos mais. Não sei se ele se inclui no rol. Incluo-o eu por minha iniciativa.
Lula não tem pudor. Para ele, o dito ontem não fica registrado. Não nas mentes daqueles que pretende alcançar com seus arroubos de boquirroto irresponsável. Diz, desdiz, acusa, nega, denuncia, recua e, sobretudo, mente. Mente desaforadamente o tempo todo. Tenta de todas as formas construir a cada dia uma "realidade" nova que sirva aos seus interesses. Elas, claro, nada têm em comum. Os interesses, claro, mudam a cada dia passado. Em comum as "realidades" de Lula guardam o fato de não serem reais. Como a vida dele é baseada em ficção política, suas "realidades" também o são.
Lula ameaça ser candidato à presidência da República em 2018. Promessa essa que guarda algum risco. Até lá existe a hipótese de que a "alma viva mais honesta desse País" - mais uma vez como ele próprio se definiu numa entrevista a jornalistas - esteja presa acusada de uma série de crimes. A alma e seu dono. O principal desses crimes, de ter usado a presidência da República para enriquecer desonestamente, enriquecer sua família, seus amigos e um seleto grupo de grandes empresários brasileiros, a maioria dos quais empreiteiros de obras públicas. Para azar de Lula, tanto esses empresários quanto muitos dos mais próximos amigos de governo do início dos anos de ouro do PT, em 2003, estão hoje cumprindo pena por crimes os mais variados possíveis.
Mas esse tipo de coisa não entra na cabeça de Lula. Ou então entra e ele expulsa. No discurso da Paulista (veja a foto que ilustra esse texto) ele não encampou em momento algum as teses atuais da presidente afastada Dilma Rousseff. Falou em respeito aos votos sem tocar no ponto crucial: votos e eleições têm que ser conquistadas dentro da lei. E mais uma vez usou a velha tática do amigo dos pobres, daquele que governa pelos menos favorecidos num instante da vida brasileira em que todos sabem, sobejamente, que Lula governa para si próprio e para os ricos que lhe dão apoio.
"A alma viva mais honesta desse País" é um mito que a realidade vai aos poucos desmontando. E a "metamorfose ambulante" existe. Mas é uma metamorfose calhorda ambulante.