25 de julho de 2016

Mise-en-scène tupiniquim

"Terrorista" brasileiro é levado para a prisão com espalhafato
Nossos "terroristas" foram enviados para uma prisão de segurança máxima em Mato Grosso do Sul. Vão ficar ao lado de criminosos da mais alta periculosidade para servirem de exemplo. Para que nunca mais tentem comprar fuzis AK-47 pela internet. E, mesmo chamados de amadores pelo mais alto escalão da República, serão tratados como profissionais. Como se do Estado Islâmico fossem. E se os verdadeiros insurgentes chegarem, atraídos por nossas belezas? Bem, aí a gente vê.
O que é um "terrorista"? Basicamente um inimigo que usa da violência. Quando é aliado se torna radical. Se a gente passar em revisitar os noticiários brasileiros dos últimos tempos, vai chegar a essa conclusão. Focando somente a questão israelense, veremos que quando Israel mata crianças da Palestina, os matadores são pessoas sem juízo. Já palestinos com bombas de festa junina nos bolsos são terroristas perigosos. Então prendemos os nossos "terroristas" e os mandamos ao cárcere sem contemplação.
O Brasil nunca foi alvo de grupos extremistas muçulmanos. Não estamos no circo dos horrores e nossa sociedade permite poucos exibicionismos ou violências do gênero. As mazelas brasileiras restringem-se ao crime organizado que, por aqui, é unido umbilicalmente ao tráfico de drogas. E as injustiças sociais colaboram para agudizar o problema. Tanto que jamais o vencemos.
O Brasil faria bem se cuidasse da questão atual de forma comedida. Fazendo segurança cerrada nas Olimpíadas, mas tratando a questão de um possível atentado como algo ainda existente apenas no terreno das probabilidades. E os 12 brasileiros amadores presos ao longo da semana passada e ontem têm pouco a colaborar nesse terreno. As autoridades brasileira sabem muito bem disso.
Jogo de cena fica bem no teatro. Fora dele, com 88 mil homens nas ruas para garantir a segurança das Olimpíadas e dos turistas que por aqui passarão, agirão melhor aqueles que ficarem agindo quietos, silenciosos, aguardando por um descuido de improváveis verdadeiros criminosos internacionais.
Vamos partir do princípio de que não há defesa contra quem ataca protegido pelo anonimato e pela escuridão. Se França e Alemanha, para citarmos apenas dois exemplos, são vítimas, de que somos capazes nós, com nossa experiência zero nesse terreno? De quase nada.
Vamos torcer pelo sucesso nos Jogos Olímpicos nessa arena, já que nas demais o fracasso já está desenhado. É tudo o que Brasil pode fazer. Jogo de cena ajuda pouco ou nada.      

14 de julho de 2016

Um herói esquecido

Sérgio Carvalho o sertanista Cláudio Villas-Boas
No dia seis de fevereiro de 1994, recordo-me bem, foi noticiada a morte de Sérgio Miranda de Carvalho. Sem grande destaque. Lembraram-se os meios de Comunicação de que era um ex-capitão aviador paraquedista da Força Aérea Brasileira, que havia sido reformado compulsoriamente e passado para a reserva em 1969 e que seu apelido era Sérgio Macaco. Pouca coisa. Não houve espalhafato em torno do caso. Mas deveria ter havido. Ele era um herói esquecido da época da ditadura militar.
Durante aquele período, a resistência contra o golpe que chegou à deposição do presidente João Goulart fez com que milhares de brasileiros aderissem à luta armada. Um erro que custou milhares de vidas. E até hoje muitos homenageiam os mortos que tentavam pela via da força acabar com um regime político imposto ao Brasil pelas armas. Admirei e admiro muitos deles. Mas seu erro levou nosso País a permanecer por mais tempo sob a tutela das administrações militares.
Sérgio Miranda de Carvalho nunca foi glorificado por um motivo simples: ele entrou para a história não pode ter atuado com armas nas mãos mais sim por ter se recusado a isso. Com pode?
Em abril de 1968 crescia a reação do governo militar à luta das instituições de esquerda contra a ditadura. Sobretudo reação por luta armada. Presos eram barbaramente torturados e muitas vezes assassinados nas diversas instalações de combate à "subversão". Ainda não havia sido editado o AI 5, mas a estrema direita pretendia aplicar um golpe de morte aos comunistas. Como? Praticando um ato terrorista de grandes dimensões que seria, depois, atribuído a estes. Dessa forma seria possível convencer as alas militares mais brandas e a opinião pública a apoiar um massacre.
O plano foi desenvolvido graças a um psicopata. O brigadeiro João Paulo Burnier entregou a um grupo de quarenta homens do PARASAR (unidade de busca e salvamento da Aeronáutica) o projeto de eles atacarem pontos estratégicos de várias regiões do Brasil e explodirem o gasômetro, no Rio de Janeiro, provocando milhares de mortos. Entre o plano e sua execução estava o capitão aviador da ativa Sérgio Miranda de Carvalho. Ele não apenas se recusou a fazer isso como, apoiado por colegas, frustrou e fez vazar o plano que teve de ser abortado. Mas o alto comando da Aeronáutica, na época da ditadura, era duro: Sérgio foi afastado em definitivo da Força Aérea um ano depois.
O brigadeiro Eduardo Gomes, em 1978, pediu que o oficial fosse reincorporado em carta diretamente enviada ao então "presidente" Geisel. Em vão. Na Justiça, seus parentes e amigos conseguiram que o Supremo Tribunal Federal determinasse o retorno de Sérgio às atividades, como brigadeiro, em 1992 (posto que ele exerceria se tivesse continuado sua carreira). O ministro da Aeronáutica de então, brigadeiro Lélio Lobo, recusou-se a cumprir a ordem. Houve uma segunda determinação, também descumprida. Por derradeiro, o STF determinou o cumprimento da sentença ao presidente Itamar Franco. Esse se recusou a entrar para a história engavetando a ordem da Justiça. Não foi preciso esperar muito mais tempo, pois em 1994 o câncer derrotaria o ex-capitão.
Raramente alguém se lembra dele. Foi um militar oriundo das classes baixas, não tinha descendência na carreira, era negro, apelidado de Macaco e ainda se recusou a cumprir ordens. Como servia no PARASAR, entendeu que o destino o reservara a salvar e não a tirar vidas. Viveu seus últimos tempos quase incógnito. Hoje, quando a gente considera herói até mesmo goleiros que defendem pênaltis, seria bom nos lembrarmos de um oficial militar que poderia ter matado milhares e se recusou.
Seu heroísmo raramente é lembrado.  

9 de julho de 2016

O hábito da mentira

O Brasil se acostumou, desde talvez alguns séculos passados, à mentira oficial. Um exemplo disso é que a "Revolução de 31 de março" na verdade aconteceu no dia seguinte, 1º de abril de 1964. Mas como ela não poderia ser comemorada no "dia dos mentirosos", o engodo foi encampado à história.
Abro dessa forma esse texto para me reportar a um fato dessa semana que se encerra hoje: ministros do Governo Temer, um ao lado do outro, como um grupo de colegiais, anunciando a redução do "rombo" em 2017, que cairá, segundo eles, de 170 para 131 bilhões de reais. Como? Através de uma série de reduções de despesas como os pagamentos a inválidos da Previdência.
Gente, onde está a reforma do Estado? Onde está a redução do custo Brasil? Onde está a demissão de mais de quatro mil apaniguados do PT contratados nos últimos anos e cujas cabeças Temer prometeu, mesmo sabendo que esse número nem representa 10 por cento do contingente de cargos comissionados contratados nos últimos 13 anos para instrumentalizar o Brasil? Onde está a redução dos ministérios? Onde está, sobretudo e principalmente, a eliminação dos privilégios brasileiros? Temer sabia que não faria 90 por cento do que prometeu. Mentiu e mandou seus ministros discursarem em nome da redução do déficit monstruoso das contas públicas. Do Brasil inchado. Há pagamentos indevidos na Previdência, sim. Mas nem chegam aos pés dos demais tipos de roubos. Mas também há no Bolsa Família. Por que ele não ataca por essa trincheira?
Tirar Dilma Rousseff do Palácio do Planalto era e é uma necessidade. Nunca antes na história desse País se viu tanta corrupção. Da mesma forma, era e é uma necessidade que seu impeachment passe pelo Senado em agosto próximo. Essa faxina tem que se feita e completada. E é preciso, em 2018, os brasileiros encontrarem um líder para levar esse Brasil a porto seguro. Claro, o líder não é Temer, Dilma, Lula, Aécio nem nenhuma das outras figuras existentes hoje. Mas há tempo para que surja.
Temer mentiu por saber, desde o início, que não teria forças para enfrentar as corporações dominadoras do Brasil. Corporações essas que não se limitam ao barulho feito por funcionários públicos insatisfeitos com o congelamento de seus privilégios, mas que também se corporificam nos grupos de interesse do Legislativo e do Judiciário. Existe, gente, sobre a face da terra, algo mais disforme, mais canalha, mais despudorado do que esse tal de Centrão da Câmara dos Deputados?
Hoje, todas as grandes revistas noticiosas semanais de circulação nacional tornaram-se discursos monocórdios. Só escreve nelas quem defende a privatização de tudo e de todos. Mas os escândalos brasileiros não têm como grandes protagonistas os maiores conglomerados empresariais brasileiros? Então como colocar na conta de nossos dissabores apenas e tão somente a inépcia do Estado, quando sabemos que ela deriva, não do fato de as empresas públicas serem incapazes por princípio, mas de nossa "tradição" de distribuir nomeações com cargos de direção de estatais a apaniguados? O Estado tem que existir, e empresas públicas só são eficientes quando dirigidas profissionalmente.
Fiz um texto de perguntas. E isso por um motivo claro: se a gente não responder a todas elas em prazo curto ou médio, a crise brasileira só irá se agravar. E outros aproveitadores, outros despreparados como Lula se aproveitarão do fato para chegar ao poder com demagogia e corrupção.