27 de outubro de 2010

"Manifesto em defesa da democracia"


Há poucos dias, em 22 de setembro, um grupo de notáveis, daqueles homens que costumam honrar os países onde vivem, divulgou o "Manifesto em defesa da democracia". Assinado por pessoas como Hélio Bicudo, Dom Paulo Evaristo Arns, Ferreira Gullar, Miguel Reali Jr., José Carlos Dias, Henry Sobel e outros. Eles alertavam para o risco que corremos de aviltar a democracia representativa, substituindo-a por uma espécie de ditadura sindical onde os poderes da República seriam sufocados pelo Executivo.
Hélio Bicudo, jurista reconhecido internacionalmente e um dos fundadores do PT, gravou um pronunciamento no qual alerta para esse risco. Para o descaso com que são tratadas as instituições brasileiras e a falta de compostura do Presidente atual no momento em que se escolhe seu sucessor e ele usa a máquina do Estado em favor de um candidato, contra outro. Quando quer sufocar o Poder Legislativo. Quando lamenta ter que acatar ordens judiciais. Quando não respeita as leis em vigor em seu país.
Sabiamente, Hélio Bicudo destacou, logo de início: "Em uma democracia nenhum dos poderes é soberano. Soberana é a Constituição." Claro, é ela que dá corpo e alma ao Estado Democrático. Ela se corporifica pelo respeito que enseja e corporifica, em consequência, o respeito às instituições por ela representadas. Todos crescemos com isso!
Durante 21 anos, de 1964 a 1985, um grande número de brasileiros lutou contra um regime político autoritário, assassino e que estuprou a Constituição. A luta, desenvolvida por pessoas dos mais diversos credos políticos, tinha por objetivo devolver aos brasileiros um país que não fosse capaz de calar à força seus cidadãos. Isso uniu a todos naquela época! Gente que ia da direita à esquerda do espectro político nacional, sem distinção de renda, credo, cor, nada.
O que estamos vendo hoje no Brasil é a criação lenta mas gradual de um arremedo de democracia; um estado autoritário de organização sindical, pretensamente voltado para os pobres, mas que enriquece apenas seus parentes e apaniguados. Realiza esse "projeto" faz quase oito anos, desavergonhadamente. É preciso acordar para isso. É preciso notar que os escândalos não são meros acontecimentos imprevistos, mas uma prática de governo. É necessário ver para onde vamos. E não estamos indo para onde queremos.

14 de outubro de 2010

As eleições do aborto e da irresponsabilidade


Existem momentos nas campanhas políticas nos quais elas deixam definitivamente o terreno do sério, da discussão de programas, princípios e metas, e invade a região da falta de decência. A reta final da campanha presidencial de 2010 chegou a esse ponto no momento em que líderes de diversas facções religiosas transformaram palanques em púlpitos para discutir o aborto com os dois candidatos que decidem o segundo turno em 31 de outubro.
Um assunto dessa magnitude jamais poderia ter sido colocado à frente das discussões de campanha. E principalmente com interesses religiosos à frente, num estado laico. O aborto no Brasil é algo tão grave, tão pungente e de saúde pública, que tende a ser tão ou mais urgente que o combate ao crack. As demagogias baratas e promessas de campanha, ainda mais as que contrariam declarações públicas dadas anteriormente, não resolvem. Agridem o assunto.
O Brasil prevê a interrupção da gravidez em três casos: gestação decorrente de estupro, que comprovadamente pode levar a gestante à morte e de feto anencéfalo. Neste último caso com autorização judicial. E muitos magistrados colocam suas crenças, seus dogmas, à frente das decisões sem considerar que as grávidas são outras pessoas. Os danos mentais serão delas.
Simplesmente descriminalizar o aborto, todas as demais formas de interrupção irresponsável da gravidez, ainda mais em instalações do Sistema Único de Saúde, constitui insensatez. Crime.
Mas discutir esse problema - que envolve a morte de milhares de mulheres todos os anos em clínicas clandestinas num Brasil onde o nível de informação das camadas mais subalternas da sociedade é mínimo e a saúde pública, um caos - numa véspera de eleição em palanques improvisados e diante de atores fora do contexto é tão grave, tão hediondo e desonesto quanto as fotos de fetos mutilados que pastores pouco sérios carregam nas pastas e notebooks para impressionar seus "rebanhos" de incautos.
Ao mesmo tempo, não é possível deixar de dizer que as diversas correntes religiosas têm que encontrar uma saída para a imensa contradição contra a qual seus discursos esbarram: ao mesmo tempo em que levam a discussão sobre o aborto aos extremos, demonizam as soluções de contracepção. Já ouvi de lideres religiosos que usar caminha é pecado e não evita a AIDS. Outros estendem essa proibição a todos os métodos anticoncepcionais. E sabemos todos nós que eles devem ser usados, sim, sobretudo e principalmente por casais monogâmicos que não desejam mais filhos por não ter meios de criá-los com dignidade.
Fazer isso é melhor do que trazer ao mundo mais miseráveis. Ou então buscar a morte nas "fábricas de anjinhos" que ocupam quase todas as periferias brasileiras. Demagogias de época de eleição, documentos-compromisso assinados em troca de votos, promessas feitas na esperança de conquistar o poder para pagar depois com cargos, nada disso resolve problemas graves. Muito pior: sequer consegue escondê-los. Só a miséria somada à ignorância das populações podem fazer com que essas aberrações continuem existindo.

6 de outubro de 2010

De Cacareco a Tiririca



Dos 130 milhões de eleitores brasileiros, 54% são analfabetos, analfabetos funcionais ou não terminaram o ensino fundamental. E a esmagadora maioria deles ama Lula e acha Tiririca o máximo. Daí porque este último obteve 1,3 milhão de votos na eleição de domingo como deputado federal pelo Estado de São Paulo.
Fosse o Judiciário brasileiro mais ágil, mais vigilante e sequer o registro da candidatura do palhaço seria aceita. Afinal, um membro do Poder Legislativo tem que saber ler, escrever e ter conhecimentos que permitam a ele exercer minimamente suas funções. Mas o palhaço está eleito e agora um processo de cassação de seu registro será algo constrangedor para ele que não escolheu sua falta de cultura formal. Só escolheu - ou escolheram por ele - usar um discurso errado, de deboche, para captar votos numa campanha política onde nada mais tinha a dizer.
Temos, portanto, qualquer coisa em torno de 71,5 milhões de eleitores situados entre aqueles que, como Tiririca, também não sabem o que faz um deputado federal. Ou um vereador. Ou um deputado estadual. Ou um senador. Ou um prefeito, um governador ou o presidente que eles idolatram. Aliás, no caso deste, sabem que conta piadas sobre futebol e paga Bolsa Família.
Por todos esses motivos, surpreendeu aos jornalistas do The Guardian, da Inglaterra, a eleição de nosso palhaço gaiato foi classificada por eles como deprimente ou coisa parecida. Mas não surpreendeu a nós, brasileiros. Lembro-me de que quando era criança e morava em São Paulo, os eleitores daquele Estado elegeram Cacareco vereador. Mas ele não tomou posse talvez principalmente por excesso de peso, como se pode ver pela foto ao lado.
É que Cacareco era um rinoceronte do Jardim Zoológico de São Paulo e recebeu imensa votação - naquela época escrita sobre cédulas de papel - como protesto contra a falta de seriedade política existente no Brasil. Estávamos na década de 1960. De lá para cá pouca coisa mudou no que tange a isso. O rinoceronte já morreu faz muitos anos e Tiririca hoje é o retrato não de um Brasil que protesta, mas do outro que não entende para que servem os parlamentares.
Um Brasil que se vê em Tiririca. Que se identifica com ele. E que cultua o seu presidente Lula até mesmo em altares nordestinos em frente aos quais o povo reza todos os dias, nas salas de casa, como se fosse ele um novo Padrinho Cícero Romão Batista versão século XXI. E isso pode ser visto em matérias jornalísticas sérias e focadas nas eleições de domingo, dia 03 de outubro de 2010. Cerca de 50 anos depois de Cacareco.
Isso o The Guardian não sabe ainda.

1 de outubro de 2010

Meu Congresso pocotó (4)


A última das constatações relativas ao que o brasileiro pensa das funções legislativas levantadas por uma pesquisa Época/Ibope é talvez tão grave quanto as demais: parte substancial da população imagina ser função do Poder Legislativo e de seus membros conseguir empregos para os eleitores e promover ações de lazer, além de eventos sociais, para os cidadãos.
No Espírito Santo, o Poder Legislativo estadual foi mais longe: desde o início da legislatura que se encerra agora, em 2010, ficou decidido pelos parlamentares que quem trabalha em campanha política, o cidadão conhecido como "cabo eleitoral" tem emprego garantido na Assembleia Legislativa em cargos comissionados (CC) se o candidato dele for eleito. E os cabos eleitorais lutam muito por isso... Para não serem todos contratados pelos gabinetes dos deputados que ajudaram, há nomeações cruzadas e também outras para os diversos setores do Legislativo onde podem ser nomeados os CCs. E esses cargos são muitos! Inúmeros! Quase incontáveis! Há uma quantidade enorme deles prevista no organograma da instituição.
Isso é feito em outros lugares. Político promove festa, quadrilha (no bom sentido) junina, aniversários, casamentos, deslocamentos (inclusive para votar) e mais uma infinidade de coisas, sem economizar. Da mesma forma como se dá com a prática da Assembleia do Espírito Santo, tudo é pago com dinheiro público. Os impostos do capixaba sustentam os cabos eleitorais.
Portanto, quando o cidadão comum responde a uma pesquisa afirmando o que foi afirmado, ele imagina ser correto o que vê todos os dias. O que é prática comum, embora ilegal, aética e imoral. Mas, na visão do político, tem alguns "méritos": ele não precisa lutar tanto para conseguir verba de campanha já que é você, leitor, quem vai pagar a conta e, além disso, sobra dinheiro ao final da peleja. E com esse dinheiro pode-se construir fantásticas Casas da Dinda!
Em público, a maioria dos parlamentares diz combater tais situações e querer diminuir o inacreditável número de CCs no Legislativo. Mas em público. Depois, quando estão trancados nos gabinetes eles simplesmente nomeiam. E muito. Todos os dias!