Em entrevista ontem ao jornal O Globo, o presidente Jair Bolsonaro admitiu publicamente e pela primeira vez o que todo mundo já sabia: seu projeto de lei (PL) que prevê a figura do "excludente de ilicitude", unido à decisão de usar o artigo 142 da Constituição em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) visam unicamente impedir que haja no Brasil protestos contra seu governo. E não existe nada mais antidemocrático do que isso: blindar-se contra os que se opõem a seus atos.
Ou seja: não é possível que um presidente, sozinho, possa convocar as Forças Armadas para irem às ruas reprimir passeatas e outros tipos de protestos civis. Ainda mais quando a isso se soma um PL que nada mais quer dizer além de uma explícita autorização para matar. É preciso que o Congresso modifique o texto constitucional do artigo 142 para impedir que um presidente convoque sozinho as Forças Armadas em repressão de movimentos populares, a menos que esse ato tenha também o respaldo do Senado Federal, da Câmara Federal dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal e nas pessoas de seus presidentes em exercício. Lembremo-nos: Exército, Marinha e Aeronáutica existem para a defesa do Estado quando este está sofrendo ameaça à sua integridade, sobretudo externa.
Tudo o que o atual presidente pretende fazer está amparado em um artigo da Constituição Cidadã do Brasil que diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (grifos são meus).
Desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, jamais um chefe de Estado fez uso desse artigo. Nem mesmo Fernando Collor ou Dilma Roussef, alvos de protestos que tomaram as ruas e levaram aos seus afastamentos. O primeiro renunciou. A segunda sofreu impeachment. Em todos os 31 anos de vigência da Constituição, os presidentes entenderam que o povo tem o direito de se manifestar, sobretudo nas ruas. Como dizia Castro Alves, "a Praça é do povo, como o céu é do condor..."
O desapreço de Bolsonaro pelos direitos daqueles que se opõem a ele e aos valores da democracia representativa são de conhecimento público. Enquanto ele usa essa falta de princípios apenas e tão somente para seus toscos discursos públicos diários não há problema. Muitos até riem. Mas quando seus atos chegam ao absurdo de ameaçar toda a população brasileira com mortes indiscriminadas sob o argumento de que quem protesta é "terrorista", a coisa adquirem outra dimensão, e se torna muito mais séria.
Não custa lembrar para não nos alongarmos muito: em 1985, quando a ditadura militar acabou no Brasil, a imagem das Forças Armadas estavam incrivelmente desgastadas porque, ao longo dos 21 anos anteriores elas haviam se envolvido em episódios de prisões ilegais, torturas e assassinatos. Não creio que aos militares interesse hoje a volta de tudo isso nos casos de protestos de cidadãos, ainda mais de estudantes (como mostra a foto) ou de trabalhadores sem terra e agora sem futuro.
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