30 de março de 2024

Faz 60 anos... (6)


No dia 1° de abril de 1964, isso eu saberia depois, a caça aos comunistas do Espírito Santo começou rapidamente. No jornal A Gazeta havia muitos jornalistas ligados a grupos de esquerda e a partidos comunistas, como eram os casos do PCB, o Partidão, e o PCdoB. Em A Tribuna também, mas o número era menor. Eles se tornaram alvos fáceis dos militares e civis ligados à ditadura muito rapidamente. Muita gente acabou perseguida desde o primeiro momento como foram, dentre outros, os muitos casos o jornalista Darly Santos e o músico Maurício de Oliveira. Darly ainda se escondeu por alguns dias na casa de praia de outro jornalista - vou contar esse episódio no artigo de amanhã -, mas depois retornou para enfrentar as feras de peito aberto. Maurício foi encontrado logo e detido. Ambos foram parar o 38º Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, e deram sorte de não serem alvo de torturas ferozes. Mas isso os marcou, embora até de forma hilária.

Um oficial, Darly não se lembrava da patente, ficou diante de ambos. "Você é comunista?", perguntou para o primeiro. "Não, sou jornalista", respondeu ele. "Você é comunista?", questionou o músico em seguida. Maurício gaguejava quando ficava nervoso, o que estava acontecendo naquele momento, e tentou responder de pronto: "Não, sou vio-vio-vio-lo-lo-nista!" Sabe-se lá porque motivo, mas os dois foram liberados logo em seguida. E isso se deu nos primeiros dias da ditadura, quando o nível de selvageria dos fascistas ainda não era tão grande.

Mas isso duraria pouco tempo. O fotógrafo Gildo Loyola Rodrigues, que trabalhava em A Gazeta, era militante comunista. Um dia chegava à pensão onde morava e foi preso. Os policiais que o interrogaram tinha nas mãos o quadro com o prato do dia para o almoço. Coisa como "arroz, feijão, bile, macarrão, salada". O policial perguntou a ele: "qual é a senha?" Gildo tentou desesperadamente dizer que aquilo era o que comeriam no dia. Não adiantou. Foi torturado para revelar a "senha". Depois, transferido para o Exército, em Vila Velha, seu suplício continuou. Ele chegou lá com um dedo machucado e seu verdugo, ao ver aquilo, disse: "Está dodói? Vamos resolver logo." Com o cabo do fuzil, praticamente esmagou o dedo do rapaz. Ele, que nunca n vida fez mal a ninguém, precisou de internação psiquiátrica para se recuperar do trauma das dores lancinantes.

Mas na tarde do dia 2 de abril a garotada da Rua Francisco Araújo foi jogar uma pelada na parte plana da rua, logo abaixo da outra, a Comandante Duarte Carneiro e ao lado da escadaria. Isso depois das aulas, pois lá os que não estudavam no Americano eram alunos do Colégio São Vicente de Paula ou então do Estadual, esse último público e situado no Forte São João. Não tínhamos ainda como acompanhar os fatos que se desenrolavam, a não ser por relatos de terceiros. Era melhor jogar futebol, mesmo tendo que descer a escadaria vez ou outra para pegar a bola na Rua General Osório. A gente ainda não tinha noção de que em muito breve os cartazes de denúncias contra a ditadura ocupariam as ruas de todo o Brasil (foto). Viriam as passeatas, as greves, outras formas de protesto, e o erro da resistência armada nas áreas rurais, em confronto com a ditadura.

Vivíamos um prelúdio! 

             

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