31 de março de 2024

Faz 60 anos... (7)

Na Rua Francisco Araújo daqueles tempos - 1964 incluído - um dos pontos de encontro do lugar era a sorveteria do Seu Zé Maria, que vinha a ser meu avô, o velho imigrante português de Trás os Montes que havia se casado com a baiana Almerinda Villela dos Santos. Inicialmente o lugar seria a garagem da casa, mas como o velho nunca teve carro, quando se aposentou do serviço público, ele montou a sorveteria lá. Meu pai mandou, de São Paulo, a primeira máquina de fazer picolés de Vitória. Era elétrica e trabalhava com as formas girando em salmoura. De lá saíram milhares de picolés, a maioria vendidos para as normalistas da Escola Normal D. Pedro II. Ali era o caminho delas. As meninas que vinham da região do Parque Moscoso, Cidade Alta e mesmo outros bairros como a Vila Rubim e Santo Antônio, passavam pela nossa casa. E era quase inevitável parar na sorveteria onde eu sempre estava sempre à espreita... Nos dias 1º e 2 de abril de 1964 foi a mesma coisa. E Seu Zé Maria, como sempre fazia, acordou cedo para preparar seus milhares de sorvetes. Melhor dizendo, picolés...

A cidade parecia calma então. Mas ontem como hoje... só parecia... Grupos políticos locais conspiravam uns contra os outros. O governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, era alvo da família Monteiro Lindenberg, agora dona do jornal A Gazeta. Eles acusavam o chefe do executivo de ser corrupto, ladrão - um velho expediente -, embora quem tivesse o apelido de "Papa Terra" fosse o senador Carlos Fernando Monteiro Lindenberg... A campanha só faria crescer até o dia em que, sentindo que seria cassado, o governador abreviaria seu suplicio e renunciaria ao mandato, voltando para sua fazenda no interior do Estado. O melhor caminho.

Era um clima pesado que a garotada do futebol não conhecia enquanto jogava bola em seu microcosmo da Rua Francisco Araújo, na quase inocente Cidade Ata. Quase, porque nas casas o reacionarismo travestido de conservadorismo iniciava seu movimento de apoio à ditadura, apontando os dedos para aqueles dos quais não gostava. O começo de um movimento dito de cunho político, mas que escondia por trás de suas vestes o ódio ao próximo e a vontade de lucrar com a nova situação política, a ditadura.  Ontem como hoje...

Nas redações de jornais isso era visível. Temeroso de que o jornalista Darly Santos, o Michey, titular de uma coluna de esportes no jornal A Gazeta viesse a ser preso - isso antes do episódio da ida dele ao quartel do Exército em Vila Velha -, o também jornalista e colunista social Hélio Dórea o chamou à sua sala. Darly foi. Hélio então jogou sobre a mesa um molho de chaves e disse: "São as chaves da minha casa em Guarapari, na Praia das Virtudes. Vá para lá e fique quieto até a tempestade passar". Incrédulo o velho Darly . disse: "Mas eu posso ser preso lá!". O colunista, por detrás de sua máquina de escrever, sorriu e disse: "A Polícia não vai procurar comunista na casa de Hélio Dórea!"

Desde aquela época ele era gente muito bacana!

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