1 de abril de 2024

Faz 60 anos... (final)


O tempo destrói seus símbolos... Agora mesmo, pela manhã, fiz essa foto da antiga casa de meus avós, no Centro de  Vitória (foto). Depois da morte de vovó ela foi vendida para uma família que em seguida a passou para outra e daí em diante. Hoje, até a sorveteria que nunca teve placa com essa identificação voltou a se chamar "Garagem". Não tem mais o charme de antes. Já não remete mais a 1964 quando, acho que no dia 02 de abril minha avó atravessou a rua para conversar com a amiga Mariazinha Monjardim e tentar obter informações mais confiáveis sobre a situação em que se encontrava o Brasil. E ele estava mal!

No pequeno pedaço da rua do Centro de Vitória muitas pessoas já começavam a adorar a ditadura que nascia! Assim como hoje! Era muito melhor do que o "comunismo" que estava chegando. E esse medo foi totalmente infundado. Na verdade vivíamos as vésperas da perda de direitos civis, o prelúdio das prisões sem mandado judicial, das invasões de locais de trabalho ou residências para a detenção ilegal de cidadãos que não apoiavam o novo regime. Policiais violentos se apresentavam aos órgãos de repressão para formar fileiras em torno da "nova ordem". Não seriam apenas os militares os algozes dos brasileiros. Os civis também estavam a postos para cumprir a sua parte na tarefa de fazer o serviço sujo.

Meu avô português morreria em 1974, 15 dias antes da Revolução dos Cravos, de Portugal. Ele não viveria para ver o fim do salazarismo. Minha avó ainda viveu mais nove anos, morrendo em setembro de 1983. Também não assistiu ao fim da ditadura, que foi extinta por inanição dois anos depois. Nem sei se naquela época Mariazinha ainda era viva... A solteirona era um caso único, ao que parece. Durante 50 anos foi noiva de um também solteirão e jamais se casaram. Às vezes eu os via sentados em poltronas da varanda da casa dela, conversando e tomando refresco. Não me recordo sequer de um pegar na mão...

Os outros vizinhos todos morreram. O prédio ao lado com quatro casas alugadas foi derrubado depois que o último inquilino desocupou o lugar. Lá morou durante um bom tempo o major Orlando Cavalcanti, homem violento, sicário que foi morto com mais de dez tiros um belo dia em Nova Almeida, atraído a uma cilada. A família Schuab Pinto, dona do terreno, construiu lá seu novo prédio. Está totalmente desvirtuada a residência que pertenceu a Edgard Castro, marido de dona Abigail, muito amiga da minha mãe e dona da primeira boutique de Vitória. Ela precisava ser consolada quase todos os dias depois que o filho Ronaldo foi o principal acusado pela morte da moça Aída Cury num crime de estupro tristemente famoso no Rio de Janeiro.

Lá morou um dos donos do frigorífico Frincasa, de Cariacica. Também Oswaldo Magalhães, o Careca, peão da Vale do Rio Doce e gente muito fina, apaixonado por caçadas das quais participava juntamente com os amigos ricos. O fotógrafo Moacyr Rodrigues da Silva, que foi referência em Vitória. Também Castorino Santana, cuja papelaria ficava na Rua General Osório. Lá uma vez vovó pediu nota fiscal e ele disse que "essa mercadoria está em falta". Pouco mais de 150 metros de rua que nasce atrás do Palácio Anchieta desemboca no Viaduto da Rua Caramuru, e um universo inteiro estava lá. Também havia o Centro Espírita e até a casa do professor Zaidan, que lecionava no Colégio Americano onde estudei eu por dois anos. Aquele mundo, para o bem e para o mal, deixou saudades em muita gente, como em mim.

Mas ditadura, isso nunca mais!    

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