19 de outubro de 2022

Anjos de cemitério


Existem coisas que a gente tem que fazer como, por exemplo, ir ao velório de um velho amigo do nível de José Carlos Monjardim Cavalcanti, o Cacau. Fui hoje com a também amiga Jô Drumond, e enquanto esperávamos por outros confrades ou confreiras da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), resolvemos passear por entre as sepulturas do plano inferior. Há obras de arte lá. Tristes e bonitas. Jazigos suntuosos. E eu estava particularmente interessado em encontrar o de Wilson Freiras, um remador lenda no Espírito Santo e cuja sepultura é uma proa de barco feita de pedra. Só que antes nos deparamos, os dois, com algo insólito.

Estávamos diante de uma lápide branca com a imagem de um menino de calções curtos, puxando um caminhão de brinquedo. Não havia uma única identificação no local. Nome, data, nada (confira na foto). Mas em diversos pontos estavam sacos de doces, balas e até uma embalagem de guaraná, tudo ornamentando o lugar. Fiquei intrigado. Na administração me disseram que aquela é a sepultura de Pedrinho, menino pequeno e que morreu jogando bola na rua. Não sei como nem quando aconteceu isso. Também não informaram porque a tumba não tem coisa alguma escrita, nada que remeta o curioso até aquele garotinho miúdo.

E houve uma informação adicional: determinada mulher passa sempre pelo cemitério com doces e balas nas mãos e as coloca nos túmulos de anjos. Crianças pequenas. Inclusive na do não identificado. Além dela, praticantes de umbanda ou outras confissões religiosas, de origem afro ou não, fazem o mesmo. O jazigo de Pedrinho é o mais visitado do Cemitério Municipal de Santo Antônio, em Vitória. O de Wilson Freitas, onde centenas de velas queimadas formam uma cascata de parafina, da mesma forma.

O que me impressionou mesmo foi esse Pedrinho. Pequeno, indefeso, rebocando seu caminhão de brinquedo e sonhando com a vida que acabou de repente durante um joguinho de futebol que toda criança ama. Um anjo morto e com o corpinho deixado junto às demais lápides de Santo Antônio, sabe-se lá há quanto tempo. Tem agora a companhia de um velho jornalista falecido aos 93 anos de idade, de parada cardíaca e que, por isso, não ganhou doces e balas no enterro. Somente flores e saudades. Muitas!

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