27 de abril de 2023

Uma velha história


A falsa luta da tradicional família brasileira contra o fantasma do comunismo é uma velha história sempre revisitada pelos oportunistas dos mais diversos setores e matizes. Lembro-me, embora um pouco vagamente, de que em fevereiro ou março de 1964 uma amiga de mamãe no clube do qual éramos sócios em São Paulo a convidou para sair na manifestação "Marcha da Família com Deus pela liberdade". Essa aí da foto tirada na capital dos paulistas. 

Então éramos associados do Ipê Clube, que até hoje existe nas proximidades do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A amiga de mamãe queria evitar que o Brasil viesse a se tornar "uma nova Cuba". Mamãe não participou porque tinha casa para cuidar, filhos e marido. Todos de alguma forma dependiam do trabalho doméstico dela, que durava ao menos 12 horas por dia. Na vinda do clube para casa, comentou o convite com papai e este concordou com a negativa dela. Mas ele estava mais interessado no campeonato de bocha do dia seguinte do que nesse assunto...

Meses mais tarde, em Vitória para onde vim passar férias na casa de vovô antes de me mudar definitivamente para cá, ouvi dele numa conversa com vizinhos que o Brasil havia sido salvo "de uma boa". Perguntei o motivo e o velho português José Maria, um salazarista convicto, disse que se os comunistas não fossem sacados do poder eles iriam "botar famílias dentro da casa da gente dividindo os espaços conosco". Meu avô morreu apenas 15 dias antes da Revolução dos Cravos. Que pena!

No Brasil e em outros países, preferencialmente na América do Sul, os movimentos de cunho nazifascista sempre surgiram insuflados pela classe média alta e pelos mais ricos. Claro, afinal eram os privilégios deles - e não seus direitos - que estavam sendo defendidos. Portanto, existe pouca diferença entre o que acontece hoje e o que vivemos no passado. Naquela época ninguém precisava acampar diante de quarteis, até porque saiu deles o braço armado da ditadura que tomou o poder para trazer o Brasil "de volta à normalidade" e levou 21 anos para ser apeado do poder, não sem antes de prender ilegalmente, torturar e matar centenas de brasileiros. Principalmente jovens.

Da mesma forma que hoje, há quase 60 anos o extremismo de direita usava a figura divina como escudo para ocupar os espaços de poder agitando o fantasma do comunismo. O que difere o ontem de hoje é que agora a sociedade vive em situação de conhecimento imediato dos fatos e embora o golpismo continue entranhado em nossas tradições políticas, principalmente após as redes sociais e o bolsonarismo, os militares preferiram não correr o risco de serem eles os protagonistas de um novo golpe de Estado. Afinal, fazem isso desde e proclamação de República!

Mas o risco de ataque à democracia persiste ainda hoje, sobretudo com as redes sociais e as fake news com as quais ninguém sequer sonhava nos idos de 1964 quando houve o convite feito a mamãe. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Tem razão!
Nada fica escondido. São muitas histórias que se traduzem em ondas orquestradas pelas fake News.

http://plurk.com/user/wilco disse...

Bom texto, Álvaro!