18 de maio de 2025

Juqueri, dentro do Brasil

Foi impactante o  documentário da Globo News "Juqueri, lugar fora do mundo", exibido a partir das 23 horas de ontem. Antes de ver todo o programa que terminou nos primeiros minutos deste dia de domingo, voltei a "percorrer" o caminho que fiz para lá em 1966 ou 1967, quando meu pai agendou a entrega de um queimador industrial, aquecedor de água para grandes volumes, e fomos ao prédio administrativo com documentos. Ficamos lá cerca de meia hora, mas o suficiente para vermos homens - principalmente - e mulheres de
andrajos, olhares parados, sentados ou deitados no chão, prostrados, sujos e sem reação alguma como os da foto abaixo. E também o cemitério, na ocasião visível e diferente de hoje. Agora não reconheci quase nada.

A medicina atual condena o que se fazia então e chamava de tratamento. Na prática o que havia eram a tortura por eletrochoques e injeções diversas que podiam até matar, nos dois casos para conter os mais "rebeldes". Em grande parte dos casos aquilo equivalia a uma prisão perpétua, pois muitos jamais recebiam alta médica e como ninguém os reclamava, eram jogados naquele cemitério clandestino, corpos uns por cima dos outros.

Pior: durante muito tempo a ditadura militar que infelicitou o Brasil desovou por lá cadáveres de presos políticos torturados e descartados longe dos olhares das famílias e da Justiça oficial. Outros chegavam feridos e eram tratados algemados como se estivessem numa prisão ou então no Manicômio Judiciário ao lado. Até o preso político David Capistrano passou pelo Juqueri. E o Brasil convive com essa tragédia como se nada tivesse acontecido. Como se tudo fosse absolutamente normal. Os "doentes" tinha as cabeças raspadas e todos os dentes arrancados com uma única anestesia, na internação. Viviam e morriam quase à míngua e com uma alimentação de subsistência.

Não é possível entender como milhares de cidadãos hoje ainda sentem saudades dessa época e, no caso da ditadura militar, querem sua volta. Vejam esse documentário que vai passar mais vezes. Tomara que muitas. Não é para rir, mas recordo-me de que quando o ex-presidente Jair Bolsonaro pediu ajuda para "se manter" financeiramente, uma acadêmica da Academia Espírito-santense de Letras (AEL) postou texto pedindo colaboração dos "patriotas". Pediu desculpas em seguida, disse que havia se enganado de grupo e apagou o texto. Outro postou uma bobagem na qual mostrava a imensa relação de partidos políticos brasileiros com vínculos "com o comunismo". Depois apagou correndo, sem justificar. Salvei para mim os dois posts. Essas pessoas não sabem o que o Brasil passou? Ou há um movimento nacional que leva a nossa extrema direita criminosa a querer ocupar todos os espaços possíveis no país, inclusive na Cultura? São golpistas patológicos?

Em Barbacena, Minas Gerais, houve outro centro de torturas dito médico também de grande porte. Nos dois casos eles deveriam ser preservados e tornados centros de pesquisa e museus da indignidade humana para que todos saibamos o Brasil foi e é capaz de fazer com seus cidadãos, sobretudo aqueles que não podem ou não sabem como se defender.

No Espírito Santo não se chegou nem perto disso. Mas temos o Adalto Botelho, hoje questionado por todos os que pregam tratamento humano não manicomial para as pessoas com distúrbios mentais, sobretudo pesados. Há espaço até para anedotas. Um ex-diretor do Adauto criou um diálogo entre duas pessoas no hospício:

- Você sabe o que encontraram lá, debaixo de um tapete?

- Não, o que foi?

- Um doido varrido!

Seria engraçado se não fosse trágico.                   

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