19 de novembro de 2024

Kids pretos saudosos


As prisões feitas hoje pela Polícia Federal contra membros do grupamento do Exército conhecido como "Kids Pretos" (foto) é mais um desdobramento das investigações que visam identificar pessoas e instituições que tentaram golpe de Estado em fins de 2022, depois da proclamação do resultado da eleição presidencial. Hoje são apenas cinco os detidos, mas milhares deles devem estar direta ou indiretamente envolvidos. Não foi só uma tentativa, mas várias. A última, a invasão dos prédios dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em janeiro no ano passado em Brasília, depois de milhares de pessoas acamparem diante de quartéis militares tentando derrubar um governo constitucionalmente eleito.

Tudo leva a essa gente. O presidente que antecedeu o atual, Jair Bolsonaro, deu diversas demonstrações de sua vocação de ditador. Fez discurso na Câmara dos Deputados tecendo loas a um torturador conhecido, Brilhante Ustra, falou diversas vezes em matar adversários, fez "arminha" o tempo todo, em todos os lugares, modificou a legislação de controle de armas para permitir que seus apoiadores montassem arsenais em casa, buscou cooptar organizações policiais, chegou aos comandos militares com seu discurso de golpe de estado, fez reunião com comandantes pedindo apoio a golpe, tinha fixação em estado de sítio e outras situações extremas como GLO, não respeitava rigorosamente ninguém que não pensasse exatamente como ele, etc. Era e é um pulha da pior espécime.

O projeto dos "Kids Pretos" envolvia o sequestro e assassinato do presidente eleito, Lula, do vice-presidente Alkmin e até mesmo do ministro do Supremo Tribunal de Federal, Alexandre de Moraes, esse uma espécie de fixação de toda a canalhada da extrema direita atuante no Brasil de hoje. Mais: eles procuravam e procuram ocupar todos os espaços possíveis na sociedade com um projeto que envolve até entidades culturais. O que querem é controlar tudo para impor normas depois, estabelecendo censura e fazendo seus projetos de atuação que envolvem todos os segmentos da sociedade civil. Não está dando certo para eles, mas continuam em atividade, insistindo e solapando as instituições que conseguem atingir.

O que está havendo com o Brasil? Ainda tenho comigo meu primeiro título de eleitor, de 1968 em São Paulo. Naquela época votávamos apenas naqueles cargos permitidos pela ditadura militar, e com opções de Arena e MDB. Os únicos partidos legais. Mas mesmo então o que acontecia nas eleições era respeitado. A ditadura esperneou o mais que pode até cair podre em 1985. Vieram então tempos de bonança e parecia que nossa democracia não seria mais atingida por sonhos delirantes de golpistas saudosos dos tempos da ditadura e que não aceitam viver num país onde deve haver respeito pelos resultados das eleições. Querem o golpe, a violência, o assassinato. Que então apodreçam na cadeia.      

14 de novembro de 2024

Anistia, nunca!


Um número grande de pessoas já se reúne para classificar o atentado de ontem à noite na Praça dos Três Poderes, em Brasília (foto acima), como tendo sido apenas iniciativa de um louco que tentava obter 15 minutos de fama. Não foi! Esse Francisco Wanderley Luiz, ou "Tiü França" como era conhecido , é outro fruto do extremismo de direita que emergiu dos esgotos brasileiros a partir do momento em que Jair Bolsonaro venceu a eleição para a presidência da República em 2018, erguido a esse patamar pelo atentado sofrido em Juiz de Fora.

O tal "Tiü França" não era mais doido do que quem ficou meses acampado diante de quarteis militares depois de proclamado o resultado da eleição de 2022, do que quem rezou para pneus no meio da rua, do que quem pediu a ajuda de extraterrestres nos mesmos lugares, do que quem "marchava" em ritmo militar ao som de hinos, etc. Não! Definitivamente, não. Eles são o resultado de um movimento mundial que cresce com as mentiras nas redes sociais e tenta reviver com a extrema direita no poder os anos da primeira metade do século XX, os mais cruéis da nossa história.

Eles, os extremistas, estão em todos os lugares. Hoje mesmo, na Academia Espírito-santense de Letras (AEL) sou obrigado a conviver com essa gente. Um grupelho sem brilho, sem conhecimento intelectual, sem capacidade literária e colocada lá pelo extremismo de direita para que este ganhe maioria nas instituições culturais. E para quê? Vou repetir tantas vezes quantas forem necessárias: para depois disso formarem diretorias e torpedearem a cultura brasileira regional, censurando nossas diversas formas de manifestação intelectual. Então, para depois moldarem todo o conteúdo nacional como tentou Bolsonaro, será só um passo.

A manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) hoje foi exemplar: mostrou que as instituições não vão se render no Brasil em hipótese alguma. Vão continuar a lutar, a permitir que possamos crescer como nação e como povo. Porque povo significa somente pessoas que compartilham cultura ou etnia, enquanto nação é esse mesmo grupamento de indivíduos com identidade comum, senso de pertencimento coletivo. Os que pretendem destruir o Brasil por não concordarem com os outros não são meu povo nem minha nação.

Definitivamente, não pode haver anistia. Todo criminoso que tenta destruir  nosso país precisa apodrecer na prisão. Traidor da Constituição é traidor da pátria, como disse Ulisses Guimarães na promulgação da Carta de 1988!             

13 de novembro de 2024

Ainda estamos aqui!


Na foto que ilustra o texto os atores Selton Mello e Fernanda Torres estão à esquerda e os personagens reais, Rubens e Eunice Paiva à direita

Talvez "Ainda estou aqui", filme maravilhoso de Walter Salles e que conta a história do assassinato do ex-deputado Rubens Paiva leve poucos prêmios internacionais nos tempos de extremismo de direita de hoje. Mas é maravilhoso e capaz de fazer o telespectador ficar em silêncio durante todo o tempo de exibição, além de sair da sala de projeção da mesma forma. Ouvi uma senhora falar com o homem ao lado - possivelmente o marido - um "não acredito que isso aconteceu". Mas aconteceu, senhora. E em milhares de casos.

Rubens foi assassinado de forma cruel, brutal até, muito pouco tempo depois de ter sido preso sem acusação formal, coisa alguma. Acabou seus dias num dos centros de tortura mantidos pela ditadura militar que tomou o poder no Brasil em 1º de abril de 1964. Não foi em 31 de março, certo? Da mesma forma que ele, inúmeros outros morreram ou foram perseguidos ao longo dos 21 anos que durou a noite sem estrelas da ditadura brasileira.

O bom de esse filme estar sendo exibido agora é que sua apresentação coincide com tempos em que uma nova horda de extremistas de direita tenta se erguer no Brasil e no restante do mundo. Temos um Donald Trump nos Estados Unidos e um Javier Milei na Argentina, para ficarmos apenas em dois casos. Mas a tragédia pode aumentar, e muito. Portugal que o diga. Eles entram sorrateiramente país adentro, para tomar corações e mentes desprevenidas. Já se diz que isso é coisa passageira, que logo tomaremos noção do risco que corremos, mas o perigo deve ser bem maior do que pressentimos nós, os mais crédulos.

Eles hoje, os extremistas de direita. tentam tomar praticamente todos os espaços. Não poupam nem academias de letras, onde ingressam pelo medo ou omissão de seus membros. Sorriem, fazem festa, bajulam, mas o objetivo claro é o de tomar as instituições tão logo seus ocupantes estejam em menor número. Um projeto maquiavelicamente simples, de ocupar esses espaços para aprisionar, acorrentar a cultura em seguida.

Temos que estar atentos. Em "Ainda estou aqui" Fernanda Montenegro tem uma apresentação maravilhosa e de poucos minutos, sem pronunciar uma só palavra. Seu silêncio diz tudo. A mim, por exemplo, disse também que essa raça de canalhas derrotada no passado pode ser vencida novamente agora, da mesma forma, por convencimento, depois de seus inocentes uteis irem aos poucos descobrindo uma coisa muito simples:

- Nós ainda estamos aqui!  

6 de novembro de 2024

Guerra sem xeque-mate


No jogo de xadrez o xeque-mate é a rendição do rei. Ele não tem mais como se defender no tabuleiro e o jogador cercado derruba a pedra que o representa. Na vida real essa rendição, sobretudo quando se fala em super potências, é cada vez mais improvável. Uma guerra nuclear não teria vencedor, de modo que faltaria a mão para derrubar o monarca. Então a ninguém mentalmente são interessa esse xeque-mate. 

Digo isso porque a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em muitos provoca calafrios ligados à guerra nuclear. Bobagem. O presidente eleito é um fanfarrão, mas mesmo assim menos belicoso que Joe Biden. Ele conhece o terreno minado onde pisa e estará cercado por gente capaz de dar conselhos. Além do mais as forças armadas dos Estados Unidos dificilmente seguirão um residente maluco em direção ao abismo.

Trump é negacionista e isolacionista. Mas aqui no Brasil tivemos na chefia de governo até pouco menos de dois anos passados um outro que era filhote dele. Disse até um "y love you" para seu ídolo em encontro pessoal. Declaração de amor respondida com o protocolar "nice tho meet you too". Trump o vê como fã, nada mais. E a América do Sul nunca foi prioridade para a política externa dos EUA. Isso não vai mudar agora.

Trump pode, sim, taxar importações, mas para negociar depois. Isso causa prejuízos e inflação, mas para eles também. Vai continuar a levantar o muro na fronteira mexicana e a chamar os imigrantes de criminosos. Afinal, todo extremista de direita precisa de inimigos. Vive disso, seu pensamento se baseia nisso e o prejuízo para os mexicanos acabará maior do que para os outros. No horizonte próximo continuará a tratar a China como inimiga porque vê nela - e acertadamente - o país que suplantará o seu em breve no campo econômico. Os chineses gastam muito menos dinheiro que os norte-americanos em orçamento militar. Talvez Benjamin Netanyahu não tenha tanto a comemorar. Nem o inelegível por aqui. Mas isso precisamos ver depois. Barbas de molho devem colocar Irã e Ucrânia.

Há uma hipótese pouco avaliada hoje: a de que os remédios do presidente eleito prejudiquem a saúde de quem pretende beneficiar nessa "era de ouro" anunciada para seu povo. Se isso acontecer ele não deverá mesmo ter outro mandato, como anunciou. 

  

5 de novembro de 2024

Podres Poderes 2

Em meados da década de 1980 a revista Placar, da Editora Abril, foi a campo para denunciar o que se convencionou chamar de "A máfia da Loteria", um esquema corrupto de manipulação dos resultados de jogos da Loteria Esportiva para fraudar resultados e enriquecer ladrões. Muita gente ganhou dinheiro com isso, num esquema que construía "zebras" em resultados de jogos de favoritos contra times de menor porte. O jornalista Marcelo Rezende ficou meses levantando dados inclusive em Vitória onde dois goleiros, um do Rio de Branco e outro da Desportiva foram comprados. Seus clubes perderam jogos graças a falhas propositais desses dois sujeitos. Eu, que era correspondente de Placar acompanhei o trabalho no Estado. 

Marcelo veio a Vitória para levantar dados. Ouviu até o presidente da Federação de Futebol do Espírito Santo, FES, na época um picareta. Placar publicou várias vezes as denúncias com um título interno de "Podres Poderes". Ao final o esquema foi desmontado pelo menos em parte. O ruim é que a Loteria Esportiva, muito ferida com o fato, jamais voltou a ser o que era. Marcelo, que tinha planos de prosseguir em seu trabalho, morreu de câncer. E como a revista perdeu parte de sua importância do passado, também não precisava de correspondente em Vitória...

Agora aparentemente tudo está voltando. O esquema das  BETs substitui a corrupção antiga com a vantagem de não precisar mais da Loteria Esportiva. A mão de obra continua disponível agora na figura de jogadores famosos como é o caso de Bruno Henrique, do Flamengo, e outros. São pessoas que não têm uma formação moral sólida e acabam sendo alvos naturais para espertalhões. Aceitam ganhar dinheiro fácil não se apercebendo de que estão sendo desonestos. Ou então fazendo isso com plena consciência do que ocorre.

Essa onda das BETs ainda vai provocar muitos danos ao Brasil, sobretudo porque jornalistas conhecidos e ex-jogadores de futebol feitos comentaristas as divulgam. Muita ilegalidade já foi desmascarada e outras o serão em breve. Pior: milhares de pessoas estão se endividando, caindo no buraco das dívidas de jogos de azar de onde é muito difícil sair. Mais uma vez nosso pais cava um buraco para ele mesmo.

Esporte depende de credibilidade. Se perder isso estará mortalmente ferido.

30 de outubro de 2024

Os traidores da Pátria


É fácil entender porque os extremistas de direita brasileiros, aqui identificados pelo termo "bolsonaristas", não têm apreço algum pela legalidade: para eles a democracia, o Estado Democrático e de Direito e outros conceitos ligados à nossa Constituição nada representam. Habitam o esgoto da ilegalidade e sonham com a volta da ditadura militar, essa mesma que infelicitou o Brasil de 1964 a 1985. Por isso sua insistência em levar à votação uma PEC inconstitucional que prevê, dentre outras aberrações, a anistia aos bandidos que tentaram destruir nosso País em 08 de janeiro de 2023. Sobretudo e principalmente ao bandido/chefe.

No Brasil a anistia nos remete à Lei nº 10.559/2002, e que se refere aos atos ilegais cometidos durante o regime militar brasileiro contra nossos cidadãos. Para ter acesso a benefício a pessoa ou instituição deve peticionar junto ao Ministério dos Direitos Humanos e provar as agressões sofridas. Simples. Por isso os políticos e capachos da extrema direita se referem aos presos do 08 de janeiro como "presos políticos". Eles dessa forma se enquadrariam aos requisitos desse dispositivo legal. Mas não são. Apenas e tão somente foram presos, processados e condenados como criminosos comuns. Bandidos!

Toda aquela horda de gente desqualificada que passou meses acampada diante de quartéis militares para protestar contra o resultado de uma eleição presidencial honesta e pedir golpe de Estado estava do outro lado da história. Elas representam o que motivou a Lei nº 10.559/2002 e não as suas vítimas. São o bandido e não o mocinho. E toda a argumentação das PECs que a CCJ da Câmara pretende levar a plenário é claramente inconstitucional, ilegal, imoral, cafajeste. Portanto,  juridicamente natimortas de acordo com as análises de todos os legistas competentes ouvidos até agora sobre esse assunto. E não há porque isso continuar sendo motivo de tanta discussão e polemica: basta que um dia uma PEC dessas seja aprovada para o Supremo Tribunal Federal declará-la inconstitucional e remetê-la ao balde do lixo.

Em situação normal o presidente da Câmara dos Deputados simplesmente remeteria essa aberração à assessoria jurídica da instituição para que ela fosse declarada inconstitucional. E então bastaria que fosse destinada ao lixo físico e da história. Mas o presidente atual quer fazer seu sucessor e não toma decisão que não seja, além de política, "politiqueira". Então quer constituir uma "comissão" para analisar a excrecência antes de tomar uma decisão. Ouve até mesmo a bandidagem.  Assim trabalha o pior legislativo da história brasileira! E, como um dia disse Ulisses Guimarães, "traidor da Constituição é traidor da Pátria" (acima), Temos nesse instante cerca de três centenas deles habitando o Congresso Nacional.    

27 de outubro de 2024

"Tempo de apostasia"


No mês de agosto de 1991 o "Jornal do Brasil" publicou um texto monumental do filósofo Roland Corbisier - que a morte já tirou de nós -, e que tinha o título de "Tempo de apostasia". Começava assim: "Os leitores da Odisséia, de Homero, uma das obras mais belas e significativas da literatura universal, devem lembrar-se do episódio em que o herói da peripécia, o incansável e invencível Ulisses faz-se amarrar no mastro do navio para  não ser arrastado e seduzido pelo canto das sereias. O episódio ilustra, em termos de metáfora, o aspecto contraditório da condição humana, que obriga Ulisses a amarrar-se, a prender-se, para libertar-se da sedução, ou da tentação, que o impediria de prosseguir na viagem e chegar ao porto que pretendia."

Da mesma forma que Corbisier eu pergunto hoje a vocês quantas vezes a vida humana já foi comparada a uma viagem, a um trajeto que nos leva do nascimento à morte? Às vezes há desvios no caminho... O grande filósofo se referia a um personagem de então que ele chama de "presidente pentatetla" e que pretendia refazer o Brasil como um "caçador de marajás". Esse personagem ainda vive hoje encastelado no Senado, nos esgotos da política, e apoiando um governo passado e antecedente do atual, abastecido pelo mais cruel e inculto extremismo de direita. Acha que faz sucesso!

De 1991 a 2024 são 33 anos e vira e volta o canto das sereias nos tira o sono de novo. Como agora, quando aqueles que negam a ciência e acreditam na cura dos males de pandemia com cloroquina continuam a tentar seduzir as classes menos preparadas do espectro social brasileiro com sustos como o de que estamos em vias de ser invadidos por demoníacas forças do comunismo internacional que vão dividir nossos lares em "X" pedaços. Para isso pretendiam contar com o salvamento de um capitão medíocre e expulso do Exército, admirador do nazi-fascismo, golpista, louco de atirar pedra e seguido até hoje por uma imensa quadrilha de criminosos.

Como em 1991, estamos vivendo uma fase de negação, de não crença e isso se reflete em parte no resultado da eleição municipal de hoje em todo o Brasil, quando o negacionismo obteve um resultado expressivo, embora não o que pretendia. É hora de crer, minha gente, porque vamos virar o jogo! No seu artigo, Corbisier encerra a argumentação da forma como se conceituava socialismo há três décadas e como reproduzo aqui ao final de meu texto: "Quanto a nós, permaneceremos amarrados ao mastro de nossas convicções, resistindo ao canto das sereias, certos de que, apesar de todas as crises pelas quais está passando o mundo socialista, o capitalismo não é a última palavra da História. Embora saibamos que o tempo é um tempo de apostasia".

Nós vamos virar o jogo!