24 de outubro de 2025

Vladimir Herzog, presente!

Fará exatamente 50 anos amanhã que o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, foi assassinado pela ditadura militar do Brasil nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. Os assassinos difundiram a foto que está ao lado para "provar" que ele havia se suicidado. Suicídio por enforcamento com os pés no chão... Na verdade Vlado se apresentara expontaneamente para depor na sede do II Exército, em São Paulo, onde funcionava um dos sistemas de torturas oficial. O atestado de óbito liberado por determinação judicial substituiu a causa forjada de "asfixia mecânica (enforcamento)" feita inicialmente por "lesões e maus tratos, tortura", e que foi a causa real. O "enforcamento" foi encenado para encobrir o crime do Estado brasileiro. 

Como hoje e amanhã esse fato estará sendo avaliado por inúmeros textos de diversas fontes, sobretudo de meios de comunicação, prefiro me ater a dar uma explicação relativa a como a ditadura militar brasileira conseguiu parir os torturadores que, de Carlos Alberto Brilhante Ustra até aqui, torturaram e mataram por suplício tantos compatriotas nossos nos subterrâneos do regime político de extrema direita que mesmo hoje, meio século depois, teima em tentar ressurgir dos esgotos onde se esconde.

Foi a filósofa Hannah Arendt quem melhor explicou isso ao criar o conceito de "banalidade do mal" ao acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann em Israel quando este foi condenado à morte depois de ser sequestrado na Argentina e levado para aquele país. Geralmente essas pessoas não eram e não parecem monstros. Eram e são apenas burocratas geralmente medíocres que cumprem o "seu dever", seja ele qual for. Eles aceitam normas sem reflexão, adotam comportamentos desumanizados e são capazes de crimes em larga escala que acabam se tornando comuns no âmbito de uma rotina burocrática.

Sim, pessoas como Brilhante Ustra, por exemplo, são tidas na conta da gente comum. Um torturador brasileiro, inquirido que foi por sua vítima durante uma sessão de torturas e ao ouvir desta a pergunta sobre se ele não tinha coração, respondeu; "Tenho, mas quando venho trabalhar deixo meu coração em casa". O comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, morava com a mulher e os filhos ao lado das dependências do campo de massacre, só preocupado em aumentar a eficiência de seu trabalho. Colhia hortaliças, plantava flores e dava carinho à mulher e aos filhos à sombra das chaminés de onde saia a fumaça dos fornos crematórios. Sua história foi retratada no filme "Zona de interesse".

Os torturadores que mataram o jornalista Vladimir Herzog eram pessoas que todos os dias saiam de casa de manhã cedo para trabalhar. Deixavam lá mulheres e filhos. Torturavam, matavam e depois voltavam para ver televisão com a família. Na rua onde morei algum tempo com minha avó materna, ainda adolescente, uma vizinha dela era defensora ferrenha das torturas e assassinatos de todos os que fossem inimigos da "revolução". Falava disso dia e noite, menos na hora da Buzina do Chacrinha, que não deixava de ver de maneira nenhuma. Não creio que jamais tenha sentido dor na consciência. Para quê?

Por esses fatores e outros como por exemplo o fato de os ditadores de plantão estarem todos envolvidos direta ou indiretamente nos atos de prisão ilegal, torturas e assassinatos de adversários políticos, os estertores da ditadura foram duros, demorados. Em 1975, além de Herzog foram mortos o jovem dirigente comunista José Montenegro de Lima, o jornalista e editor do jornal clandestino Voz Operária Orlando Bonfim Júnior (ambos assassinados com injeção letal que podia ser de matar cavalo), mais dez dirigentes do antigo PCB, todos "desaparecidos" e por último, em janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho, também assassinado sob tortura no DOI-Codi. Esses fatos provocaram clamor público, a demissão do comandante do Segundo Exército, outros afastamentos e o estado terminal do regime de exceção que durou 21 longos e dolorosos anos no Brasil.

Amanhã, no dia em que a morte de Herzog completará 50 anos, a gente deve pensar em exemplos. Aquele jornalista era judeu e foi enterrado depois de um culto ecumênico do qual participaram o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel na ala dos que morrem por morte que não seja suicídio, pois desde sempre se sabia e se sabe que ele foi assassinado. E para os judeus tirar a própria vida, um dom divino, é proibido. Pecado e há um lugar segregado nos cemitérios para estes.

Se hoje nosso pensamento está voltado ao Vlado, vamos pensar também em Manoel Fiel Filho, morto logo em seguida e no mesmo lugar, em Rubens Paiva, trucidado em uma instalação do Exército e em mais todos os outros brasileiros que ao longo dos 21 anos de desespero que durou a última ditadura militar do Brasil foram tirados de nós. É que agora esse movimento pode voltar na calda de cometa de gente como o condenado Jair Messias Bolsonaro, militar fracassado e reformado à força, deputado medíocre, golpista nato e reverenciado por uma verdadeira multidão formada por falsos patriotas capazes de sacrificar a democracia de seu país para trazer um sociopata de volta ao poder, ainda que à custa de vermos ressurgir em nosso horizonte o vírus de uma nova banalidade do mal.

Vladimir Herzog, presente!       

              
 

22 de outubro de 2025

Ponto fora da curva

Por que o ministro Luiz Fux se tornou um ponto fora da curva no Supremo Tribunal Federal? Embora só ele possa responder a isso, lembremos de que lá se vão 14 anos desde que entrou para a corte indicado pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pelo ministro chefe da Casa Civil da Presidência da Republica, Antonio Palocci e com nome referendado pela presidente Dilma Roussef. Foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 09 de fevereiro de 2011 e empossado (foto acima) em 03 de março do mesmo ano em solenidade concorrida.

Hoje com 69 anos, esse carioca e ex-lutador de judô se tornou uma espécie de pária na Primeira Turma do Tribunal e especializado e perder as votações por 4 a 1. Mas não era assim. Antes ele discordava no varejo e concordava no atacado. Durante o governo Bolsonaro teve uma grande aproximação com o hoje ex-presidente, inclusive quando presidiu a corte entre 2020 e 2022 (segunda foto). Talvez por causa disso, durante o julgamento dos processos da chamada "trama golpista", chegou a fazer um voto com quase 12 horas de duração, quando pediu a absolvição do ex-presidente, figura central no processo que quase levou o Brasil a um golpe de Estado. Agora quer trocar a Primeira pela Segunda Turma.


O fato de esse ministro ter pedido de volta seu voto para "correções gramaticais" (o corretor ortográfico deve ajudar bastante...) pode fazer com que a decisão relativa ao início do cumprimento efetivo da pena a que ele foi condenado, de 27 anos e três meses de prisão, seja definido apenas em 2026. Isso era tudo o que não se queria, pois vai contaminar um ano de eleição já tensionado pelo fato de que todos os candidatos de extrema direita têm apenas um "projeto" de governo: anistiar os criminosos - todos eles - do 08 de janeiro de 2023.

A decisão pela mudança pretendida por Fux de se bandear para a Segunda Turma em lugar de Luís Roberto Barroso, que antecipou sua aposentadoria, depende do novo presidente do Tribunal, Edson Fachin, que já assume com um problemão nas mãos. Ele vai dizer "sim" ou "não" ao ministro colega e também tentar fazer com que o julgamento do núcleo crucial da trama golpista tenha desfecho ainda esse ano, porque embora isso pareça crucial para a paz relativa do Brasil, não parece tão urgente assim para um ex-judoca que pode aplicar um ipon na tranquilidade judicial do país.

Nós vimos a tentativa de golpe de Estado se estruturar ao longo dos quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro. O tempo inteiro! A não ser os bolsonaristas que pediram a quebra do regime democrático no meio da rua, todos os demais brasileiros repudiam essa investida contra nossas instituições. O ex-presidente cometeu crimes, foi condenado e tem que cumprir a sentença. Se o Brasil quer ser um grande país, precisa começar a tarefa pelo respeito à regra do jogo. Melhor dizendo, ao corpo de normas legais que fazem de nós um Estado Democrático e de Direito. E isso por bem ou por mal.   

19 de outubro de 2025

O fim da farsa e o medo


Durou muito pouco tempo a farsa do sionismo israelense e de Donald Trump em relação à Faixa de Gaza. Devolvidos os reféns que estavam em poder do Hamas e sabendo que esse grupo palestino não terá como devolver os corpos que ainda restam e são reclamados por Israel, o governo daquele país retomou os bombardeios sobre a região (foto). Isso é particularmente criminoso porque os moradores do enclave começaram a votar aos seus lugares de residência desde o anúncio referente do último cessar fogo. Todos vulneráveis!

Ao mesmo tempo em que permite ao governo Netanyahu reiniciar o massacre do povo palestino, Trump alarga seu raio de ataques contra a América do Sul. Depois de cercar militarmente a Venezuela ele investe contra a Colômbia, mais precisamente contra o presidente Gustavo Petro, que teve a ousadia de desafiar seus preceitos ditatoriais. Como sempre faz, chama o chefe de governo do país de narcotraficante. É uma receita única: tráfico na América, anti-semitismo no Oriente Médio. Nos dois casos com o nome de terrorismo.

Se mais uma vez a opinião pública mundial ficar ao lado do sionismo de Netanyahu e do fascismo de Trump, que no fundo são a mesma coisa, o massacre no Oriente Médio e o regime de tendência ditatorial nos Estados Unidos crescerão. Nos EUA cerca de sete milhões de cidadãos já foram às ruas para protestar no movimento "No Kings!" No Oriente Médio o massacre palestino só poderá ser detido pela reação mundial e por uma união dos países árabes em defesa da Palestina. É esse o caminho único viável.

O maior aliado de Trump é o medo. É preciso não senti-lo ou então vencer essa sensação e continuar na luta. Já há um imenso desconforto contra o projeto de autocracia do presidente ianque junto às Forças Armadas dos Estados Unidos, enquanto no estado judeu o primeiro ministro é refém da extrema direta, que pode derrubá-lo. E se isso acontecer ele estará ao alcance, pelo menos em teoria, do Tribunal Penal Internacional.

O primeiro ministro sionista sabe que necessita do apoio de seus ministros de extema direita para não ser derrubado do poder. E sua vantagem de votos no Knesset é mínima. Tão pequena que as ameaças dos nazifascistas de seu gabinete têm o peso de uma condenação. Talvez hoje sejam mais pesadas que a força do presidente de seu maior país aliado, mesmo estando ele cercado por judeus infuente dentro até da Casa Branca. Um deles, muito próxmo e ouvido, Jared Kushner, é o marido da filha mais velha de Trump, Ivanka. 

Estamos diante de um jogo de xadrez e as apostas são pesadas. É partida para grandes mestres internacionais...          

16 de outubro de 2025

Os novos terroristas

Os terroristas de hoje são diferentes.  

Um dia, no passado, os Estados Unidos executaram os ítalo-americanos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti por homicídio. Ficou provado que era impossível aos dois terem cometido o crime de que tinham sido acusados, mas dane-se: eram anarquistas. Em outra ocasião o casal Julius e Ethel Greenglass Rosenberg foi morto acusado de ter entregue à União Soviética os segredos da bomba atômica. Não havia prova alguma desse crime, mas dane-se: eles eram de esquerda. Na hora da morte os dois confessaram que realmente haviam enviado os projetos a Moscou porque era loucura só os EUA terem bombas atômicas. Imagine isso hoje, com o celerado Donald Trump no poder. Já imaginaram só ele com armas nucleares?

Pois os encarregados do Nobel da Paz entregaram o Ignóbil desse ano a Maria Corina Machado, entreguista de seu país, tipo de pessoa que Trump admira tanto quanto dinheiro. Nicolas Maduro favorece o quadro de uma possível invasão norte-americana à Venezuela por ter fraudado uma eleição para continuar no poder. Isso é comportamento ditatorial. Mas como os EUA apoiam incondicionalmente as ditaduras que gostam dele tipo a da Arábia Saudita, para citarmos apenas um exemplo, foi preciso ao presidente ianque criar uma narrativa falsa para cimentar o projeto de invasão do país sul-americano. Então, o presidente de lá é "narcotraficante". Não há prova alguma disso, tanto que os supostos traficantes venezuelanos estão sendo mortos no mar sem serem capturados para que possam ser ouvidos por autoridades. Mas isso importa? São teoricamente ligados a Maduro e basta.

Os novos terrotistas são aqueles que vivem favorecendo golpes de Estado capazes de reduzir a cinzas os seus países e fazer deles títeres de interesses estrangeiros escusos. Não é isso o que Eduardo Bananinha faz nos Estados Unidos até agora sem sucesso? É isso o que Corina Machado faz na Venezuela, esperando por uma invasão estrangeira em seu país. O custo é os venzuelanos  deixarem de ser donos de toda a imensa reserva patrolífera que possuem. Mas importa? Claro que não porque a presidente estaria no poder manietada, mas com muito dinheiro no bolso capturado por seu ato de traição.

A pomba da paz de hoje não sabe o que fazer no mundo de Isarel tentando destruir os palestinos, da mesma forma que agora com a Venezuela no radar ianque. Não consegue se adaptar depressa aos novos tempos. Até bem poucos meses atrás eu me relacionava com relativa civilidade com um extremista de direita até o dia em que disse a ele que a eleição já havia passado e tive que ouvir um "mas nós não aceitamos o resultado". Chamei-o de canalha e rompemos. Hoje o golpismo é mostrado em praça pública como se fosse coisa natural. Mas não é. A começar pelo Congresso Nacional onde está instalado e tem que ser tratado e combatido como crime.

Os novos terroristas querem acusar os contrários pelos crimes que cometem.  

15 de outubro de 2025

A paz do showman

 

A paz é uma ilusão muito frágil, um bichinho que morre com facilidade sobretudo quando surge das decisões do extremismo político de direita. Não existe paz imposta. Não existe paz que humilha. Essas situações são a véspera de novas guerras.

Há um período da história humana do Século XX que precisa ser melhor estudado. Ele diz respeito ao hiato entre 1919 e 1939, quando a humanidade deixou a Primeira Guerra Mundial e se preparava para a Segunda. Houve equilíbrio frágil entre as potências europeias porque, ao final do primeiro confronto foi redigido o Tratado de Versalhes impondo à Alemanha pesadas reparações econômicas e militares pela derrota no conflito. Era humilhante, sobretudo porque o derrotado não teve voz na reunião de 25 nações e até territórios (Alsácia-Lorena) foi obrigado a que ceder. Isso gerou um sentimento de revanche entre os alemães e o caldo de cultura para o surgimento, em meio ao caos econômico subsequente, do demagogo capaz de ser visto como salvador da pátria. Eis Adolf Hitler.

E hoje? Assim como a extrema direita precisava de um inimigo para massacrar entre 1939 e 1945, o Estado Sionista de Israel elegeu outro que tenta eliminar em 2025. E ele está aí mesmo, ao lado, na figura da Palestina. Para o sionismo os palestinos são inferiores, não merecem um Estado Nacional e podem ser massacrados. O que os Estados Unidos fazem agora é armar o Hitler moderno na figura de Benjamin Netanyahu para "acabar o trabalho", como já foi dito. Para a solução final nazista. E Donald Trump, que vê na devastada Faixa de Gaza um imenso projeto imobiliário a ser erguido sobre toneladas de ossadas humanas, está em cena armando o seu palco particular para o que sabe fazer: agir como um showman.

Depois de todo o espetáculo coreografado por chefes de Estado marionetes, ele foi embora para casa onde deverá encenar outros projetos como, por exemplo, o de tornar a Argentina do aprendiz de humorista amador Javier Milei seu quintal privado e a Venezuela da agora prêmio ignóbil da paz Maria Corina Machado a gerente dos poços de petróleo a serem repassados para os Estados Unidos. Assim as coisas são...assim caminha a humanidade...    

A hisória se repete como uma farsa moderna e na qual não contam os dramas humanos porque eles são vividos por "seres inferiores" como o seriam os milhares de palestinos (foto) que voltam para casa, na verdade para uma imensa montanha de escombros em que se tornou Gaza, porque não têm mais para onde ir. Essa paz não existe porque humilha, porque rouba cicadanias, terras seculares de uma etnia originária de lá e também, suprema e perversa ironia do destino, porque é um ótimo negócio para quem lucra com o projeto de uma nova riviera, essa agora a ser edificada sobre a carne e o sangue humanos.

            

13 de outubro de 2025

Das armas e do dinheiro


Lembro-me como se fosse hoje de uma família judaica que morava no bairro da Aclimação, São Paulo, próxima de meus familiares. Todo sábado, o Shabat, saiam para a sinagoga e levavam sacolas com as roupas pretas que seriam vestidas lá. O dono da casa, comerciante de uns 60 anos, ia de chapéu tipo coco e as tranças (peiot) soltas. Os demais, não. Esses tapavam as tranças. O chapéu usado pelo jovem da (foto) ficava na sacola e não na cabeça como nos demais ortodoxos quase iguais na vestimenta, a não ser pela barba que uns têm e outros, não. O chapéu de pele animal lembro-me de ter visto uma vez com o rabino. Chama-se shtreimel. Afora quando estavam na loja e usavam sorriso contido com os fregueses, no mais eram fechados em público e tinham freguesia marcadamente judaica. Ao menos nas ruas cobriam as tranças judaicas. Uma comunidade bem retraída.

No dia de hoje, quando o Hamas entrega em Israel 20 reféns de 2023 como parte do acordo de cessar fogo, os jornais brasileiros circulam com textos de apoio quase incondicional aos judeus e o presidente dos Estados Unidos fala ao parlamento daquele país, em Jerusalém. Além disso, aqui no Brasil o jornalista Breno Altman, fundador do site Opera Mundi enfrenta processo por racismo (sic!) movido pelo MPF. Logo ele, de ascendência judaica... Um imeso lobby protege os interesses judaico-israelenses pelo mundo afora e no Brasil, como não poderia deixar de ser. Ele se alicerça em três pilares de base profunda: o dinheiro, o poder das armas e a extrema direita política espalhada por diversos países.

Não consigo me recordar do nome da loja judaica próxima de onde morava, quase diante de um ponto de ônibus elétrico que ia para o Centro da cidade, mas ela tinha o desenho de um Menorá, castiçal com sete velas, à porta. Depois contaram ter sido ele retirado do lugar por causa de pichação. Imagino que hoje a comunidade judaica de São Paulo esteja num misto de comemoração e ódio diante da soltura dos reféns. E apoiando maciçamente os "esforços desmedidos" do atual presidente dos EUA pela paz. Está bom...

Também hoje o jornal "O Estado de S. Paulo" circula com um editorial pedindo a redefinição do Supremo Tribunal Federal que, segundo ele, é agora político e não judicial. Esse mesmo Estadão no passado aplaudiu o STF pela defesa de causas com as quais concordava. E já disse mais de uma vez que a defesa da Constituição do Brasil é uma necessidade, como contraposição aos ataques de 08 de janeiro de 2023. O Tribunal faz isso.

Esse 13 de outubro de 2025 não é o melhor dia para loas e ataques às instituições pelo mundo afora. E nem para manifestações mais enfáticas em favor de Israel. Se podemos concordar com o fato de que o ataque do Hamas contra israelenses há pouco mais de dois anos foi um ato de violência, precisamos concordar também que é terror ocupar por décadas terras estrangeiras, montar sobre elas colônias não autorizadas e condenadas pelo Direito Internacional e matar milhares de crianças, idosos e mulheres em uma cidade hoje devastada e que tinha mais de dois milhões de habitantes há também dois anos.

Não vivemos tempos de comemoração, mas sim de falar sobre armas, dinheiro e o que eles juntos podem produzir de danoso quando sustentados por uma ideologia política genocida.          
             

                    

9 de outubro de 2025

Com a voz embargada


Não se pode dizer que o anúncio feito hoje pelo ministro Luís Roberto Barroso (foto), antecipando sua aposentadoria no Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido uma surpresa. Não. Mas a decisão, que não deixa de ser renúncia, foi cheia de emoção e transmitida ao vivo pela televisão, além de acompanhada por muitos goles de água em vários copos servidos. Com a voz embargada o jurista disse adeus ao seu cargo anos antes da aposentadoria compulsória, abrindo caminho a outro magistrado que será nomeado pelo presidente Lula. Foi um ato de dignidade pessoal, provavelmene motivado pelo cansaço. Barroso deixou claro que quer dedicar seus anos restantes de vida a atividades mais leves.

Essa transmissão, vista ao vivo pela Globo News, - um programa foi interrompido para isso - marca momento de seriedade no movimentado cenário político de Brasília. Em vez de imagens de parlamentares cometendo indignidades em sessões onde se deveria apenas discutir e decidir assuntos de interesse nacional, viu-se um magistrado abandonando um cargo cobiçado por nove dentre dez juristas nacionais e oito anos antes da hora da aposentadoria compulsória, para sair dos holofotes. Quantas pessoas fazem isso hoje?

É preciso homenagear o caráter e, em momentos assim, esquecer divergências. Se nenhum de nós é isento de defeitos e nem nasceu para viver glórias eternas, um homem que se despede antes da hora do lugar onde todos querem estar e faz isso de público, citando e elogiando um por um todos seus iguais sem esquecer os auxiliares mais diretos, está deixando a cena para que essa cena continue com sua marca. E indelével!

O vídeo tape da renúncia de Luís Roberto Barroso poderia ser  mostrado no Congresso Nacional como didático, sobretudo porque lá ningém não apenas jamais renuncia aos mandatos, mas também a quase totalidade quer renová-los indefinidamente e tambem avançar cada dia mais sobre verbas públicas sempre maiores e que, via de regra, são usadas não apenas para sua perpetuação no poder, mas também para objetivos escusos com o formato, nesses dias atuais, sobretudo das tais emendas parlamentares. E essas, posso garantir, têm mil e uma utilidades. Nem o tal de Bombril chega aos pés delas.

Irônico, mas para ser sagrado ministro do Supremo, os indicados pelo presidente da República têm que passar por uma sabatina no Senado. Muitos dos que os interrogam vivem a preocupação de um dia virem a ser interrogados em processos aos quais vários já respondem e que não dizem respeito a conhecimentos jurídicos. Mas a democracia que a maioria destes prefere ver destruída nasceu e vive para representar nossas virtudes e defeitos. Todos eles. Por isso o exemplo de Barroso vale muito.

Por isso às vezes alguém fica com a voz embargada.