29 de junho de 2023

O processo civilizatório


Quando chegaram ao Brasil pela primeira vez os portugueses se apressaram em rezar uma missa católica. Era o início do esforço por modificar a cultura de nossos povos originários, impondo a eles hábitos e costumes totalmente estranhos ao seu comportamento. Pior, isso é feito desde então, desde 1500 como está representado na pintura acima. Hoje a maioria dos que continuam esse esforço são missionários protestantes e todos são levados por um norte: é preciso civilizar os "índios". Não, não é preciso. O que precisamos fazer é respeitar a cultura do "diferente".

O grande estudioso brasileiro Darcy Ribeiro escreveu, dentre outras obras, "O processo civilizatório". Já faz muitos anos - em 1968 -, mas o texto continua atual. Ele fala como  nós chegamos ao que se convencionou chamar de civilização. Isso foi bom e ruim e Darcy não viveu para analisar os fatos mais recentes: é justamente essa definição intimamente ligada a nós, os que vivem em conglomerados com comunicação escrita e constituição, para citarmos apena dois itens, o que leva grande quantidade de pessoas a verem os povos originários como seres de segunda categoria e não possuidores de capacidade cognitiva para nos acompanhar. Nada mais falso, nada mais racista.

Tudo se resume a uma questão cultural e à necessidade de respeitarmos a cultura específica dessas comunidades. Somente assim vamos conviver com elas de forma harmoniosa e nos preparando para uma sociedade uniforme, mas "diferente". E a diferença significa justamente o respeito aos valores culturais específicos. É por não aceitarmos as diferenças que somos capazes de reconhecer um indivíduo como inferior a nós, seja por causa da cor da pele seja por causa de fazer parte de populações originárias.

Isso cresceu muito nos últimos anos e agora parece haver um movimento, ainda muito tímido, no sentido de educarmos os que chegam à vida para terem em mente que todos somos a raça humana. E só vamos crescer como nação quando entendermos esse fato. Quando decidirmos que um povo civilizado não elege governantes capazes de dizer que as minorias, ou se adaptam às maiorias ou serão eliminadas.    

  

21 de junho de 2023

A marcha da classe média


Peca quem pensa que o fenômeno do extremismo de direita do Brasil nasceu com o ex-presidente Jair Bolsonaro, um fascista saudoso da ditadura militar de 1964 e que viu a presidência cair em seu colo durante a campanha eleitoral de 2018 e depois do episódio da facada em Juiz de Fora. Não, não é assim. Esse comportamento de parcela expressiva da população brasileira remonta até mesmo ao início do período republicano e se fortaleceu imensamente durante os antecedentes diretos do último Golpe de Estado. O ovo da serpente vem sendo chocado há décadas e poucos se preocupam com ele.

Vi isso. Em São Paulo, principalmente, era imensa a legião de pessoas marcadamente da classe média que foram às ruas nas famosas "Marcha da Família do Deus pela Liberdade". A foto acima mostra como a coisa funcionava. Vi ao menos uma vizinha e uma sócia do clube que minha família frequentava na capital paulista envolvidas nos movimentos de 64. A sócia do Ipê, clube que existe até hoje, tentou levar minha mãe para as ruas. Ela agradeceu e disse não. Tinha filhos para cuidar e o mais velho era eu, ainda em vias de completar 14 anos. Mas cheguei a ver uma das faixas que desfilavam com essas pessoas.

Resumindo; o extremismo brasileiro e que muitos chamam de conservadorismo, é um fenômeno intimamente ligado à nossa classe média. Ela era a massa que desfilava nas marchas de 64, da mesma forma como acontece hoje. Esse segmento da população brasileira é tacanho e reacionário. A falta de cultura política de nossa população faz com que milhões de membros do extrato social médio seja facilmente controlável, sobretudo por medo que às vezes vira ódio. Há duas formas eficientes de se manobrar uma população: pelo amor ou pelo temor/aversão a alguma coisa. Hitler sabia disso e uniu alemães contra judeus. Aqui os brasileiros elegeram o comunismo como inimigo público número um.

O Estado e a igreja, principalmente, tornam a classe média massa de manobra. E arrastam com ela parte da classe pobre, marcadamente ignorante, formando o caldo de cultura de movimentos assim e com o patrocínio dos ricos, sempre unidos em torno da defesa de seus privilégios. O que nós vivemos durante os quatro anos do último governo federal e o que estamos vendo hoje são retratos dessa situação. Levar a classe média a entender que ela é usada como massa de manobra, e na maioria das vezes para defender interesses estranhos a ela é o caminho para começar a mudar esse panorama. Um caminho que já deveria estar sendo trilhado há muito tempo no Brasil.        

  

10 de junho de 2023

Os novos boiardos


A revista "Veja" dessa semana traz matéria de capa sobre a força do agronegócio brasileiro. Uma força que hoje se reflete no Congresso Nacional onde uma "bancada ruralista" impõe sua pauta com os mais diversos tipos de pressão. E é fácil fazer isso num país onde o partido político deixou de existir como instituição formada por pessoas unidas em torno de um projeto de poder ancorado em programas que invariavelmente são baseados em princípios ideológicos. Hoje os partidos brasileiros agridem até o princípio do estado laico com a formação de bloco religioso chamado de "bancada evangélica".

Nossas distorções políticas criaram um movimento boiardo moderno. Os maiores representantes do agro, sobretudo aqueles que se intitulam "ruralistas" querem impor suas pautas ao restante do país graças ao fato de que nos últimos tempos têm alavancado a economia, principalmente nas exportações. Os boiardos originais eram, no passado, membros da aristocracia russa e ocupavam posição de destaque só comparada à dos príncipes do império. Inicialmente tinham todos eles raízes no campo e se ocupavam também de alijar do poder decisório os mujiques, esses a imensa massa camponesa sem representatividade alguma. O poder boiardo ocupou regiões onde hoje ficam outros países do leste europeu e, no caso russo, eles só encontraram o ocaso ao final do século XIX, com revoltas contra sua dominação (ilustração) e, em 1917, na revolução soviética.

Que o agronegócio brasileiro é uma força econômica não há dúvida. Que essa força merece ser protegida para render mais divisas ao Brasil, também. Mas a riqueza que ele produz se destina primordialmente ao comércio internacional e nem sempre se corporifica pela geração de bens e serviços destinados aos brasileiros. Nessa área quem atua para matar a fome da população do país são o pequeno e médio produtores, muitos deles praticantes de agricultura familiar e que abastecem a nossa economia com o alimento de cada dia. Nas feiras livres a gente os encontra. Também nos supermercados que adquirem produtos nas "ceasas" espalhadas por todo o "nosso Brasil", como dizem outros.

Então, uma política equânime de apoio e amparo à produção agrícola só se justifica com critérios de Justiça se estiver também voltada aos pequenos e médios produtores rurais. Aos nossos milhares de mujiques e sem que os boiardos modernos sejam privilegiados em detrimento destes.          

8 de junho de 2023

Não haverá "ruptura"'


Logo que o último ex-presidente ganhou as eleições de 2018 um conhecido meu, militante de extrema direita, daqueles que colocam na parede, devidamente emoldurados, os diplomas recebidos na ESG, me convidou a tomar um vinho num supermercado da Avenida Rio Branco, aqui em Vitória (ES). A conversa acabou chegando à política e ele disse: "Bolsonaro ganhou. Sim, mas quem ganhou mesmo fomos nós. Chegamos para ficar e se for tentada mudança haverá ruptura. Pode acreditar nisso."

Em síntese, o golpe de estado estava previsto desde as eleições de 2018. Quero crer que se Fernando Haddad tivesse vencido seria tentado um meio não legal para impedir sua posse. O Clube Militar, no Rio de Janeiro, estava a postos para divulgar informações falsas, sublevar grupos extremistas e espalhar o ódio por todos os cantos. Mesmo depois do final da ditadura militar, em 1985, as viúvas do totalitarismo de direita estavam acordadas e tentando o contragolpe. Nunca desistiram. A constituição de 1988, tão defendida pelas forças democráticas, teria sido rasgada em praça pública se fosse possível.

Acho que meu conhecido tentava me cooptar. Logo percebeu que não seria possível.

O Brasil jogou fora  mais de um trilhão de reais na tentativa de Bolsonaro se eleger. Nunca antes tantos crimes foram cometidos numa eleição que se pretendia fazer à margem das leis. E quando a apuração dos votos derrotou a camarilha, essa colocou em prática seu projeto de destruição da democracia. Foram várias as tentativas, todas frustradas. E até hoje o extremismo de direita tenta emplacar seus planos. Não consegue e, pelo visto, o projeto de uma "ruptura" constitucional foi parar no balde do lixo.

Mas os derrotados continuam agindo. Como sempre, nas sombras. Como é de sua cultura, utilizando-se de todos os meios para chegar ao sucesso. A revelação dos planos de golpe de estado contidos em celulares de criminosos como o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro mostra que vão insistir. A bomba que  não explodiu no Aeroporto de Brasília atesta que eles não conhecem limites.

Nunca mais tomo vinho com fascista. 

4 de junho de 2023

República do rabo preso


A cada episódio novo se torna maior a quantidade de políticos confrontados com suas falcatruas. Como é imenso o número desse tipo de gente fica fácil dizer que vivemos numa "República do Rabo Preso". Agora é o ainda todo poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira, quem deve estar preocupado com a possiblidade de se tornar réu em processo por corrupção passiva, o que encerraria sua carreira política. E o caso vai começar a ser analisado na terça-feira.  

O fato remonta a 2012, quando um assessor dele foi flagrado em São Paulo tentando embarcar para Brasília com R$ 106 mil na mala. Era dinheiro de propina para ser entregue ao deputado. Desde aquele episódio Lira dorme assombrado pela possibilidade de ser tornado réu no Supremo Tribunal Federal, perder o mandato e ainda ficar inelegível por oito anos. É o risco que se corre...

No Brasil, fazer esse tipo de negociata envolvendo dinheiro vivo não é novidade. Parece que o artifício se tornou parte da nossa cultura política. Vejam o caso da "familícia" Bolsonaro que acumula mais de cem imóveis comprados nessa, digamos, modalidade. E para o chefe do clã, Jair, esse tipo de coisa não prova nada contra ele. Quando fala sobre o assunto diz que os imóveis foram adquiridos ao longo de muitos anos e por vários de seus familiares. Então, está tudo explicado. Como no caso das "rachadinhas" de todos os seus filhos e apaniguados detentores de mandato.

Arthur Lira fez isso em 2012, o que mostra como a prática é comum há tempos. Na semana que passou um montão de dinheiro que abarrotava um cofre foi localizado pela Polícia Federal em Alagoas com gente ligada ao presidente da Câmara. Aqui no Brasil, graças ao orçamento secreto e outras artimanhas, existe corrupção envolvendo ambulâncias, tratores, superfaturamento de obras públicas e chegando aos cofres residenciais, onde é guardado dinheiro em espécie.

Talvez por isso alguns sonhos de poder como os de Lira, que adoraria ser um tipo de primeiro ministro, terminem não se concretizando. Afinal não basta a ele ter aprovação da imensa maioria de seus pares. Como disse um dia Carlos Drumond de Andrade, "no meio do caminho tinha um pedra". Quem sabe daquelas grandes e que surge nesse caminho justamente quando se encontra dinheiro vivo em grande quantidade em malas, cuecas, etc.

Para eles dessa forma fica mais difícil de rastrear...