27 de março de 2025

Cheirando fumaça de óleo diesel

Ontem, dia em que um ex-presidente da República e outros sete asseclas, a maioria deles militares, se tornaram réus por diversos crimes junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pela primeira vez oficiais de Estado Maior das Forças Armadas do Brasil julgados por um tribunal civil, há clima de calma no nosso país. Aquela calma que antecede a reparação por um grande crime cometido. Aquela calma que dá a todos a quase certeza de que brasileiros não mais conviverão com a impunidade absoluta. Não mais viveremos cheirando fumaça de óleo diesel como aconteceu em um passado recente.

No dia da condenação desse ex-presidente inelegível e genocida, dois ministros do STF, Carmen Lúcia e Flávio Dino disseram em seus pronunciamentos de aceitação da denúncia da PGR, que "ditaduras matam". E matam mesmo. Flávio Dino ainda explicou que podem não matar no mesmo dia, no mesmo mês, no mesmo ano. Mas matam. E isso é uma verdade incontestável.

Em 14 de junho de 1971, sete anos depois da implantação da ditadura e em plena vigência do AI5, Stuart Edgar Angel Jones (foto), 25 anos de idade, foi supliciado e morto na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Depois de espancado e torturado, acabou amarrado a um jipe militar de motor ligado, com a boca dentro do cano de descarga. Arrastado pelo pátio da instalação militar, esfolado vivo, a boca totalmente queimada e cheirando fumaça de óleo diesel como diz a música "Cálice", teve também os pulmões destruídos. Estava descarnado. Gemendo e pedindo água, morreu sem assistência alguma. Havia ficado três dias escondido na garagem de remo do Flamengo, clube pelo qual torcia, remava e havia sido campeão, pouco antes de ser preso. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, passou longo tempo tentando localizar o filho até ser ela também assassinada por agentes da ditadura militar em um acidente forjado.

Stuart fazia parte de grupo paramilitar de contestação da ditadura. Então, se isso era crime, que fosse preso, processado, condenado e forçado a cumprimento de pena. Hoje mesmo o ex-presidente que adora a ditadura, as torturas, homenageou torturadores durante seu mandado e já disse mais de uma vez que, podendo, fecharia o Congresso, o STF e governaria de forma despótica como fizeram seus ídolos ditadores, responde a vários processos. Ele foi assassinado? Não, está sendo julgado na forma da lei. Acusa o Judiciário brasileiro de ser uma ditadura enquanto anda de jetski, discursa, aglomera pessoas nas ruas, ataca a todos e ainda promete voltar a infelicitar-nos. Que beleza de ditadura, essa!

No primeiro dia em que a Primeira Turma do STF se reuniu para a apreciação do caso dele e de sua quadrilha, estava presente. Quase a seu lado, na primeira fileira de poltronas destinadas a advogados e outras pessoas credenciadas ficaram Hildegard Angel e Ivo Herzog, respectivamente irmã de Stuart e filho de Vladimir Herzog, o jornalista que se apresentou voluntariamente para depor no Exército, em São Paulo, e foi assassinado sob tortura logo em seguida. Hildegard e Ivo foram os heróis daquele dia. Conseguiram passar um longo tempo ao lado de um sociopata assassino, às vezes olhando para ele, sem sequer vomitar.          

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