6 de julho de 2007

A panela de pressão


Um homem, que por acaso sou eu, a cada 90 dias precisa levar o pai para revalidar uma receita que dá a ele o direito a um medicamento controlado e de alto custo, importanto, capaz de manter sob controle um câncer de próstata. O lugar, situado em Maruípe, bairro de Vitória (ES), é, como todo ambiente credenciado pelo SUS, um depósito de gente. E de gente velha. Chega-se lá por volta das 05 horas. Os velhos ficam sentados às cadeiras e outras pessoas entram na fila para dizer que seu fulano, seu sicrano e seu beltrano chegaram e querem ser atendidos.
Por volta das 07 horas, com o lugar superlotado, começa o atendimento. Coisa de três a quatro minutos por, digamos, cabeça. Ou por próstata, como queiram. As receitas são revalidadas para mais três meses, que significam três injeções do dito remédio, aplicado sob a pele da barriga.
Por que fazer isso, se o doente não vai se curar e precisará do medicamento enquanto viver? Explicação didaticamente dada por funcionário do SUS: algumas pessoas pobres pegavam as injeções e as vendiam a terceiros. Vendiam, no caso, a própria vida, já que dependiam do medicamento para viver. Descoberto isso, e para que o dinheiro público não fosse desviados para fins escusos, criou-se esse sistema. E mais: para a completa segurança do dito sistema, o doente não pega mais o remédio para pedir aplicação na farmácia ou em casa. Ele vai todos os meses a um hospital credenciado pelo SUS e toma a injeção lá.
Está salva lavoura. E provado que, aqui no Brasil, dinheiro público só é roubado por membro do Poder Público. Dos três poderes, pois os direitos são iguais pelo menos no que diz respeito à falta de vergonha, de caráter e de comprometimento para com a população.
À saída, na porta do depósito de cancerosos, um homem me aborda. Paupérrimo. Poucos dentes na boca. Abre uma bolsinha e diz que vende peças de artesanato por R$ 1,00. Mostra-me várias panelas de pressão feitas a partir de latas de cerveja ou refrigerante. Por incrível que pareça, perfeitas. Compro uma de feita de lata de Coca-Cola e estou olhando para ela agora.
São 10h30m de sexta-feira, 06 de julho de 2007, e havia um homem honesto na porta daquele lugar. O coitado nem sabe que lá dentro são atendidos outros homens como ele, que precisam ficar na fila para que o dinheiro público, meu, seu, de todos nós, possa ser roubado apenas por "quem de direito". Afinal, convenhamos, não há recursos escusos para todos. Alguém precisa ficar sem uma fatia do bolo, ou para morrer ou para fazer panelas de pressão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Falou e disse, pai.MUito bem observado.Aliás, injustiças e absurdos como este são tão comuns hoje em dia no Brasil que muitas vezes nem percebemos.
Beijos,Tatá.

Anônimo disse...

Honestamente não é de admirar e de se surpreender a existência deste tipo de sobrevida no Brasil, país onde as pessoas precisam, na maioria, trabalhar para comer. Mas o que ainda me deixa feliz é que o nosso povo tem um talento enorme para fazer desta luta contra fome, formas criativas de se viver!! Parabéns para este artista e para tantos outros!

Tati.