O padre Júlio Lancellotti não é o único pastor católico perseguido por hordas que se dizem conservadoras, mas que não passam de reacionárias. E também não será o último. O conservadorismo/reacionarismo católico é forte, atuante e se espalha por todas as regiões brasileiras, sempre procurando ocupar espaço. Ele está presente, por exemplo, na "Canção Nova" que transmite 24 horas por dia e agora também tem "noticiário". Em breve teremos a "Canção Nova News", uma tendência. Talvez venha a ser seguida pela "Rede Vida", "TV Aparecida", "TV Século XXI", "Nazaré" e "TV Evangelizar". Todas na fila junto com uma carrada de denominações evangélicas ou ditas assim, que também alugam espaço de TV.
Lembro-me como se fosse hoje do dia em que andava por Olinda durante um congresso de jornalistas esportivos e me deparei com uma figura linda na porta de uma igreja. Faz muitos anos. Aproximei-me e perguntei: "Dom Elder?". Ele disse: "Se te agrada!" Então questionei de novo: "Um comunista agnóstico pode dar-lhe um abraço?" Do sorriso mais aberto e bonito que já vi veio a resposta: "Não apenas pode, como deve!". E eu o abracei na única vez em que estive com ele em vida. Sua morte eu soube e vi pela televisão.
Dom Elder Câmara nunca chegou a ser cardeal por pressão da ditadura militar brasileira. E ria disso. Dom Paulo Evaristo Arns chegou ao cardinalato e enfrentou o regime sempre que foi possível, mas com muito cuidado. Rezou missa ao lado do rabino Henry Sobel quando do assassinato de Vladimir Herzog. Dom Pedro Casaldáliga, nascido em Balsanery, Espanha e naturalizado brasileiro, foi bispo de São Féliz do Araguaia, o primeiro depois da fundação da prelazia, onde ficou até sua morte lutando por direitos humanos. Foi sepultado em um cemitério Karajá, às margens do Rio Araguaia e ao lado das vítimas de grilagem de terras.
Mesmo não crendo na bíblia, entendo que esses homens são aqueles que representam os ensinamentos dessas escrituras na terra. Da mesma forma que o padre Júlio Lancellotti, dedicado à luta pelos "povos de rua" num país rico e dominado por representantes diversos de grandes setores do capital nem um pouco preocupados com quem não tem nada. E no Brasil jamais deveria haver "povos de rua" nem alguém lutando por essa bandeira.
O cardeal que condenou o padre Júlio ao silêncio e o retirou das redes sociais, dom Odilo Scherer, filho de alemães, gaúcho e conservador, jamais investiu contra os setores reacionários da igreja e nem precisou "proteger" aqueles que usam até canais de TV para lutar contra a teologia da libertação e suas ramificações. Ele não censurou gente como frei Gilson da Silva Pupo Azevedo, adepto do presidiário Jair Bolsonaro, defensor de armas, ou o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, que pediu aos católicos e evangélicos que rezassem pelo golpista general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e condenado pelo STF, no que foi chamado de "oração do golpe". Há muitos outros exemplos, mas chega.
Padre Júlio continua por enquanto na Paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca, em São Paulo. Calado, sem redes sociais. Ao mesmo tempo o cardeal Scherer é um campeão dessas mesmas redes, com milhares de seguidores, sem censura e sem nenhum tipo de "proteção". Vai em frente apenas com sua imensa hipocrisia, defendendo quem não precisa de defesa. A diferença entre ele e Júlio Lancelloti é apenas essa.
Viva Padre Júlio!







