28 de janeiro de 2021

Todos do mesmo nível


Definitivamente o presidente Jair Bolsonaro não respeita a liturgia do cargo que ocupa. Pior; talvez nem saiba o que quer dizer esse termo. Mas isso todos nós já sabíamos. No episódio de ontem, quando ele foi a uma churrascaria com "apoiadores" e falou aos jornalistas: "vai pra puta que pariu, porra! É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa", referindo-se ao episódio dos gastos do governo, notadamente com leite condensado, uma pessoa ao seu lado riu muito dos palavrões proferidos e até bateu palmas efusivamente. Fiquei pasmo. Era o ministro das relações exteriores do Brasil. Basta olhar a foto que ilustra esse texto e é de IstoÉ.
O ministro Ernesto Araújo está próximo a seu ídolo, olhando. Isso segundos antes do acesso de falta de educação presidencial. No momento em que este se comporta como um desqualificado, Araújo, que segundo o vice-presidente Mourão está no estertores de sua atividade no cargo, abre o sorriso, bate palmas e participa das comemorações dos demais que gritam "mito" várias vezes. Esse apelido Bolsonaro tem desde jovem quando, muito magro, era chamado de "parmito", termo usado no interior. Mas isso não vem a esse caso.
Dois fatos devem ser considerados. Primeiro, que os gastos referentes a 2020, embora imensos para tempos de crise econômica, referem-se a diversos setores do governo federal e não apenas a presidência. Mas muitos itens estão supertafurados. Isso merece críticas pesadas. E como o presidente não respeita ninguém, atrai para si o escárnio de todos refletido nos "memes" que acompanham seu dia-a-dia. Não pode reclamar deles de forma alguma. O segundo é muito importante. O cargo mais cerimonioso de um governo é sua chancelaria. O titular torna-se responsável pelas relações diplomáticas entre o país que representa e todos os demais. Se não tem estatura para tal, compromete suas funções, o que pode ser danoso. No caso atual, o Brasil jamais teve em sua história um chanceler tão inexpressivo. Tão deslocado de suas funções. Ele representa tão mal nosso país que atualmente nem é recebido por chefes de Estado. Isso repercute no isolamento diplomático brasileiro da atualidade pois, além de não contribuir para diminuir o afastamento brasileiro dos outros países importantes, ainda agrava o quadro.
O episódio da churrascaria, indigno de ser vivido por chanceleres, destoa totalmente das tradições brasileiras nas relações internacionais, tão respeitadas no passado. Nós fomos um país modelo nessa área, onde nos notabilizávamos por uma linha de serenidade, não interferência nos assuntos internos de outros governos, além de contribuirmos para, sempre que possível, restabelecermos a paz em momentos de crise. Nossos embaixadores e chanceleres eram referências no plano internacional, sobretudo por seu preparo intelectual. A diplomacia brasileira sempre foi modelo. Até isso, desgraçadamente, está sendo destruído nos dias atuais.
Resta um consolo; o governo Bolsonaro é do nível de seu ministro de relações exteriores.

10 de janeiro de 2021

"Lá eu como!"

- Lá pelo menos eu como!

Foi essa a reação do morador de rua do bairro de Jardim da Penha, em Vitória, ao ser detido por um policial militar após ter sido surpreendido tentando roubar dinheiro de uma senhora que deixava um dos supermercados do lugar. Para ele a prisão era a garantia de ao menos duas refeições diárias sem ter que mendigar, roubar, invadir prédios à noite ou consumir drogas para fugir à realidade e enganar a fome.

Dia desses, ao entrar numa das agências bancárias do bairro, tive a reação de puxar rapidamente o braço para não ser tocado por um dos mendigos que me abordava junto à porta de entrada. Eles se colocam em bancos, estabelecimentos comerciais diversos, pontos de ônibus, praças. Quaisquer lugares onde seja possível mendigar ou dormir nas calçadas com trapos velhos e papelões de caixas.

- Caramba, senti nojo de um ser humano que passa fome! - pensei eu.

A miséria cresce no Brasil em uma velocidade cavalar de dois anos para cá. Pode parecer preconceito político, mas não é: eis o Brasil de Bolsonaro! Nu e cru!

Segundo dados do IBGE, hoje temos 14,5 milhões de miseráveis absolutos nesse País e a multidão aumenta sem parar. Pessoas que não têm onde dormir, se lavar, fazer necessidades fisiológicas com dignidade, se alimentar. Que não conseguem ver algo no horizonte. São, na maioria dos casos, drogados e que não mais se interessam em sair das ruas. E quando para eles a prisão é a liberdade ao menos para parar de sentir fome, então é preciso a gente pensar se essa sociedade na qual vivemos agora é mesmo de homens livres. Porque não é, ainda que se queira esconder a realidade com uma peneira.

Recentemente dois desses homens brigaram por "ponto" nessa mesma Jardim da Penha que já foi um paraíso de tranquilidade para a classe média capixaba. Um dos dois, que ostentava a testa rachada em outros confrontos, terminou morto. Houve aglomeração, chegou a polícia, foi identificado o matador e o cadáver do morto acabou no IML. Meia hora depois, calçada lavada, tudo seguiu a vida normalmente, como se nada tivesse
ocorrido. Sim, o morto era nada.

O morto em briga de rua
Pela cidade de Vitória, como de resto por todas as cidades brasileiras, a miséria ocupa as ruas. Cresce como um câncer social que não vai ser extirpado porque a política oficial do governo federal, o Brasil de Bolsonaro, não quer acabar com a miséria. Seu foco "do capital, pelo capital, para o capital", é fazer com que os miseráveis morram. Assim eles deixam de ser problema.

Infelizmente para os mandatários atuais já não se pode agir da forma como era "solucionado o problema" na época de Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, quando "invisíveis" eram mortos e jogados no Rio Guandu. E olhem que o Rio de então era um paraíso perto do de hoje! Aqui nós temos alguns rios e o mar para jogar cadáveres. Mas, nesses tempos onde todo mundo tem uma câmara e uma filmadora acopladas ao celular, fica perigoso matar dessa forma. Sai no jornal e dá na TV.     




6 de janeiro de 2021

E nós não vemos isso...

Claudino de Jesus, médico e um velho camarada por quem tenho profundo respeito e que assessorou a última gestão municipal de Vitória, resumiu em poucas palavras os primeiros atos do novo prefeito da Capital, o delegado Pazolini que na foto aparece em campanha ao lado da vice, uma militar: "O maior desmonte já visto. Uma catástrofe. Tratorou todas as políticas públicas em curso em nome do dito "estado mínimo" e o incremento das pautas conservadoras."

O prefeito iniciou seu mandato "impondo" à Câmara textos legais que os vereadores não tiveram tempo de analisar. E nem querem. Eles sabem o que querem. Depois exonerou praticamente todos os servidores municipais de cargos comissionados. O que vem aí é a tal gente "terrivelmente evangélica", que dentre as pautas que possuem a principal é a de tentar obrigar todas as demais pessoas a pensar como elas, sobretudo no terreno religioso. Estado laico? Que se dane esse conceito tão estranho.

Pazolini não é apenas um fruto do "bolsonarismo de raiz". Que me perdoe Claudino, mas ele também é cria dos incontáveis erros políticos que a esquerda e a centro-esquerda brasileira cometem há tempos. Fabrício Gandini, do Cidadania, tinha tudo para administrar Vitória, mas o prefeito Luciano Rezende, ligado a ele, fez questão de brigar com vários setores da população da cidade, sobretudo na Praia do  Canto onde fez inimigos com arrogância e se negando a atender a pedidos ligados a ciclovias e a participar de reuniões. A vingança veio nas urnas. A mínima diferença entre Gandini e Pazolini no primeiro turno representa os votos perdidos pelo "patrono".

No plano nacional a oposição ao governo de extrema direita de Jair Bolsonaro não se fecha em torno de um nome para conquistar Senado e Câmara. Pode acabar perdendo. Da mesma forma, está há anos luz de distância de entronizar seu candidato à presidência da República, mesmo sabendo que o "capitão" não passará de 30 por cento nas urnas se enfrentar um grupo monolítico. 30 por cento são o "gado".

Pazolini venceu se mostrando um moço bom e demonizando o opositor do PT. Bolsonaro se elegeu dizendo que iria combater a corrupção e, além de louco, tenta de todas as formas esconder os atos corruptos seus e de seus familiares. Pessoas morrem de Covid-19, nosso meio ambiente queima, cargos são loteados com o Centrão e não há luz no fim do túnel.

Mas  nós, da oposição, não conseguimos ver isso.