30 de junho de 2021

A miséria e as "motociatas"


Atacar e combater com vontade a miséria que assola o Brasil depende sobretudo e principalmente de vontade política. De reuniões de Estado com o maior número possível de atores, da definição de uma forma eficiente de combate - um plano, um planejamento -, e de um acordo que reúna os esforços conjuntos do governo federal e dos estados. Mas como fazer isso se o presidente não governa e só faz campanha de reeleição? Como fazer isso se ele só vê o seu país através de "motociatas"?

Um dia desses, o porta-voz informal do governo nos meios de comunicação, o "jornalista" Alexandre Garcia disse na CNN que o Planalto não analisa o Brasil e a situação do governo por intermédio das pesquisas de opinião pública, mas sim pela visão dos comícios, discursos em palanques diversos e passeios de motocicleta com apoiadores, sempre desrespeitando regras sanitárias em quaisquer estados. Ou seja; eles estão vendo tudo através de sua bolha. E que a cada dia diminui mais de expressão.

A foto que ilustra esse texto é minha. Foi feita há 48 horas na Avenida Dante Michelini, em Vitória, nas primeiras horas da manhã e sob a marquise de uma boate fechada pela pandemia do coronavírus. Nesse acampamento improvisado dormiam quatro pessoas provavelmente de uma só família. Está certo dizer que sempre convivemos com miséria no Brasil, mas ela cresce de forma absurda de pouco mais de dois anos para cá. Tornou-se imensa, fora de controle. Pandêmica! Pior de tudo: não há a menor perspectiva de que venha sequer a diminuir em prazo curto ou médio. As "motociatas" passam rápido e o presidente não vê a fome dos outros. Só sua saciedade. Aliás, não quer ver. Não tem planos para ela porque o contingente de miseráveis vai contar pouco nas eleições presidenciais do ano que vem.

Esse é o maior dano dos tempos atuais no Brasil: as pessoas jogadas nas ruas das cidades brasileiras, em fome endêmica, sequer podem sonhar com um dia de amanhã. Isso não existe para elas porque o Estado não tem esse projeto. Vão continuar aumentando e morrendo de fome, frio ou violências nas calçadas e marquises desse país que as deserdou de futuro e justiça social.                    

22 de junho de 2021

A esperança maior


Tenho passado algumas horas por dia lendo artigos de jornalistas ou cientistas sociais e médicos estudiosos, todos muito sérios, focando sobre a "performance" mais recente do homúnculo Jair Bolsonaro na presidência da República. Algumas avaliações são catastróficas, outras nos aproximam do cenário de um caos constitucional e há, enfim, aquelas que reduzem a figura do indivíduo à do projeto fracassado de ditador de aldeia já sem forças diante dos últimos fatos.

Prefiro essas últimas e, ao contrário do general que preside o Superior Tribunal Militar, não acho esse presidente do Brasil um democrata. Ele é a antítese disso. Sempre foi! O que acontece hoje é que sente tremenda dificuldade para colocar em prática seu projeto de provocar uma ruptura institucional porque as FFAA (detesto essa sigla) estão há anos luz de distância de serem uma força monolítica, sobretudo depois dos últimos episódios de demissão do comandante do Exército e de "perdão" a Pazuello. O que pretende fazer então o dono do lema "cala a boca!" daqui para a frente? Tentará provocar o caos.

As lutas insanas dele pela cloroquina, contra o voto em urna eletrônica, em ataque à honra do jornalismo (foto acima) e no cometimento dos mais diversos crimes possíveis e imagináveis que vão desde simples desrespeito a normas sanitárias municipais e estaduais até ao desperdício de dinheiro público das mais diversas formas - vide os últimos escândalos envolvendo a vacina indiana - e destruição de nosso patrimônio ambiental são exemplos de um projeto: provocar instabilidade política de tal monta que desemboque na possibilidade da decretação de estado de sítio nas eleições de 2022.

Sabemos todos que esse cavalo doido é um sociopata claramente identificável. Tenho minhas dúvidas sobre se não pode ser classificado também como psicopata, pois não sou da área de saúde mental. Mas, seja o que for ele tem um projeto e que é o de se reeleger a qualquer custo. E esse projeto não envolve renunciar a nenhuma de suas bandeiras sujas de lama e de sangue. Ele as vai carregar até o final do trajeto e com cometimento de novos crimes. Tantos quantos forem necessários.

Como o Judiciário age com aparente medo no tocante a ele e o poder político pode ser cooptado com o uso de nosso dinheiro - como está acontecendo -, resta-nos uma luz no fim do túnel: a reação externa. Haverá ações contra a continuação da destruição do meio ambiente e é possível que o Tribunal Internacional de Haia o declare processado por genocídio. Essa é a esperança maior!     

17 de junho de 2021

A guerra perdida


Em seu  primeiro périplo europeu como chefe de Estado o presidente dos EUA, Joe Biden, não apenas se ocupou de remendar os estragos do antecessor na política externa com a Europa, mas também de "denunciar" os perigos representados pela Rússia e pela China sobre o "mundo livre". Com o presidente russo ele se reuniu e decidiu voltar a trocar embaixadores. Mas o primeiro ministro chinês não estava lá. Nem vai. Nem tem agenda para discutir esses pontos nos próximos tempos.

Esse fato me remete há cerca de 30 anos quando, editor do jornal A Gazeta, participei de workshop promovido pela direção da empresa para aprimoramento gerencial. Houve reuniões no Hotel Porto do Sol, em Jardim Camburi, e em Nova Almeida. Num dos módulos apresentados em Vitória o instrutor da Fundação Dom Cabral, contratada para o evento, nos disse que em algumas décadas a China seria a maior potência da terra, tanto econômica quanto militar. Isso, gente, faz cerca de 30 anos! Alguns riram. Outros ficaram céticos, em silêncio. Mas o vaticínio está aí mesmo, corporificado na nossa porta hoje.

Agora os chineses dominam a alta tecnologia em vários campos do conhecimento humano. Se pararem de exportar, esse computador que estou usando ficará sem peças de reposição. Meu celular também. Televisores, maquinário industrial, rural e comercial igualmente. Em campos de engenharia eles não têm adversários. E mais: suas forças armadas estão próximas de rivalizar com as dos Estados Unidos e de ultrapassá-las em menos tempo do que se imagina. Vejam por essa foto de exercício de fuzileiros navais em praia chinesa, ano passado. Isso é real! Está acontecendo à nossa vista! 

Joe Biden sabe que está numa guerra perdida. Ora, se o estudioso da Fundação Dom Cabral sabia que isso estava perto de acontecer há mais ou menos 30 anos, os Estados Unidos também sabiam. Mas não acreditaram. Acharam conversa para boi dormir dizermos que seu império construído à custa de tanto sangue de inocentes cairia para um país com gente que, no passado, eles diziam parecer macacos.

Mas o fato se corporificou. Biden imagina que o melhor caminho hoje é se entender com os chineses. Se o esperneio é livre, a opção da guerra não teria vencedores nem vencidos. E se é para perder, os Estados Unidos sabem bem disso, é melhor que a derrota venha sem sangue e não como aconteceu no Vietnã. Afinal  de contas, todos os impérios um dia são suplantados e não há desdouro em ser o vice.             

10 de junho de 2021

Minha pinguela minha vida


Se alguma coisa poderá passar à história como sendo o símbolo do governo desse presidente Bolsonaro, ela será a pinguela que ele inaugurou recentemente no Amazonas. E se olharmos para a foto acima vamos concluir que não passa disso. No mais o presidente jamais passou de alguma coisa além de um político em campanha. Foi empossado assim, "governou" até agora assim e gasta dinheiro público aos borbotões assim. Aos poucos todos os seus desatinos estão sendo dados a conhecimento público. São os crimes que comete diariamente para se manter no poder com seu projeto de celerado.

Por isso é tão importante que os vários segmentos de oposição ao capitão extremista invistam na construção de uma terceira via democrática, frente ampla para as eleições de 2022. Nada será mais danoso ao Brasil do que a manutenção da polarização Bolsonaro/Lula. É isso o que o atual mandatário quer porque esse caminho permitirá a ele usar de todos os recursos antidemocráticos ao alcance para tentar vencer ou buscar a ruptura institucional. A oposição colocaria em xeque seus planos nazifascistas.

Dificilmente se conseguirá colocar na cabeça de Lula que sua candidatura agora elegerá o confronto. Ele se sagraria facilmente senador por São Paulo e poderia aos poucos construir uma trajetória de volta ao poder visando 2026. Hoje, não. O sentimento antipetista da população é muito forte e justificado. Precisamos ter uma frente oposicionista formada por candidatura acima de qualquer suspeita no tocante à dignidade e à capacidade de governar. Isso existe, sim, na política brasileira.

Ela teria de ser de combate ferrenho aos movimentos milicianos, à insurreição nas polícias militares, à politização das Forças Armadas, ao racismo, ao negacionismo, à desconstrução dos valores democráticos e à existência de poderes paralelos ao Estado capazes de atacar nossas mais caras instituições a partir de mentiras propagadas em redes sociais todos os dias a todas as horas por uma "familícia" que deseja o Brasil como seu campo de experimentação política privada.

Depois, bastará mostrar a foto do pontilhão (ou pinguela) do Amazonas como símbolo maior das "obras" desse governo e enfrentar as eleições sem que a campanha descambe para a violência. Pelo menos do lado do movimento oposicionista. Vamos eleger a democracia ano que vem!

7 de junho de 2021

O comunista e o "comunista"


Em 1969 o Brasil disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970 no México e o presidente/ditador Emílio Medici fez chegar à seleção a informação de que gostaria de ver Dario como titular. João Saldanha, jornalista, radialista e técnico da equipe soube disso e disparou: "o presidente não me deixa escalar o ministério dele, então meu time quem escala sou eu" (foto). Era época de ditadura militar, a antiga CBD teve que demitir Saldanha, Zagalo assumiu no lugar dele e na convocação final para a Copa Dario estava na lista no lugar de Toninho Guerreiro, o favorito do treinador demitido.

É tenebroso quando a política interfere na vida do esporte. Zagalo jamais admitiu ter assumido o cargo de técnico e ter ganhado o tricampeonato mundial com a exigência de convocar Dario, mas jamais relacionou o jogador sequer para o banco de reservas. O folclórico Dadá, como ele próprio se chamava, apenas treinava. E o Brasil teria sido campeão do mundo com Saldanha porque era, disparado, o melhor time. Mas o afastamento daquele que ousou enfrentar Medici foi imposto à Confederação. João Havelange, então presidente e capacho de ditadores, concordou sem protestar. Afinal, Saldanha era comunista mesmo, "de carteirinha".

Hoje, passados 52 anos desses episódios, o atual presidente Bolsonaro, um saudoso da ditadura militar que adoraria ver de volta ao Brasil, resolveu fazer algo parecido. Como o técnico da Seleção Brasileira, Tite, não é do seu grupo, tentou de todas as formas que ele fosse demitido e substituído por Renato Gaúcho. O presidente da atual CBF, o inexpressivo Rogério Caboclo ia fazendo isso para agradar, não fosse o escândalo de seu afastamento provocado por agressões morais e sexuais a uma funcionária. Um projeto de ditador de aldeia de um lado, um maníaco sexual de outro: eles se merecem.

Não se sabe ainda o que vai acontecer nos desdobramentos desse escarcéu. O Brasil jogará a Copa América em nosso território, mesmo sob protestos, e o atual chefe do Executivo vai poder ver as partidas e entrar em campo após o jogo final para seu show demagógico, que será maior se os brasileiros forem campeões. O circo está armado no país onde falta pão e isso não agride os governantes.

Há uma última diferença a considerar: embora João Saldanha fosse comunista, membro do PCB, o Partidão, Tite, não. Ele apenas é "xingado" assim porque essa é a receita dos nazistas hoje encastelados no poder brasileiro para identificar quem não concorda com seu Capitão Cloroquina. Se os medíocres não podem subir ao nível dos outros, têm que tentar rebaixá-los ao seu.            

3 de junho de 2021

As milícias e seu gangsterismo


Eram 03h40m da madrugada de hoje. Depois de "avisar" aos moradores com estalos típicos de desabamento, um prédio de cinco andares veio abaixo no bairro carente de Rio das Pedras, Rio de Janeiro (vejam pela foto aérea), região dominada há décadas por milícias. Quase todos tiveram tempo de evacuar o edifício menos quatro pessoas que ficaram feridas e uma criança de dois anos e o pai dela, mortos debaixo dos escombros. Como pode isso acontecer? Como pode se já aconteceu antes na Muzema e o desabamento deixou um rastro de 24 pessoas mortas soterradas?

É simples. Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP é autor de um livro de título "A república das milícias - Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro", estudo de fôlego e fruto de longas pesquisas. Milícias, grupos paramilitares armados, impõem o terror pelo medo em regiões carentes do Brasil e só existem onde o Estado não está presente. Por isso estão no Rio.

Elas nasceram antes mesmo dos governos do líder populista Leonel Brizola. Em terras públicas invadidas sem que os governantes fizessem nada para evitar. Esses grupos chegaram depois dos traficantes para "proteger" as pessoas. Expulsaram o tráfico, tomaram conta das regiões e impuseram o terror. Hoje todo mundo tem que pagar "proteção". Tem imposto sobre gás, diversos outros serviços de primeira necessidade, inclusive "gatonet". Os moradores se livraram de um mal e o trocaram por outro.

É diferente do que aconteceu em São Paulo. Lá a expansão se deu em regiões industriais e o Estado estava presente porque a ele interessava a infraestrutura nas regiões. Além disso a igreja católica era dominada pelas Comunidades Eclesiais de Base comandadas por Dom Paulo Evaristo Arns, que não tolerava algumas práticas. O que não impediu o tráfico nem bandos criminosos como o PCC.

As milícias são piores? Claro que sim, haja vista o que vem acontecendo, pois todas as construções são irregulares e feitas em áreas protegidas com destruição de mata nativa. E por que não se faz nada? Por diversos motivos, sobretudo pelo fato de que por onde se passa nessas regiões são encontradas as digitais da "familícia" Bolsonaro e dos políticos corruptos nascidos da necessidade de controlar as populações. Isso explica a luta do atual presidente pela volta do voto impresso pois fica mais fácil "cabrestar" os eleitores nesses bairros dessa forma. Mas esse ponto é assunto para outro artigo.                   

1 de junho de 2021

Os foras da lei


O ex-ministro Eduardo Pazuello, general da ativa que afrontou os regulamentos do Exército participando de um evento político com o presidente da República no Rio de Janeiro foi nomeado hoje para um cargo de planejamento estratégico no Palácio do Planalto, junto à presidência. Além de não entender nada sobre a matéria, sua nomeação é uma nova afronta às caras normas militares.

Recentemente a Polícia Federal fez uma busca na casa e escritórios do ministro do Meio Ambiente. Além de não ter entregue seu celular aos agentes, o cidadão Ricardo Salles destruiu o aparelho em seguida. Primeiro disse que o equipamento não estava com ele. Depois mais nada falou e deu fim a tudo. Mas o pior é que até agora nada aconteceu com o possível contrabandista de madeira ilegal.

É inacreditável a certeza que essas pessoas têm da impunidade. A começar pelo presidente, todos agem literalmente como se estivessem acima das leis. Não as respeitam. Pior do que isso, as afrontam. Tentam minar as bases das instituições e, não satisfeitos em fazer isso com as mais caras delas, as civis da República, agora atingem também as militares e essas parecem não querer reagir. Por quê?

Minha teoria é o medo de o Brasil voltar a ser governado "pelas esquerdas", como são chamados os diversos grupamentos de oposição. Também há o oportunismo político do "Centrão", hoje encastelado no governo. E o tal "Centrão Militar", que está sendo formado no Brasil em troca de benesses tipo altos salários em cargos públicos. Oportunistas é o que não falta no Brasil. E foras da lei!

Só que a inação da instituições que deveriam reagir a isso vai aos poucos corroendo as bases da democracia representativa. Os altos escalões do Judiciário assistem às vezes com complacência ao desfile de imoralidades e atos de corrupção, como o deboche de Pazuello e Bolsonaro durante os desfiles de motocicleta no Rio de Janeiro (veja a foto). E o mesmo acontece com as patentes militares superiores que até agora ainda não puniram o general debochado. E fora da lei.

Quando a gente soma a isso tudo as revelações da CPI que se desenrola no Senado fica claro que o momento é de perigo. A democracia vai resistir, sobreviver, assim acredito eu. Mas é impossível avaliar agora com quantos danos. A sociedade civil precisa reagir com denúncias todos os dias. Contra os foras da lei, inclusive os que habitam o Palácio do Planalto.