27 de abril de 2009

O cumprimento da liturgia


Sábado, conversava eu com um juiz federal, num papo entre amigos. E, como não poderia deixar de ser, surgiu no horizonte da conversa o assunto do bate-boca ocorrido entre os ministros Gilmar Mandes e Joaquim Barbosa, no Supremo Tribunal Federal (STF).
O juiz disse então que, nas cortes superiores, não se concebe que o voto de um desembargador ou ministro seja contestado por outro. Criticado. Quem dá o voto, o justifica e passa a palavra ao próximo. Este, por sua vez, dá seu voto e o justifica, seguindo-se os demais votos. Eles podem ser diferentes, conflitantes, mas ninguém interrrompe ninguém para questionar, contestar ou censurar o voto já emitido. Deve haver respeito pelas opiniões dadas e pelas interpretações legais que nascem do saber e do entender de cada um. Essa é a liturgia do Direito nas cortes superiores, sejam elas estaduais ou federais.
O que, então, está acontecendo na maior corte do Justiça do Brasil?
Ouso dizer que a presença da TV está transformando - ou seria transtornando - algumas pessoas. Magistrados estariam julgando preocupados com o holofotes, com a repercussão de seus votos. Interessados em conquistar prestígio pessoal. Isso geraria a maior parte das interrupções e das desavenças nas cortes de Justiça. Sobretudo no STF.
Costuma-se dizer que magistrados falam nos processos. E o que eles têm a dizer se esgota aí. Não sabe a eles ficar dando entrevistas e explicando o que já foi dito.
Mas a culpa é da TV? O correto é impedir que a TV transmita ao vivo assuntos de interesse público, que tocam ou modificam a vida de todos nós? Claro que não.
Cumpre aos senhores ministros refletir. Não importa a presença das câmeras nas sessões do STF ou outra corte. Não importa saber se todo o país acompanha o voto de cada um. Cabe à Justiça fazer apenas o que se espera dela. Cumprir sua liturgia.

9 de abril de 2009

Censura e direito de resposta


De ordem do Sr. Ministro da Justiça está proibida a publicação do decreto de D. Pedro I, datado do século passado, abolindo a Censura no Brasil. Também está proibido qualquer comentário a respeito
Pode parecer piada, mas é verdade. Durante os Anos de Chumbo, o período da censura oficial no Brasil, esse foi um dos textos recebidos pelos jornalistas nas redações dos jornais: D. Pedro I foi censurado porque alguém havia invocado seu decreto para protestar contra o regime militar.
Por essa e por mais uma carrada de razões, salta aos olhos a necessidade de ser abolida a Lei de Imprensa no Brasil, como está sendo feito hoje pelo STF. Não existe lei para engenheiro, advogado, médico e nem para ninguém em particular. Só para jornalista. Mas para jornalista, da mesma forma que para todo mundo, existe o Código Penal. E outras leis.
Só que a discussão em curso hoje deixa uma preocupação: há setores que pedem, no esforço de se abolir a Lei de Imprensa, para ser retirado também da legislação o direito de resposta. Aí mora o risco. Embora seja eu capaz de afirmar que a maioria dos órgãos de divulgação e jornalistas, radialistas e outros são honestos, há os que não são. A inexistência de texto legal garantindo o direito de resposta poderá levar a vinditas, perseguições e outros tipos de atos espúrios. E não serão poucos, certamente.
É correto que esse direito muitas vezes acaba sendo exercido por quem quer dele se vale para encobrir crimes. Mas um criminoso na rua é mal menor do que um inocente condenado.
O direito de resposta deve ser considerado coisa sagrada.

3 de abril de 2009

De fazer chorar...


O Governo do Estado do Espírito Santo vai fazer, à custa do erário, obras necessárias, de complementação de acessos da Terceira Ponte, que liga Vitoria a Vila Velha. A concessionária Rodosol se recusa a fazer ela as obras, a menos que possa aumentar as tarifas de pedágio e o prazo de concessão. Leia-se: a menos que passe ao contribuinte toda a conta.
Quem redigiu o contrato que deu à Rodosol a concessão de exploração da Terceira Ponte? Pergunto, porque esse contrato é, em essência, idêntico a todos os demais de obras públicas entre os entes federativos ou a União e empreiteiras que sobrevivem à custa de construir, seja lá o que for, para o Estado. Um garrote que garante tudo aos consórcios que são formados e nada a municípios, estados ou Federação. Ou seja, ao cidadão comum. Aquele que todos os dias paga impostos, direta ou indiretamente.
A revista Época dessa semana publica anedota que corre entre pessoas que fazem negócios com o Governo. Diz assim: Deus criou o mundo em sete dias, sem estourar o cronograma nem o orçamento da obra, porque não teve de fazer licitação, contratar empreiteira e pagar propina a políticos.
Essa é uma piada lá de Brasília. Mas pode ser contada aqui também. Se alguém contá-la a algum membro da Rodosol, garanto que ele vai rir muito. Afinal, é gozada.
Só não é engraçado saber, nós que passamos pela Terceira Ponte e pagamos o pedágio caro de vez em quando - milhares fazem isso todos os dias -, que ainda teremos de arcar, indiretamente, com a conta dos novos acessos.
Saber que isso decorre da corrupção entranhada nos hábitos e costumes do relacionamento entre poder público e empreiteiras, um dos mais promíscuos dentre tantos os que existem nesse país, é simplesmente ridículo. De fazer chorar...