23 de janeiro de 2019

"Operação Brother Caipira"

Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, quando um golpe de Estado afastava e exilava o presidente João Goulart, uma esquadra dos Estados Unidos estava a postos no litoral do Brasil para invadir nosso território caso o golpe de Estado não desse certo. Eles eram parte da "Operação Brother Sam", nome dado àquela quase intervenção estrangeira sobre território brasileiro gestada nos EUA sob inspiração do então embaixador norte-americano Lincoln Gordon e militares daqui envolvidos na trama. Eram os nossos caipiras pedindo socorro ao intervencionista do Norte.
Esse foi um episódio único na história brasileira. No mais, acabamos arrastados para a II Guerra Mundial quase à força mas, no mais das vezes, a diplomacia brasileira foi marcada pela neutralidade e a política do não intervencionismo em assuntos internos de outros países. Essa tradição garantiu ao Itamaraty a condição de negociador em questões onde sua atuação era pedida.
Agora, capacho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Jair Bolsonaro vai para onde seu mestre mandar. Como os EUA reconheceram o senhor Juan Guaidó presidente da Venezuela - e ele não disputou eleição alguma -, imediatamente o Itamaraty fez o mesmo. Nada de surpreendente se analisarmos o que são as cabeças de Bolsonaro e de seu inexpressivo chanceler Ernesto Araújo, figura idiotizada, mística e sem o respeito de nossos diplomatas mais capazes.
O Brasil sai de seus trilhos tradicionais para enveredar em linha de ferro perigosa, de percurso desconhecido e que pode ser marcado por armadilhas. É bom ter em mente que Trump é coisa passageira nos Estados Unidos. Pode nem ao menos terminar seu mandato se continuar a enfrentar a tudo e a todos movido pela ridícula decisão de construir muros onde deveria haver pontes.
Agora mesmo, em Davos, o presidente brasileiro cancelou de última hora uma entrevista coletiva que era necessária para que a imprensa internacional pudesse conhecer melhor a ele e seus planos de governo. Mas a ausência pode ser compreendida sem muita dificuldade: nem mesmo Bolsonaro e seus mais próximos sabem para onde ele quer ir e em que ponto deseja chegar. Se é que vai chegar.
Estamos no meio de uma "Operação Brother Caipira", reconhecendo a reboque dos Estados Unidos o governo títere de um cidadão que não sabemos quem é, a que vem e nem ao menos quais são seus projetos para um possível governo na Venezuela. Só sabemos que tirar Maduro é o objetivo.
São pantanosos os terrenos para onde se vai nas noites da história sem conhecer os caminhos. O governo Jair Bolsonaro tem se mostrado confuso e despreparado em quase tudo. No campo da diplomacia pode entrar para nossos livros de República como o pior de todos os tempos. No mundo de hoje é preciso que os homens se sentem em torno de uma grande mesa onde o mundo é o centro de todos, de todas as atenções. O foco nele permite à humanidade fazer política.

21 de janeiro de 2019

Fé cega, faca amolada!

A legião de bolsonaristas, os brasileiros que não admitiram mais uma reeleição do PT e se uniram ao outro lado tem se reduzido devagar depois da eleição de seu "mito". Mas mesmo assim continua imensa. Grande e cega na maior parte dos casos. Tanto que ninguém aceita um único questionamento, mesmo com evidências claras, quase provas de crimes. É o caso dos episódios reunindo o "homem de negócios" Queiroz e o filho puro do presidente Messias, Flávio Bolsonaro.
Quando alguém - pessoa ou órgão de comunicação - fala do assunto o mínimo que se ouve é: "Mais o PT roubava muito mais e ninguém fala nada". Errado. Lula está preso, dezenas foram processados e alguns estão na cadeia. E isso aconteceu também com o "entorno" formado pelos demais partidos da antiga base. Só no Rio de Janeiro um ex-governador e um governador estão presos.
Mas que ninguém toque em Bolsonaro! Ele é um caso de fé cega, faca amolada!
Do início da campanha eleitoral até agora perdi meia dezena de pessoas próximas nas redes sociais. As mais ferrenhas defensoras de Messias são as mulheres. Elas formaram um exército brancaleone de fieis escudeiras do novo presidente. Agora dizem que mesmo se alguma coisa for provada contra Flávio Bolsonaro, o papai nada tem a ver com isso. Não sabia de nada. Como Lula.
O caso é indício de "rachid", uma velha prática brasileira. O político contrata seus cargos comissionados e o contratado deixa parte do salário para o contratador. A justificativa são os gastos de campanha. Da campanha futura. Mas esse numerário serve para tudo. Um político já falecido disse-me uma vez que hoje os cargos comissionados são sempre - ou quase sempre - cabos eleitorais que ganham o emprego por serviços prestados em campanha. Ou seja: eu pago o trabalho deles para o político eleito. Mas em muitos casos o contratado tem que fazer o "racha". Esse político me disse que 80 por cento dos pares dele tinham essa prática. E, claro, isso acontece no Brasil todo. Só que é crime e as pessoas o cometem porque acham que as leis estão erradas. Nunca eles.
Flávio Bolsonaro e Queiroz têm que ser investigados, sim. Até o final. Mesmo agora que o primeiro explicou: ele fez um negócio de compra e venda de imóvel com a Caixa e, ao final, uma diferença de R$ 98 mil foi paga em dinheiro. Muita grana para se ter em mãos. E que poderia ter sido toda ela depositada no caixa do banco em vez de com o uso de 48 envelopes de R$ 2 mil cada.
Não é verossímil!
Mas a turba contesta, não acredita, encontra argumento atrás de argumento para questionar. E o faz com raiva, com exaltação, como se vendo Jesus no pé de goiaba.
"Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter que ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada".     

16 de janeiro de 2019

"SISTEMA $"

Não há como negar uma evidência tão clara como essa: o chamado SISTEMA S, as nove entidades privadas ligadas a setores empresariais, todas chamadas de "Serviço", embora posem de prestadoras desinteressadas de serviços, na verdade faturam muito e vivem à custa do dinheiro público. Mais do que isso: raramente prestam contas do que gastam, e quando o fazem o fazem de forma genérica.
Atualmente, entidades como SESI e SENAC - para ficarmos somente nessas duas - cobram, e cobram caro, pelos cursos que oferecem. O SESC no passado tinha restaurantes populares para atendimento a comerciários e que cobravam apenas um valor simbólico pelas refeições. Fecharam.
Os hotéis que o sistema mantém, sobretudo os ligados aos diversos SESC, cobram diárias nada modestas a seus associados. Em alguns casos chegam a competir com a hotelaria privada. Miseravelmente os preços praticados cobrem os custos de manutenção. Mas mesmo assim o SISTEMA S recebe bilhões de reais de repasse de dinheiro público para que esse montante seja revertido em favor dos trabalhadores. Portanto, eles não deveriam pagar nada. Mas pagam. Os cursos de capacitação mantidos pelo sistema, salvo exceções, são todos cobrados. E em valores elevados.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC), que comanda o sistema "C" (SESC, SENAC), há décadas é dirigida pela mesma pessoa e grupo. No Espírito Santo, o presidente da Federação do Comércio renova seu mandado ininterruptamente. O jornalista Gutmann Uchoa de Mendonça, amigo pessoal do presidente da CNC, Antônio Oliveira Santos, dirige o SESC Espírito Santo há cerca de quatro décadas. Não é segredo para ninguém que o verdadeiro representante da Confederação no Estado é ele. O presidente da Federação, José Lino , na verdade é um seu subordinado.
Sepulcri
Isso destoa das outras confederações, onde as eleições são feitas para valer, não raro com candidaturas de oposição e campanhas políticas acirradas. No Comércio tudo é uma ação entre amigos. Sem mudança de orientação, o sistema não gera sínteses novas, projetos de impacto.
O SISTEMA S usa dinheiro do governo para seu proveito próprio e não para os trabalhadores. Desde que o novo Ministro da Fazenda anunciou redução das verbas federais houve uma reação. Nela é dito que os setores ficarão sem ter como manter muitas das suas atividades. É mentira. No máximo vai sobrar menos dinheiro para as obras faraônicas - o Espírito Santo é mestre nelas - que jamais têm prestação de contas sobre como é usado o meu, o seu, o nosso dinheiro de impostos injustos.
O que nós temos é um "SISTEMA $". E ninguém aguenta mais pagar o pato.       

11 de janeiro de 2019

As "castas superiores"

O ministro da Defesa do Brasil, Fernando Azevedo e Lima, disse recentemente em entrevista ao jornal "Valor Econômico" sobre um dos principais pontos do projeto econômico de governo da equipe de Jair Bolsonaro, exatamente o seguinte: "Se o nome é reforma da Previdência, não estamos nela". E isso já está provocando um debate entre adversários hoje fidalgais por seus pontos de vista, mas que poderão se tornar inimigos irreconciliáveis, principalmente porque o presidente acredita nesse princípio e sua equipe econômica, não.
No fundo de tudo isso está o conceito de "Carreiras de Estado" (aquelas ligadas ao Poder e que não podem ser exercidas pelas categorias civis privadas), e nas quais todos querem se inserir nos dias de hoje. Até legislação prevista para que engenheiros e médicos atuantes no Estado sejam assim considerados poderá existir. Se essa amplitude conceitual for levada adiante não haverá reforma alguma. Isso porque os membros das "Carreiras de Estado" já são a casta que recebe vencimentos astronômicos no Brasil. Sua ampliação torna inviável qualquer projeto de reforma que busque equilibrar o sistema e recuperar sua condição superavitária.
No Judiciário é imenso o número de membros que recebem acima do teto constitucional graças a uma série de privilégios e penduricalhos que nenhuma outra categoria tem. No Legislativo ocorre coisa parecida. No Executivo, o mesmo. No caso das empresas estatais, pagamentos complementares subterrâneos fazem com que certos vencimentos cheguem aos seis dígitos. E isso acontece também em outros setores, inclusive por recebimento de múltiplas aposentadorias.
Desde 1993, quando era o inexpressivo deputado federal que sempre foi, Jair Bolsonaro defendia privilégios para as Forças Armadas. Agora, seu ministério militarizado quer tornar isso uma realidade, com a retirada dos membros das três forças da reforma previdenciária. Ou seja, os dois brasis que chamamos de "Belídia" (parte rica na Bélgica e parte pobre na Índia) tendem a se ampliar. Como não vai haver cobertor para tantos corpos, não serão os pés dos ricos que vão ficar de fora.
O mais irônico é que o atual governo foi eleito por uma grande massa de eleitores que basicamente não queria mais o PT no poder. Eles então elegeram o PSL, uma legenda que ninguém conhece e nem sabe para que serve. E serão os contribuintes do INSS dessa turba, bem como suas classe média e baixa os primeiros a sofrer os danos de uma reforma que tende a não passar de farsa.
Que os apaniguados do País não querem perder as tetas, todos sabemos. Mas falta pouco para sabermos também que o discurso de "combate aos privilégios", começando pela reforma da Previdência, não vai passar do que é agora: um discurso falso, pobre e vazio. Mais; tudo isso está sendo encoberto pelas promessas de combate à corrupção e que vão mascarar perdas de direitos, achatamento de vencimentos e ampliação da desigualdade social.  

7 de janeiro de 2019

Escola sem Sentido

Vamos imaginar que um professor esteja lecionando política a seus alunos. E ciência política não tem relação direta com doutrinação político-partidária. Mas ela não existe se o professor não abordar as origens do capitalismo e do comunismo que modificaram as relações sociais e determinaram a falência da monarquia tradicional, sobretudo a absolutista. É preciso, então, que os alunos entendam a política atual à luz do pensamento dos homens que desenvolveram esses dois princípios antagônicos (?).
Um outro professor leciona economia moderna. Ele tem que recuar a Adam Smith e Karl Marx, explicar "A riqueza das nações" e "O capital" para os seus alunos entenderem as diferenças entre capitalismo e comunismo no tocante ao controle econômico sobre os meios de produção. Sem ao menos isso ninguém vai aprender ou entender coisa alguma.
Mais: essa necessidade de que o ensino abarque todo o espectro do conhecimento humano, vem desde antes de Aristóteles, envolvendo filosofia, sociologia e outras ciências ditas como tal.
Um dia, vendo um indivíduo arrotando ódio contra comunistas, que para ele eram todos os adversários de Jair Bolsonaro, perguntei o que diferenciava comunismo de capitalismo nos planos político e econômico. "Não importa - disse -. Os comunistas são todos bandidos!". Então resolvi tornar a coisa mais simples e perguntei qual era a diferença no tocante ao controle sobre os meios de produção. Resposta: "Não importa. Já disse que são todos bandidos."
Esse é o conhecimento médio hoje nas discussões acerca das mudanças que o Brasil sofreu no plano político com as últimas eleições. Acredito piamente que o Partido dos Trabalhadores cavou sua própria sepultura por seus erros, pecados contra a ética e a honestidade ao longo dos quase 14 anos em que esteve no poder. Mas também sei que os brasileiros foram levados a votar em Jair Bolsonaro protestando contra o PT. Já ouvi de inúmeras pessoas que o presidente eleito não era o candidato delas, mas que elas não votariam de forma alguma em Fernando Haddad por suas origens políticas.
Essa crença na "Escola sem Partido", que surgiu desde 2004 como um contraponto aos pensamentos de "esquerda" prega que os professores não devem falar de socialismo ou comunismo para não "direcionarem" as crenças políticas dos alunos. Mas no Terceiro Grau e em ciências sociais isso é impossível, a menos que seja intenção do atual governo e seus assessores diretos das mais diversas áreas que o ensino superior não cumpra suas finalidades mais elementares. Sim, porque aí teremos uma "Escola sem Sentido". E uma agressão aos princípios quase sagrados da Liberdade de Cátedra.
Nesse caso, será mesmo melhor meninos irem às aulas de azul e meninas,de rosa. 

2 de janeiro de 2019

Como uma freira...

Jair Bolsonaro (E) sobe a rampa com sua esposa, o vice e a mulher deste
O Brasil reatou relações diplomáticas com Cuba, ainda durante a ditadura e depois de haver cortado essas relações logo após 1964. Não havia mais razão lógica para a ruptura e os dois países sabiam disso. Fidel Castro também tinha a exata noção de que todo o cuidado era preciso. Então chamou ao Palácio seu mais brilhante diplomata, disse a ele que seria o embaixador no Brasil e que possuía experiência e conhecimentos para tal. Completou: "Comporte-se como uma freira".
Izidoro Malmierca, o diplomata cubano, veio para o Brasil, apresentou suas credenciais e fez de sua passagem por aqui um misto de competência e discrição como raramente se vê. Quando foi removido, o caminho estava sedimentado e a ditadura militar brasileira era sepultada.
Hoje, depois de Jair Bolsonaro tomar posse e pela enésima vez dizer que é modelo de honestidade, vale recordar essa história. Sim, porque modelos de honestidade correm para explicar tudo o que pode gerar dúvidas como, por exemplo,a história do motorista de um dos filhos flagrado com movimentação bancária inexplicável para seus ganhos e que, em vez de comparecer para prestar depoimento e se explicar, sumiu. Evaporou. Está muito doente! Mas não parecia quando deu uma entrevista a emissora "amiga" falando sem explicar nada. Vende carros? Quais vendeu, quanto gastou, quanto lucrou e que documentos tem para provar que os ingressos de dinheiro em suas contas bancárias aconteceram nos dias de depósito dos vencimentos dos membros do Poder Legislativo do Rio de Janeiro por mera coincidência? Mesmo que seja por muita, mas muita coincidência mesmo.
A reação dos apoiadores do novo presidente quando esses fatos são comentados é sempre a mesma: outros tiveram movimentações financeiras bem mais suspeitas e "ninguém fala nada". O COAF só se preocupou em denunciar um fato porque respinga sobre um dos filhos de Bolsonaro. E daí se é real? O responsável pelo COAF foi prontamente afastado. Por quê? Ora, nos outros casos os fatos inexplicáveis eram de corruptos, certo? Esse não; esse é dos paladinos da moralidade pública!
Jair Bolsonaro não é bobo de não saber que sua fama de incorruptível vai ser testada de agora em diante todos os dias, de todas as formas. A dele e as dos filhos e fieis escudeiros. Afinal, honestidade nesse caso é bandeira de campanha para quem pretende até livrar o Brasil do "jugo" do socialismo, isso em uma sociedade bem diferente da ditadura que ele apoiou por 21 anos e nega hoje.
Vou colaborar com Jair Bolsonaro. Agora que ele já subiu a rampa e não quer descer por ela antes do tempo, mire-se no exemplo do diplomata cubano. A situação pode ser inversa no tocante à ideologia política, mas não no que diz respeito aos cuidados com os tempos. É preciso que o governante se comporte como uma freira castíssima. E em um convento, de preferência
.