31 de julho de 2019

A Gazeta e a incompetência

Desde o final da manhã de 31 de julho o mundo jornalístico treme em Vitória: fundado em 1928, o jornal A Gazeta vai deixar de existir no Espírito Santo, ao menos como um matutino diário. Mas a longa agonia daquele que foi durante décadas o jornal mais vendido no Estado começou mais ou menos há 25 anos. E a crise foi se aprofundando, aprofundando até terminar como terminou no dia de hoje: um comunicado cheio de eufemismos diz que a empresa está se modernizando, se adaptando aos tempos. Deixando de existir...
Na prática, a debacle começou com um racha na família Lindenberg, que comanda a empresa, quando Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê, foi afastado da direção e substituído pelo filho Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Neto, o Café. A história desse terremoto familiar é longa e não caberia aqui nesse simples artigo.
E a entrada de Café no comando da empresa marcou o início da decadência dela. Nos áureos tempos o jornal chegou a vender 100 mil exemplares aos domingos, cinco vezes o que vendia A Tribuna. De erro em erro a diferença foi caindo, o concorrente ultrapassou o antes líder, nunca mais deixou a liderança E, no comunicado de hoje a direção admitiu que AG estava vendendo 10 mil exemplares/dia. Dez por cento do que vendeu no passado...
Reflexo do "roubo" de leitores por parte da internet? Nada. No começo da perda de prestígio, sobretudo depois da morte do diretor de redação Paulo Torre, a empresa passou a colecionar erros. Contratou seguidamente profissionais de outros estados - São Paulo, no caso - para a direção da redação, alguns incompetentes, promoveu várias "reformas gráficas", criou o ridículo "Notícia Agora", demitiu profissionais experientes para contratar substitutos a preço vil e só acordou para os enganos quando já era a segunda colocada em vendas.
Jornalismo é feito com os pés na cultura da terra onde o jornal é vendido. "Estrangeiros" que não entendem essa cultura jogam a publicação no buraco. A menos que eles queiram adotar a terra como sua, dá tudo errado. A Gazeta nunca entendeu uma verdade clara: ela foi derrotada pela competência de seu maior adversário e pelo fato de que deixou de ser A Gazeta. Ou seja, em linguagem simples o leitor já não via no que comprava ou assinava o jornal que ele havia aprendido a gostar. Simples assim.
Não vale a pena prosseguir. Isso dá matéria para dezenas de colunas. Por agora basta lamentar profundamente o que está acontecendo, saber que em breve não haverá mais jornal nem aos sábados e voltar a afirmar: aquela que foi a maior empresa de Comunicação do Espírito Santo perde seu jornal diário única e exclusivamente por incompetência. Mais nada.
Só para concluir; há espaço agora para um jornal diário sério no Espírito Santo.     

29 de julho de 2019

O desqualificado do Planalto

"Se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele".
A declaração acima parece ter sido dada por um desqualificado qualquer, desafeto do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz (na foto, à direita, abraçado ao ex-presidente Cláudio Lamachia). Mas não; foi dada pelo desqualificado que hoje ocupa a presidência da República, Jair Messias Bolsonaro, inconformado que está porque a OAB, cumprindo normais constitucionais, impediu que a Polícia Federal quebrasse o sigilo telefônico de um dos advogados do réu Adélio Bispo, autor do atentado a faca contra ele.
Parece piada de mau gosto. Hoje mesmo, depois de vomitar palavras  mais uma vez em entrevista e tentando atingir Santa Cruz, o presidente ainda referiu-se com desprezo contra os índios que, no ver dele, preferem ficar em seus zoológicos a se inserir na "civilização".
Jair Bolsonaro, o presidente autor do ataque, não respeita nada nem ninguém. O pai do presidente da OAB, Fernando Santa Cruz, desapareceu e foi assassinado aos 26 anos de idade pelo aparelho repressivo da ditadura militar brasileira. Até hoje não se sabe o destino do corpo, jamais devolvido aos familiares depois do suplício pelo qual passou. Ele fazia parte de um grupo político clandestino e que lutava contra os ditadores de plantão. Foi preso e assassinado no Rio de Janeiro.
O presidente diz conhecer o destino do morto por "vivência". Deve ser verdade. Um dos ídolos dele, Carlos Alberto Brilhante Ustra, já morto, foi oficial do Exército brasileiro e identificado como assassino e torturador já há muitos anos. Como ele, diversos outros terminaram desmascarados depois do final da ditadura. Bolsonaro os considera a todos como seus ídolos. Ele preserva essas tristes memórias que impedem que centenas de famílias tenham paz. Para ele a tortura e o assassinato de adversários e inimigos políticos deveriam ser instituições nacionais intocáveis.
O exercício de um cargo como a Presidência da República exige de seu ocupante ao menos compostura. Se possível, pudor. Nada disso o indivíduo eleito para ocupar o Palácio do Planalto em fins do ano passado tem. Nem tenta ter. Em diversas ocasiões era visível o desconforto de seu entorno nos momentos em que ele dava entrevistas desrespeitosas, agressivas, incapazes de honrar a posição ocupada. Ou então falando besteiras e dando risadas que chegam a parecer latidos de hienas.
O presidente do Brasil é uma tragédia. Pior de tudo é percebermos que os filhos, vozes atuantes quase todos os dias, talvez sejam ainda piores do que ele. Estamos no mato sem cachorro.   

22 de julho de 2019

O Batman bem pertinho..

"Notícia é fato de interesse público".
Essa definição é minha e a formulei durante os anos em que exerci funções jornalísticas em imprensa diária. Um estudante de Comunicação procurou-me certo dia na redação do jornal A Gazeta com uma incumbência de um seu professor. Eu teria de falar sobre o que é notícia. Botei a mão no queixo, pensei e defini em seis palavras. O rapaz me perguntou: "Só isso?". Eu disse: "Não, tudo isso." Em seguida perguntei a ele o que iria almoçar, houve resposta a complementei: "Isso não é notícia!"
Por esse motivo e mais uma carrada de outros, assusta-me o comportamento do cidadão que ocupa a presidência da República. Quando ele diz, questionando o presidente do INPE, que a divulgação de informes colhidos por imagens de satélite mostrando a devastação da Amazônica, que essa divulgação prejudica o País, está defendendo a ocultação dos resultados. Ou seja: fala que o brasileiro não tem o direito de ter acesso a informações de interesse público. A notícias.
O noticiário dos jornais de hoje fala também que Bolsonaro governa defendendo os interesses dos grupos que apoiaram quase incondicionalmente sua eleição. Os evangélicos estão entre eles, também a bancada da bala, policiais, militares, caminhoneiros e ruralistas. Esses últimos são os que devastam o ambiente. Portanto, a eles interessa a posição canhestra do presidente.
A notícia não é de ninguém em particular. É de todos. E quem vive no Brasil, trabalha, paga impostos escorchantes, enfrenta dificuldades em decorrência da crise sem fim pela qual passamos, tem o direito de acessar todas as informações de interesse público. O presidente pode até dar sua interpretação para essa ou aquela. Mas não tem o direito constitucional de censurar, de vetar o acesso a elas. E nem pode passar a vida fazendo acusações irresponsáveis àqueles com os quais não concorda como, por exemplo, o atual presidente do INPE.
Que provas tem Bolsonaro de que ele age a serviço de ONGs? E se tem tanto ódio de organizações não governamentais, por que não as ataca diretamente, sobretudo na Amazônia? Será que é porque uma parte delas é norte-americana? Um presidente tão "valente" não pode se recusar a ir à luta.
Figura tosca, sem um único mérito pessoal digno de nota, o atual governante "trabalha" olhando em frente, focando unicamente suas convicções pessoais, de seus familiares e dos grupelhos pouco qualificados que o apoiam. Não olha para trás, não consulta quem está fora de seu entorno.
Se fizesse isso poderia ver um Batman fantasmagórico bem pertinho, nas saídas às ruas.               

16 de julho de 2019

"Viés sem partido", a farsa

De todas as farsas que o governo de Jair Bolsonaro patrocina e tenta impor aos brasileiros, duas são inacreditáveis: o discurso de combate ao "viés ideológico" e a "escola sem partido". Nenhum deles sobrevive a uma contestação de estudante mediano de Primeiro Grau.
Bolsonaro tem várias fixações fruto de seu primarismo ideológico. Uma delas é tirar do Brasil e sobretudo dos órgãos públicos o que ele chama de "viés ideológico" com tonalidades vermelhas. Mas não diz que sua intenção não é acabar com a ideologia, posto que isso não é possível, mas substituir a, digamos atual, por outra de extrema direita. Ou seja, nazifascista.
Ele discursa, seus ministros mais intelectualmente pobres endossam essas falas, e todos agem como se a "intelligentsia" do Brasil se comportasse exatamente como a "burrutsia". Mas não é o que ocorre, lamentavelmente para eles todos. Cavaleiro de uma nova triste figura, pensamentos medievais, capacidade intelectual reduzidíssima, Bolsonaro leva seu obscurantismo político às últimas consequências e, com base nele, tenta destruir tudo o que pareça conter seus fantasmas vermelhos. O mais danoso certamente é a tentativa de destruição do meio ambiente brasileiro.
Outra falácia é a "escola sem partido". Ele discorda da autonomia existente nas universidades federais, sobretudo quando ela toca na liberdade de cátedra. Quer acabar com ela para que seus novos professores digam que jamais houve ditadura no Brasil, comunista come criancinha, a disciplina "educação moral e cívica" é fundamental, a ciência de nada vale e em cada pé de goiaba de cada universidade, sobretudo federal, olhando bem Deus aparece para você. Se você for de direita, claro.
A reforma da Previdência está sendo feita não apenas porque é necessária - e é -, mas também para privilegiar os mais ricos. Os poderosos. E ela já nos custa uma fortuna em barganhas e uso de dinheiro público para subornar políticos que se vendem a preço de ocasião. Tanto à esquerda quanto à direita.
Nós estamos num beco sem saída com esse governo, prezados!
E isso foi visto em toda a sua maior dimensão quando reacionários "bostonaristas" cercaram a FLIC  de Paraty para agredir com palavras e foguetes os que estavam lá, ao mesmo tempo em que eram cuspidas palavras de ordem pregadoras de violência e golpe de Estado.
É preciso denunciar. É necessário lutar contra isso tudo. O Brasil precisa acordar e ver que Eduardo Bolsonaro como embaixador do Brasil nos Estados Unidos está longe de ser o maior perigo a nos rondar hoje em dia. Na verdade, ele é apenas o mais grotesco dessa tragédia.