31 de março de 2024

Faz 60 anos... (7)

Na Rua Francisco Araújo daqueles tempos - 1964 incluído - um dos pontos de encontro do lugar era a sorveteria do Seu Zé Maria, que vinha a ser meu avô, o velho imigrante português de Trás os Montes que havia se casado com a baiana Almerinda Villela dos Santos. Inicialmente o lugar seria a garagem da casa, mas como o velho nunca teve carro, quando se aposentou do serviço público, ele montou a sorveteria lá. Meu pai mandou, de São Paulo, a primeira máquina de fazer picolés de Vitória. Era elétrica e trabalhava com as formas girando em salmoura. De lá saíram milhares de picolés, a maioria vendidos para as normalistas da Escola Normal D. Pedro II. Ali era o caminho delas. As meninas que vinham da região do Parque Moscoso, Cidade Alta e mesmo outros bairros como a Vila Rubim e Santo Antônio, passavam pela nossa casa. E era quase inevitável parar na sorveteria onde eu sempre estava sempre à espreita... Nos dias 1º e 2 de abril de 1964 foi a mesma coisa. E Seu Zé Maria, como sempre fazia, acordou cedo para preparar seus milhares de sorvetes. Melhor dizendo, picolés...

A cidade parecia calma então. Mas ontem como hoje... só parecia... Grupos políticos locais conspiravam uns contra os outros. O governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, era alvo da família Monteiro Lindenberg, agora dona do jornal A Gazeta. Eles acusavam o chefe do executivo de ser corrupto, ladrão - um velho expediente -, embora quem tivesse o apelido de "Papa Terra" fosse o senador Carlos Fernando Monteiro Lindenberg... A campanha só faria crescer até o dia em que, sentindo que seria cassado, o governador abreviaria seu suplicio e renunciaria ao mandato, voltando para sua fazenda no interior do Estado. O melhor caminho.

Era um clima pesado que a garotada do futebol não conhecia enquanto jogava bola em seu microcosmo da Rua Francisco Araújo, na quase inocente Cidade Ata. Quase, porque nas casas o reacionarismo travestido de conservadorismo iniciava seu movimento de apoio à ditadura, apontando os dedos para aqueles dos quais não gostava. O começo de um movimento dito de cunho político, mas que escondia por trás de suas vestes o ódio ao próximo e a vontade de lucrar com a nova situação política, a ditadura.  Ontem como hoje...

Nas redações de jornais isso era visível. Temeroso de que o jornalista Darly Santos, o Michey, titular de uma coluna de esportes no jornal A Gazeta viesse a ser preso - isso antes do episódio da ida dele ao quartel do Exército em Vila Velha -, o também jornalista e colunista social Hélio Dórea o chamou à sua sala. Darly foi. Hélio então jogou sobre a mesa um molho de chaves e disse: "São as chaves da minha casa em Guarapari, na Praia das Virtudes. Vá para lá e fique quieto até a tempestade passar". Incrédulo o velho Darly . disse: "Mas eu posso ser preso lá!". O colunista, por detrás de sua máquina de escrever, sorriu e disse: "A Polícia não vai procurar comunista na casa de Hélio Dórea!"

Desde aquela época ele era gente muito bacana!

30 de março de 2024

Faz 60 anos... (6)


No dia 1° de abril de 1964, isso eu saberia depois, a caça aos comunistas do Espírito Santo começou rapidamente. No jornal A Gazeta havia muitos jornalistas ligados a grupos de esquerda e a partidos comunistas, como eram os casos do PCB, o Partidão, e o PCdoB. Em A Tribuna também, mas o número era menor. Eles se tornaram alvos fáceis dos militares e civis ligados à ditadura muito rapidamente. Muita gente acabou perseguida desde o primeiro momento como foram, dentre outros, os muitos casos o jornalista Darly Santos e o músico Maurício de Oliveira. Darly ainda se escondeu por alguns dias na casa de praia de outro jornalista - vou contar esse episódio no artigo de amanhã -, mas depois retornou para enfrentar as feras de peito aberto. Maurício foi encontrado logo e detido. Ambos foram parar o 38º Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, e deram sorte de não serem alvo de torturas ferozes. Mas isso os marcou, embora até de forma hilária.

Um oficial, Darly não se lembrava da patente, ficou diante de ambos. "Você é comunista?", perguntou para o primeiro. "Não, sou jornalista", respondeu ele. "Você é comunista?", questionou o músico em seguida. Maurício gaguejava quando ficava nervoso, o que estava acontecendo naquele momento, e tentou responder de pronto: "Não, sou vio-vio-vio-lo-lo-nista!" Sabe-se lá porque motivo, mas os dois foram liberados logo em seguida. E isso se deu nos primeiros dias da ditadura, quando o nível de selvageria dos fascistas ainda não era tão grande.

Mas isso duraria pouco tempo. O fotógrafo Gildo Loyola Rodrigues, que trabalhava em A Gazeta, era militante comunista. Um dia chegava à pensão onde morava e foi preso. Os policiais que o interrogaram tinha nas mãos o quadro com o prato do dia para o almoço. Coisa como "arroz, feijão, bile, macarrão, salada". O policial perguntou a ele: "qual é a senha?" Gildo tentou desesperadamente dizer que aquilo era o que comeriam no dia. Não adiantou. Foi torturado para revelar a "senha". Depois, transferido para o Exército, em Vila Velha, seu suplício continuou. Ele chegou lá com um dedo machucado e seu verdugo, ao ver aquilo, disse: "Está dodói? Vamos resolver logo." Com o cabo do fuzil, praticamente esmagou o dedo do rapaz. Ele, que nunca n vida fez mal a ninguém, precisou de internação psiquiátrica para se recuperar do trauma das dores lancinantes.

Mas na tarde do dia 2 de abril a garotada da Rua Francisco Araújo foi jogar uma pelada na parte plana da rua, logo abaixo da outra, a Comandante Duarte Carneiro e ao lado da escadaria. Isso depois das aulas, pois lá os que não estudavam no Americano eram alunos do Colégio São Vicente de Paula ou então do Estadual, esse último público e situado no Forte São João. Não tínhamos ainda como acompanhar os fatos que se desenrolavam, a não ser por relatos de terceiros. Era melhor jogar futebol, mesmo tendo que descer a escadaria vez ou outra para pegar a bola na Rua General Osório. A gente ainda não tinha noção de que em muito breve os cartazes de denúncias contra a ditadura ocupariam as ruas de todo o Brasil (foto). Viriam as passeatas, as greves, outras formas de protesto, e o erro da resistência armada nas áreas rurais, em confronto com a ditadura.

Vivíamos um prelúdio! 

             

29 de março de 2024

Faz 60 anos... (5)

Vista aérea de Vitória em 1964, ano em que houve o golpe de Estado no Brasil. Triste ano! 

Para crianças e adolescentes a noite do dia 1º para o dia 2 de abril foi como outra qualquer. Para os adultos, não. Muita gente teve dificuldade para dormir por não entender exatamente o que acontecia. Ainda com o presidente João Goulart no Brasil a ditadura tomou sua primeira medida: investiu, de madrugada, Ranieri Mazzilli no cargo de presidente interino  onde ele ficaria 13 dias sem mandar em absolutamente nada, já que um triunvirato militar exercia o poder de fato. Estava sendo preparado o palco para a posse de Castelo Branco, o primeiro dos cinco presidentes que se revezariam no poder até 1985, quando o regime ditatorial, totalmente exaurido, se encerrou. No dia 2 de abril acordei cedo, fiz o que fazia todos os dias e depois de ouvir inúmeros conselhos da minha avó, fui para o colégio devidamente escoltado por Élia, a fiel empregada que atendeu à família por muitos anos.

No Colégio Americano os rituais de todos os dias foram seguidos. Os professores deram aulas, a cantina funcionou normalmente e havia por parte do corpo docente a preocupação de não se falar de política, sobretudo da deposição do presidente Goulart. Quem quisesse saber desse tipo de assunto deveria ouvir rádio, televisão e comprar jornais que tinham mais ou menos a mesma linha. Ou conversar com os pais. Meu avô chegaria em casa com o "Diário da Noite", do Rio de Janeiro, exemplar trazido por um amigo que chegou a Vitória de avião pela manhã, e a manchete dizia: "Decidiu o Congresso essa madrugada - Ranieri Mazzilli é o presidente" Todas as letras em caixa alta (maiúsculas). Esse jornal ficou anos lá na casa da família até que alguém sumiu com ele. Jogou fora.

A quase totalidade dos outros seguiu o mesmo caminho. Mas não todos. A história registra que três jornais defenderam o respeito à Constituição: "Última Hora", "A Noite" e "Diário Carioca", sendo que os dois últimos tinham poucos leitores. A revista "Fatos & Fotos" noticiou "A grande rebelião", tentando dar um verniz de imparcialidade ao noticiário. "O Cruzeiro", que chegaria à nossa casa, deu uma edição extra com "Edição Histórica da Revolução". E surgia assim o termo "Revolução" ligado ao golpe de Estado e que a imensa maioria dos meios de comunicação usou desde então, o mesmo acontecendo com os militares. "O Estado de S. Paulo" não perdeu tempo e noticiou: "Vitorioso o movimento democrático". Estava decidido que o governo Goulart era antidemocrático! Bebeu do próprio sangue: inconformado em ter censores na redação, o Estadão passou a se opor à ditadura, não substituía as matérias censuradas e no lugar delas colocava receitas culinárias ou poesias. Todo mundo sabia o que aquilo queria dizer. 

Eu, uma vez no colégio fiz o que sempre fazia todos os dias: vi as aulas com atenção, no recreio comi um sanduiche de mortadela e tomei um refresco de groselha (como gostava daquilo!), conversei muito com os amigos e mais uma vez não pude sair no intervalo. Estava no ginásio e sair do colégio entre as aulas - na maioria dos casos para fumar um cigarrinho - só era permitido aos alunos e alunas do científico. Coisas do velho Americano! E na saída do colégio, uma surpresa: meu avô foi me buscar para "escoltar" até em casa. Andava com seu passo apressado de sempre, praticamente me rebocando e pedindo para que eu me adiantasse. Queria me ver dentro da residência o mais depressa possível. À noite, juntamente com a TV, ouvimos um pouco de rádio e ele vaticinou: "O novo governo vai ser portador de um tempo de muita paz para o Brasil."

Ele nunca tinha sido bom de vaticínios!      

28 de março de 2024

Faz 60 anos... (4)


A noite de 1º de abril de 1964 foi de busca de informações para muita gente em Vitória e cidades do mesmo porte. Afora Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre (para onde o presidente João Goulart havia se deslocado para ficar junto ao governador Leonel Brizola e tentar a resistência) e outras metrópoles, poucos tinham informações precisas sobre o que acontecia no Brasil e particularmente em Brasília. Era preciso esperar pelo noticiário noturno das TVs já controladas pelo novo governo ou adesistas a ele, ou nas rádios que estavam na mesma toada. Os jornais, esses circulariam no dia seguinte ainda sem sensores nas redações mas já com "orientações" sobre como noticiar o movimento que havia "salvo" nossa frágil democracia.

A cidade, com o por do sol, ficou ainda mais vazia. A maioria das pessoas não obrigadas a trabalhar à noite, preferiu se recolher mais cedo. E isso porque naquele mesmo dia começava, por parte dos militares a para eles incansável busca dos "subversivos". Garoto, na época, eu não conhecia ninguém do gênero. Mas depois de adulto, trabalhando com jornalismo, acabei amigo de muitos dos que sobreviveram.       

Os jornais, por sinal, eram precários e impressos em máquinas chamadas rotoplanas, com péssima qualidade de impressão. Na época nem existia diagramação em Vitória. Diagramação que por aqui chegou pelas mãos do artista gráfico e chargista José Antônio Nunes do Couto, o Janc, trazido para cá pelo diretor de A Gazeta Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê, diretamente da Rio Gráfica e Editora (foto jornal de 1969). Diagramar era "desenhar" as páginas do jornal ainda na redação, numa reprodução das paginas chamado diagrama, colocando nelas todas as matérias, fotos, ilustrações, etc. Antes o que se fazia era descer tudo para oficina e lá, depois que os textos eram compostos, eles iam sendo colados nas páginas pelos gráficos. Quando o espaço era insuficiente, cortava-se o final das matérias e era colocado um "continua na página X". Ficava tudo cheio de "joelhos", mas era vida que segue... Por isso na época se dizia que pé de galinha e pé de matéria tinham sempre o mesmo destino, a faca ou tesoura. Então os repórteres concentravam o importante dos textos no início e deixavam o irrelevante para final. Os jornais de Vitória eram assim e não havia plantão para atualizar textos.

Sem informações precisas para obter e só com noticiário das TVs e rádios, vivemos do burburinho das conversas de rua com os vizinhos trocando impressões. A maioria, sem saber absolutamente em detalhes o que estava realmente acontecendo, achava que as autoridades estavam certas. Fui dormir naquela noite, assim como grande parte das pessoas de Vitória, sem ter um noção mais real do que se passava. Bom, porque muita gente não sabia de nada. Vovô e vovó tomaram a iniciativa de dizer que nos recolheríamos cedo. Mas antes uma informação ele tinha: haviam telefonado do Colégio Americano e dado uma boa notícia.

Ia haver aulas no dia 2 de abril!

27 de março de 2024

Faz 60 anos... (3)


Pode-se dizer que o dia 1º de abril de 1964 foi, por todos os ângulos, muito diferente dos outros, e já a partir do fato de que um golpe de Estado sem muitas explicações prontas, com dúvidas e medos, aconteceu justamente no dia dos mentirosos. Mas eu não tinha estrutura para pensar nisso naquele momento, em vésperas dos 14 anos, e voltei para a casa dos meus avós depois de passar pelas partes mais conhecidas do Centro de Vitória logo após o almoço. Deixando a Praça Oito de Setembro, em vez de ir em direção à Praça Costa Pereira (foto) andei pela Avenida Jerônimo Monteiro no sentido Parque Moscoso, passando por pontos que conhecia como as Lojas Helal Magazin, Casas Santa Terezinha e Hudersfield. Nessa última meu avô comprava, quando o dinheiro dava, os tecidos de seus ternos.

Em vez de subir a Escadaria Barbara Lindenberg, fui mais para baixo e entrei pela Rua General Osório. Ela me levaria à Escadaria Doutor Carlos Messina, de onde a gente às vezes tinha que descer correndo para pegar as bolas das peladas que eram desviadas durante os rachas na Rua Francisco Araújo. Passei pelos números 78, 92, 120 e 130, os prostíbulos da cidade e que rivalizavam com os da Volta de Caratoíra. Esses últimos não eram conhecidos pelos números, mas sim pelas cores ou acabamentos que ostentavam: Casa Branca, Casa Verde, Casa Caiada, etc.

Na porta de um dos prostíbulos da General Osório, sei lá eu hoje qual, uma das "primas" estava parada na porta vendo certa batida policial. Não, nada tinha a ver com o golpe de Estado que se desenvolvia no Brasil e que já havia afastado o presidente da República. Era só um bêbado que estava sendo colocado no "camburão". "Aprende a respeitar a Policia, safado", ouvi o policial dizer enquanto o empurrava para dentro do veículo e sapecava um tapa na cara do preso. Tão forte que o estalo pode ser ouvido à distância.

Na casa de vovô e vovó um "conselho de estado" estava formado. Meu tio Walter, um dos irmãos de mamãe, havia se reunindo com o pais e fui autorizado a participar das conversas. Ele, funcionário do Banco do Brasil, explicava com base em "fontes confiáveis" que um regime militar iria se formar para ajudar a salvar o Brasil do comunismo, mas que, mais uma vez segundo as fontes, essa intervenção se daria até as próximas eleições. Só isso, Um pequeno intervalo para tirar os contestadores e subversivos do raio de ação. Mas seria coisa pouca. insistiu meu tio respondendo a uma interrogação de vovó.

Sim, só duraria 21 anos...  

25 de março de 2024

Faz 60 anos... (2)


No 1º de abril de 1964 minha mãe, que morava em São Paulo juntamente com todo o restante da família, ligou para Vitória na hora do almoço, o que não era fácil. Queria saber de mim e conversei com ela rapidamente. Tive que ouvir o relato sobre um tal de "movimento democrático militar" que estava assumindo o poder no Brasil em lugar do "outro". Pediu-me para ficar em casa. Então almocei juntamente com meus avós - eram pais de mamãe - e fomos ver televisão. Nos velhos tubos de imagem que nos traziam o preto e branco cheio de chuviscos e sombras tomamos conhecimentos da deposição do presidente João Goulart no linguajar de justificativas que os militares já estavam controlando.

Ainda não se tinha a exata noção do que estava acontecendo, mas de boca em boca já se ouvia que o presidente não se encontrava mais em Brasília (estava a caminho do Rio Grande do Sul) e que logo um presidente interino (Paschoal Ranieri Mazzilli) assumiria a presidência (por 13 dias, até a posse de Humberto de Alencar Castelo Branco). Tudo era confuso, principalmente numa Vitória provinciana de meados da década de 1960. Meus velhos logo foram dormir a sesta de todos os dias e recomendaram a mim não sair de casa naquele dia. Saí tão logo eles dormiram.

Subi a rua Francisco Araújo passando ao lado do prédio da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e saí na lateral do Palácio, a que dá para a Praça João Clímaco e ao lado da casa da família Barbosa Leão, hoje pertencente à Academia Espírito-santense de Letras e chamada de Casa Kosciuszko Barbosa Leão. Aparentemente estava tudo calmo, apenas com uma quantidade de soldados bem maior que o normal para a segurança da sede do governo estadual.

O governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, não estava na rua. Consta que em seu gabinete palaciano. Poucos dias antes ele havia dado entrevista e dito que ficaria ao lado do presidente João Goulart para o que acontecesse. O que desse e viesse... Mas já eram dias perigosos! Segundo o anedotário de então, naquela manhã do golpe militar o comandante do 38º BI telefonou para ele. A conversa teria sido rápida: "Governador, fui incumbido de perguntar ao senhor de que lado está?". Ele respondeu de pronto: "Estou ao lado da Escola Normal!". A velha Escola Normal Dom Pedro II, de tanta saudade para mim...

Sentado em um dos bancos da praça, olhei para o prédio da Assembleia Legislativa ao lado e decidi andar em direção à Praça Oito de Setembro, descendo pela Escadaria Bárbara Lindenberg e dobrando à esquerda. Gostava muito de andar na região da Praça Oito (foto) para onde ia, dentre outras coisas sempre que precisava postar uma carta. Lá ao lado, na Avenida Jerônimo Monteiro, ficava a principal agência dos Correios.

Sim, era época de cartas...     

Faz 60 anos...(1)


Parecia um dia comum e todos estávamos em aulas naquela quarta-feira, até sermos chamados para ouvir o diretor do Colégio Americano de Vitória no auditório. Iam turmas grandes, uma a uma. O professor Alberto Stange Júnior, ar preocupado, disse rapidamente que o País estava vivendo um momento grave, de muita conturbação e, por precaução, as aulas daquele 1º de abril seriam suspensas. "Saiam agora da escola e todos para casa. Não fiquem nas ruas. Quem quiser pode usar o telefone e chamar os pais para virem buscar. Já há muitos parentes de automóvel por aqui. Vamos torcer para tudo dar certo".

Saí. Morava na casa dos meus avós quase ao lado do Palácio Anchieta, bem perto do Americano. Tudo no Centro de Vitória. Eles não tinham carro e eu sabia que voltaria a pé mesmo. Preferi passar pelo Parque Moscoso e vi que ele estava quase deserto naquele meio de semana. Uma falsa calma. Um veículo militar passou devagar e havia soldados armados olhando para os lados, como que procurando por alguma coisa "errada". Ao longo das horas eu veria muitos outros mais. Andei devagar e parei num ponto muito frequentado naquela época: o Bar Dominó. Estava com fome e naquele horário costumava lanchar na escola.

Hoje não me recordo mais o que pedi. Deve ter sido uma Coca-Cola e um misto quente. Sentei-me a uma das mesas do lado de fora, na calçada, e notei que os garçons estavam começando a fechar o bar. Um deles me fez sinal para comer logo o lanche e ir embora. Fiz isso. O que estaria acontecendo? É preciso entender que naquela época não havia celular, internet, nada disso. Os telefones eram pretos, de discar e ligações interurbanas tinham que ser feitas com a ajuda das telefonistas. Comecei a andar o trecho final.

Na lateral do Centro de Saúde, passei por um homem de meia idade, passo apressado, aparentemente indo para casa. "Ande logo, menino", disse ele. Eu apressei o passo e cruzei com um carro da Polícia Civil que também rodava bem devagar. Logo após a rua General Osório, subi a escadaria Doutor Carlos Messina (foto) e cheguei à Francisco Araújo, "rua de vovó". Ela estava na varanda, corpo debruçado para fora e me viu. Imediatamente fez sinal para que eu entrasse. Tudo aquilo era muito estranho para mim.

Meu avô havia saído sei lá eu o motivo e chegou em seguida dizendo que a cidade estava cheia de veículos militares e policiais. De onde eu estava era possível ver a então Escola Normal D. Pedro II e parte de uma das laterais do Palácio. Aparentemente estava tudo OK. Afinal, era um 1º de abril de 1964 e alguém deveria estar passando trotes.

Só que não!       

17 de março de 2024

Até quando, Bolsonaro?


- Até quando, Bolsonaro, abusarás da paciência nossa? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?

Assim mesmo, trazendo para o português a pergunta/denúncia em latim feita por Cícero a Catilina é permitido adequar aos dias de hoje os acontecimentos da Roma antiga. O denunciante havia descoberto que seu inimigo estava querendo dar um golpe através de um complô que previa vários assassinatos de autoridades romanas - cônsules - e um incêndio na cidade. Viram como o caso é próximo de nós? Então ele gritou: "Quosque tandem abutere, Catilina, pacientia nostra?" Corria o ano de 65 a.C. Cicero escreveu então suas célebres "Catilinárias" em resposta àquele que era acusado de trair a confiança do povo. Desde então o termo Catilina, antes apenas o nome do senador, ficou com o significado de temerário, amoral e outros, pela incapacidade para o cargo governativo a que se propunha Lucius Sergius Catilina e que morreria condenado três anos depois e numa rebelião promovida por ele. Esse é um episodio da vida humana que merece ser estudado com mais profundidade por todos os que se interessam em não reescrever a história. 

Mas estou me propondo agora a somente traçar paralelos. Bolsonaro, esse Catilina de triste figura, abusa da paciência de todos. Segundo juristas com os quais conversei, ele só não foi preso ainda porque é preciso que todo o procedimento jurídico seja respeitado, sobretudo com ele tendo amplo poder de defesa. Motivos para a prisão já há aos montes, mas tem que ser preservado o princípio do "devido processo legal" no qual se ancoram as leis. 

Só que nesse meio tempo o ex-presidente continua a conspirar. A atentar contra o Estado Democrático e de Direito. Não perde uma oportunidade sequer de falar em público, de viajar, arrotar valentia e, como fez ontem no Rio de Janeiro, dizer em público que não teme ser julgado, contanto o seja "por juiz isento". E o poder de julgar essa isenção é apenas dele e do gado que muje à sua passagem. Só que isso já ultrapassa a nossa paciência, a capacidade de suportar esse golpista e ditador de aldeia, esse projeto fracassado de chefe de Estado que decidiu não respeitar a Constituição do Brasil. 

Chega! Até quando? O ex-presidente brasileiro tem que ser contido, preso. Tem que passar muitos anos na prisão pagando pelo crime de ter tentado de todas as formas destruir a democracia brasileira tão arduamente construída entre 1964 e 1981 (foto). E é preciso lembrar: ela foi um projeto nosso, dos que hoje estão no poder tentando evitar a volta dele e dos fascistas que mantiveram a ditadura militar brasileira por 21 anos.                

9 de março de 2024

Os comícios de Lula


 A queda na popularidade do presidente Lula, medida essa semana por institutos de pesquisa sérios, deve ser motivo de apreensão. Mas, sobretudo, pode servir como parâmetro para que um novo norte de atuação do governo seja implementado e desenvolvido daqui para a frente. Parece claro, cristalino, que a comunicação dos últimos 15 meses está falhando e a oposição vai se aproveitar disso a cada dia mais e com maior força.

Os comícios de Lula, aqueles feitos no início da carreira política dele no ABC (foto) e que levaram à fundação do PT, ainda não desembarcaram da agenda do presidente. Ele saiu do sindicalismo, mas o sindicalismo não saiu dele e esse é um erro crasso. Nos dois primeiros mandatos do atual presidente como governante maior, o PT era visto como um símbolo da oposição à ditadura e ao presidente quase tudo era permitido. Uma espécie de "efeito teflon" manteve-o sempre com avaliação elevada. Mas hoje as coisas são muito diferentes. O PT não é mais símbolo de autoridade moral para milhares como era e o antipetismo surgiu como força no Brasil juntamente com o conservadorismo, o reacionarismo e o extremismo de direita puro e simples. Esse último é o perigo mais claro, mais pujante!

Quando assumiu o governo, Lula disse que não queria bajuladores, mas sim críticos de sua atuação. E como esse que aqui escreve torce pelo sucesso do governo para que a extrema direita não possa voltar, aqui vai uma contribuição sincera: Lula, saia do comício sindical! Desça desse palanque!  Ouça antes de falar, escreva antes de ter um discurso pronto e não fale de improviso. Noventa por cento de tudo o que você fala, Lula, é correto. Mas existe o modo exato de colocar as palavras, sobretudo em política internacional, sobretudo em reuniões de Estado, onde tudo, até mesmo uma tosse, vai repercutir.

A economia do Brasil está bem. Os projetos do governo que focam educação, saúde, inclusão social, apoio ao homem do campo e às atividades econômicas nas cidades é acertada. Há uma clara preocupação oficial para com o desenvolvimento nacional com justiça social e isso sempre faltou a nós. A oposição cria todos os obstáculos possíveis e imagináveis, mas isso já era esperado. Os chamados "evangélicos" formam um grande contingente de oposição, mas temos a exata noção de que esse bloco está nas "confissões" chamadas de neopentecostais e não nas religiões tradicionais. É a picaretagem travestida de religião quem impera nesse segmento e que quer ver o governo fracassar.

Se tudo isso é tão claro, voltar a subir nas pesquisas pode ser um trabalho de resultados positivos possíveis e talvez até rápidos. Basta corrigir o rumo. O brasileiro tem que conhecer mais as ações do Governo Lula. Falta comunicação, repito! O presidente precisa sempre agir e falar como estadista, tomando cuidado com os improvisos. Não pode aceitar provocações nem fazer bravatas em palanques. Esse tempo e o "efeito teflon" passaram. 

O tempo de mandato ainda é longo, mas o de correção de rumos urge. A extrema direita lambe os beiços de vontade de voltar. Ela se esconde nas trevas, nas redes de fake news, nas ações subterrâneas. Claro que isso pode e deve ser combatido sobretudo com processos judiciais e eles deveriam ser mais considerados hoje. Se ações como essa se somarem a um governo no rumo certo, Jair Bolsonaro e sua gang verão o mandato de Lula ser renovado ou quem vier a ser indicado por ele, eleito em 2026 para mais quatro ano no Planalto.

Mais do que isso: verão da cadeia.             

1 de março de 2024

Os novos nazistas atacam


Enquanto as forças armadas de Israel atacam os palestinos na Faixa de Gaza e promovem o maior massacre de que se tem notícia em tempos recentes, uma quantidade grande de pessoas teme denunciar governo de Israel para não sofrer acusações de antissemitismo. Bobagem. Esse termo é uma palavra moderna que serve para designar o ódio aos judeus e à sua cultura milenar. Isso não está em questão. O que se denuncia hoje é o crime de limpeza étnica cometido pelo governo israelense de extrema direita comandado por Benjamin Netanyahu e mais todos os novos nazistas que ele conseguiu reunir em seu "gabinete de guerra".

Esse governo ressuscita o antigo pensamento judaico que autoriza a morte de gentios, ou seja, não judeus e com base em princípios contidos na Torá, o livro sagrado do judaísmo e que contrapõe o Antigo com o Novo Testamento. Essa é raiz de todos os ódios nascidos, ainda segundo os textos religiosos, com a morte de Jesus, considerado um falso profeta e desprezado pelos judeus que não o têm como filho de Deus. Não pretendo entrar mais fundo nesse tema.

Se o leitor olhar bem a foto que ilustra meu texto vai ver a figura de um soldado israelense deitado no berço de uma criança palestina e, debochando dela, abraçado a um seu bichinho de pelúcia. O bebê havia sido morto, assim como milhares de outros desde que Israel invadiu a Faixa de Gaza como resposta ao ataque do Hamas em início de outubro último. Não apenas recém nascidos são mortos, mas também mulheres, idosos e demais civis palestinos que nada têm a ver com as atividades bélicas do Hamas.

E por que os soldados israelenses fazem isso? Porque desde jovens, sobretudo quando ingressam no serviço militar obrigatório de seu país, eles aprendem que os palestinos são pessoas frias, cruéis, a serviço do mal, da destruição da Grande Israel. Portanto, são gentios que não merecem viver. E esse pensamento é também compartilhado por boa parte da população civil de Israel, sobretudo e principalmente a parcela que adota como sua ideologia oficial o extremismo de direita, discricionário e fomentador de ódios.

Foi a extrema direta alemã ocupada pelo nazismo quem gerou o episódio hoje chamado de holocausto e que matou seis milhões de pessoas. Para o nazismo os principais seres inferiores eram os judeus, mas não apenas estes. Também o eram comunistas, deficientes físicos, deficientes mentais, negros, ciganos, homossexuais e todos aqueles que não comungavam totalmente com os valores arianos. Transportado para os dias atuais, esse pensamento é rigorosamente idêntico ao do extremismo político de Israel que mata palestinos. A intenção é a de elimina-los da face da terra ou pelo menos da região onde só deve ficar a Grande Israel! Afinal, como os governantes atuais do Estado Judeu dizem, palestino não é povo e apenas se constitui em um grande bando de animais.

Por isso os novos nazistas atacam. Eles não são diferentes em nada dos velhos nazistas!