26 de setembro de 2018

"Medalha Brilhante Ustra"


Lembro-me do fato como se fosse hoje e posso dar o nome porque a matéria jornalística foi publicada. O fotógrafo Gildo Loyola Rodrigues, do jornal A Gazeta, estava sentado à minha frente na sala que eu ocupava no Edifício Master Tower, na Enseada do Suá. Queria dele um depoimento - foi dado - sobre as torturas que sofreu durante a ditadura militar. Gildo chorou enquanto falava que as dores imensas o fizeram passar uma longa temporada em tratamento psiquiátrico fechado.
É até irônica a motivação da prisão e das torturas: ele fazia parte de uma organização "subversiva" sem jamais ter atirado em ninguém. Morava numa pensão e na parede da entrada estava sempre o menu do dia. Por exemplo: "Arroz, feijão, bife, batata frita e salada". Um dia a polícia entrou e o prendeu. Cartaz do menu nas mãos, o musculoso policial do DOPS queria saber qual era a "senha". Gildo passou o diabo na Polícia e no Exército. Sobreviveu.
Então, quando vejo pessoas que prezo dando apoio à campanha do candidato Jair Bolsonaro - prefiro chamar de Bolsonazi -, fico me perguntando se a aversão aos desmandos do PT, realmente imensos, pode justificar uma opção que abraça torturadores do regime militar brasileiro, esse estuprador da democracia no Brasil. Não, não pode justificar.
Gildo, hoje aposentado, jamais votaria nesse elemento. Talvez também não no PT, acredito. E sei que ele sentiu aversão ao nosso momento político ao ouvir discurso de Bolsonazi na Câmara dos Deputados e no qual este fazia elogios ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar membro do CODI/DOI durante o regime militar. DOI quer dizer Departamento de Operações Internas e a sigla foi mantida para deixar claro que provocava dor demais.
Bolsonaro jamais deixou de dizer que admite tortura. Gosta disso. Seus filhos, farinha do mesmo saco, seguiram caminho idêntico. Agora mesmo uma revista de circulação nacional mostra um deles, de nome Carlos, publicando foto de simulação de tortura com saco plástico sobre a cabeça (imagem menor logo abaixo) e diferente dessa que é publicada maior, acima, e mostra o "pau-de-arara".
A tortura humilha muito mais o torturador que o torturado. E a violência dessa gente só se corporifica contra mulheres e homens indefesos. Homúnculos que são, não têm coragem de lutar mano a mano, em campo aberto, contra aqueles que consideram inferiores. Eu os enfrentaria. São covardes mesmo. Sugiro que o candidato atualmente liderando as pesquisas para a presidência da República proponha ao Congresso a criação da "Medalha Brilhante Ustra" para premiar todos os torturadores e seus apoiadores. Sugiro também que tal medalha tenha em sua face a imagem de um torturado sujo de sangue com saco plástico cobrindo a cabeça.
A homenagem cairia como uma luva.
Não sei se consegui explicar às pessoas que admiro porque jamais votarei no capitão candidato. E isso apesar de sentir grande aversão pelo PT e seus desmandos. 

15 de setembro de 2018

A nossa herança maldita

Bolsonaro deputado, qual um inconsequente, brinca de dar tidos nos outros. Mesmo levando uma facada continua o mesmo
"Eu vou votar nele. Ele é tosco, é grosseiro, não tem conteúdo, está longe de ser o candidato ideal, o democrata, mas é a única chance que nós temos de tirar os "comunistas" do poder".
Esse pensamento, um pouco diferente nesse ou naquele enfoque, é o que mais ouço quando pergunto às pessoas que conheço sobre o motivo que as leva a escolher o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro como sua opção de voto para a presidência da República do Brasil. A grande maioria sabe que a aventura pode terminar mal. Mas tirar os "comunistas" do caminho é prioridade.
De onde vem isso? Simples: vem desde o início de 2003, quando Lula passou a exercer seu  primeiro mandato de presidente da República. Depois veio o segundo, depois veio Dilma Rousseff, depois chegou o impeachment da "ilibada" e, no rabo de cometa disso tudo, a maior coleção de escândalos ligados a dinheiro público da história doas Brasil. A nossa herança maldita.
Não foi só o PT quem roubou. Mas ele estava no poder e tudo - ou quase tudo - foi debitado na conta dele. Estavam nas falcatruas o PSDB, o PMDB (ou MDB agora), o PP, o PR, o PTB, enfim, uma grande quantidade de partidos políticos adesistas, sempre ocupando lugares, exigindo cargos e ministérios para apoiar o governo. Quaisquer governos, contanto haja butim.
Lembro-me da época da ditadura militar. Meu partido político de então, o PCB, sabiamente não aderiu à luta armada. Guerreávamos os ditadores solapando o regime de exceção. Todos encastelados no velho MDB, lutador de primeira hora contra o estupro da democracia brasileira, lá estavam os militantes do velho Partidão enfrentando o desmonte do Estado brasileiro. Isso em uma época em que não se podia sequer sonhar em denunciar a corrupção dos chefes militares. E ela existia em larga escalada, atingindo grande parte da estrutura de poder montada.
Quando veio a anistia - forma encontrada pelo Brasil para deixar os militares impunes - vi a chegada dos exilados políticos. E quando eles tomaram força, uniram-se ao Partido dos Trabalhadores, associaram-se a Lula e começaram a disputar a presidência da República, eu estava ao lado deles. Afinal, eram os idealistas retornando. Ledo engano. Logo os honestos saíram e os traidores da pátria e dos ideais que sempre carregamos conosco passaram a assaltar o Estado.
Nunca se roubou tanto, nunca se cometeu tanta desfaçatez. E a fama de ladrões colou como cola instantânea em todos os que estavam no poder. Por consequência e graças à ignorância política do brasileiro, em todos os que eram ou são de esquerda. O nome "comunista" passou a identificar aqueles que não representam o extremismo de direita, perigoso e corporificado por Bolsonaro.
E agora, José?
As eleições estão chegando. Candidatos que não representam as extremidades do espectro político atual parecem sem forças. Mesmo ferido a faca, o "Bolsonazi" que adora se mostrar como se estivesse atirando de revólver ou fuzil mantém a dianteira nas pesquisas. E Fernando Haddad, o poste de um Lula preso aos poucos sobe nas pesquisas graças ao prestígio que o chefe ainda detém. Como consequência de nossa ignorância política, é possível que ambos cheguem ao segundo turno da disputa presidencial nas eleições marcadas para o mês que vem.
Eis o grama maior do Brasil: se isso se corporificar, para onde quer que se olhar haverá um abismo à frente, um buraco a cair. Não ouso arriscar as consequências.           

4 de setembro de 2018

Museus não dão votos. Esse é o Brasil.

É tão grande a perda com o incêndio do Museu Nacional que ela não pode ser mensurada. O impacto da destruição daquele acervo de 20 milhões de itens chocou tão profundamente as pessoas que muitas até agora estão em estado de choque. O fato ocorrido domingo repercutiu no mundo todo. O pasmo é total. Até o presidente de Portugal, constrangido, falou sobre o assunto. Afinal, muito do que havia lá tem origem nos cuidados culturais que Dom João VI sempre demonstrou.
Agora notem: o Ministério da Cultura passou todos os anos que viveu desde a sua criação patrocinando shows de artistas famosos. Muito do nosso dinheiro foi gasto com espetáculos de grupos internacionais. Durante os governos Lula e Dilma o BNDES patrocinou uma verdadeira orgia de gastos de recursos públicos destinando-os a obras realizadas em países estrangeiros e cujo retorno nunca se dará. Foi tudo entregue a fundo perdido por razões demagógicas aos amigos e aos "pobres". A cultura do Brasil, que é expressa em museus, universidades e outros, jamais foi levada em consideração.
Político adora shows em palanques, sobretudo em épocas de campanha eleitoral. Isso dá voto. E na maioria esmagadora das vezes os preços são superfaturados para que uma parte deles entre no bolso do promotor do evento. Sempre foi assim. Só esse ano, com a nova legislação, a prática está sendo mais ou menos contida.
Que autoridades da República foram até agora à Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, para ver o resultado da tragédia anunciada? Ao que parece só o presidente do IPHAM. Nenhum ministro, nenhum deputado federal, nenhum senador, nenhuma outra autoridade de relevância (será que ainda existe isso no Brasil?) esteve presente ao triste espetáculo da morte anunciada do nosso maior patrimônio cultural. Minto; ao que parece o prefeito do Rio, um "bispo" passou lá para dizer que essas coisas acontecem. Uma riqueza com mais de 200 anos de idade se perdeu sem que os responsáveis pelos destinos do Brasil saíssem de suas tocas mal cheirosas.
Aliás, na festa dos 200 anos do Museu Nacional, não havia lá autoridades de primeiro escalão da República. O presidente Temer, como sempre, estava ocupado com a política rasteira, desonesta, que marca seu governo. Estava lutando para sobreviver. Museu? Isso para ele não importa.
Somos órfãos no nosso País do qual ninguém cuida. As preocupações daqueles que dirigem o Estado passam longe do patrimônio cultural de valor inestimável que nós deixamos ser destruído todos os dias, todas as horas, diante de nossos olhos perplexos. Diante de nossa impassividade.
O Museu Nacional foi consumido pelo fogo porque museus não dão votos. E esse é o Brasil.