31 de maio de 2023

Lula e a munição dos inimigos


Não tem jeito: é só ficar distraído e o presidente Lula fala de improviso. Então comete erros que muito bem poderiam ter sido evitados. Refiro-me aos atos conjuntos com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que esteve em Brasília para a cúpula da América do Sul (foto). Ao chamar o visitante de democrata e as críticas a ele dirigidas de "narrativas", o mandatário brasileiro não cometeu apenas uma gafe; ele agrediu a verdade dos fatos, coisa que pode ser facilmente comprovada.

Não teve o menor cabimento receber Maduro no Itamarati separadamente e antes dos demais representantes continentais. Isso foi notado, criticado e causou muito mal estar. O presidente uruguaio Luís Alberto Lacalle Pou questionou as declarações de Lula sobre a "democracia" venezuelana. O mesmo fez o chefe de Estado do Chile, Gabriel Boric, por sinal um socialista. Este falou que a situação dos venezuelanos exilados em território chileno mostra que não falta apenas comida naquele país. Falta sobretudo e principalmente respeito aos direitos humanos. No Brasil também há uma legião de fugidos da Venezuela. Todos famintos. Todos carentes de democracia.

Lula ainda cometeu um novo erro no dia seguinte ao tentar justificar suas declarações de véspera chamando de "narrativas" as críticas ao venezuelano e reafirmando declarações dadas. É bom lutar na vida; é bom defender posições e mantê-las contra adversários. Mas jamais se deve agredir os fatos. Não é possível acreditar que divulgando afirmações falsas, visões obtusas de determinadas situações, um presidente conseguirá construir respeito e admiração, por mais que represente uma guinada política, uma esperança de melhora, uma garantia de sobrevivência da democracia após um governo golpista. 

Lula tem uma importância ímpar. Foi eleito três vezes para a presidência, fato inédito na vida do Brasil republicano, ainda elegeu duas vezes uma sucessora e hoje tem a cara da reação ao golpismo, à ditadura militar que nos infelicitou durante 21 anos na última vez que mostrou as garras. Seu antecessor defende uma "liberdade" que é, essa sim, narrativa falsa. O presidente atual não tem sequer o direito de jogar esse momento no lixo da história. Seu governo tem inimigos em cada esquina e enfrenta um Legislativo formado em grande parte de canalhas voltados à destruição dele e do Estado Democrático e de Direito.

Não coloque munição na artilharia dessa gentalha, Lula.              

29 de maio de 2023

O STF é o caminho

É possível dizer hoje, sem o risco de errar, que a oposição ao governo eleito no ano passado e empossado no primeiro dia desse ano está jogando na aposta do caos. Há uma diferença não muito sutil entre se opor e fazer sabotagem. Quem se opõe respeita os limites legais; quem faz sabotagem, não.

Vamos usar aqui agora somente um argumento, dos inúmeros que há. Os ministérios das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara estão sofrendo uma tentativa de esvaziamento total por parte dos grupos oposicionistas de direita e extrema direita. Eles são comandados à distância pelo ex-presidente derrotado nas últimas eleições e por setores que o apoiam e a esses parlamentares, sobretudo e principalmente gente do campo e ligada ao que se convenciona chamar hoje de "Agro". Há grupos extremistas perigosos entre a gente graúda desse setor que inclusive apoia e financia qualquer tentativa de golpe de Estado passada, presente e futura.

Vejamos o que diz a Constituição em trechos de seu artigo 84: "Compete privativamente ao Presidente de República: VI - dispor mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos..." e vai por aí. Portanto, tem o Presidente da República o direito de montar seu ministério da forma como o achar ideal, sem ser desautorizado pelo Congresso.

Ora, e por que o presidente aceita aparentemente de forma passiva essa intromissão, da mesma forma como não se insurge contra outras receitas de sabotagem? Porque ele teme que, levada às últimas consequências, a oposição visceral possa criar mais uma série de outros obstáculos visando destruir o Estado Democrático e de Direito. O risco existe. Por exemplo, se a reforma ministerial não for aprovada e o Brasil parar por ter que voltar ao modelo que havia no último mandato. E esse é apenas um dos riscos maiores na ação desses "patriotas". 

Por isso o presidente negocia. Por isso ele entrega todos os seus anéis para tentar salvar os nove dedos que lhe restam. Como tem fama de negociador, talvez consiga atravessar a tempestade e seguir em frente com o modelo de Estado que escolheu eleito pelo povo brasileiro. Caso contrário as questões vão desaguar novamente do Supremo Tribunal Federal que intervirá e determinará a prevalência da Constituição. Afinal, ele existe para essa tarefa.                  

25 de maio de 2023

O Brasil fisiologista

Houve uma época em que os partidos políticos brasileiros tinham ideologia. Cada um representava uma corrente de pensamento e a defendia. Com o golpe de Estado de 1964 esse modelo enfraqueceu e aos poucos foi desaparecendo. Isso atingiu até mesmo agremiações que levavam a ideologia no nome como o PCB e o PCdoB, sendo do que o primeiro já mudou a sigla duas vezes e hoje é um irreconhecível Cidadania onde cabem todos. O mesmo ocorreu com o PSDB e outros partidos, como o "Socialista". Até mesmo aqueles que tinham vínculos diretos com a ditadura tentaram ficar mais palatáveis como é o caso do Partido Progressista. E por detrás disso há um fator: dinheiro.

Dentre a montanha mudanças pelas quais a política brasileira passou nos últimos tempos está uma excrecência chamada "orçamento secreto". Ele foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal, mas continua a valer fantasiado de outros nomes. Não à toa o todo poderoso presidente da Câmara Federal, Arthur Lyra, disse em mais de uma oportunidade que ele veio para ficar. Talvez não no nome, mas no simbolismo. E a cada dia que passa cresce ainda mais a voracidade com que deputados e senadores avançam sobre o dinheiro dos nossos impostos. Pode-se dizer que em grande parte dos casos para jogar esses recursos no ralo em busca de votos. O objetivo de agora são as eleições municipais de 2024.

Foi-se o tempo da UDN e PSB, passou a época em  que as siglas comunistas eram colocadas na ilegalidade e nos dias de hoje até mesmo nas câmaras de vereadores o avanço sobre o dinheiro dos impostos do cidadão é feito da maneira mais descarada possível. O apoio às prefeituras custa liberação de verbas para obras paroquiais, contratação de apaniguados para cargos públicos onde eles possam ter visibilidade com vistas às próximas eleições e isso quando a corrupção não é mais explícita como a que envolve aquisição de ambulâncias, tratores e outros equipamentos que não raro jamais chegam aos locais de destino para servir ao interesse público. Aliás, o interesse publico faleceu.

Até onde vai isso? Hoje seria impossível antever o final dessa bacanal. Mas ela precisa ter um fim e terá certamente porque não há fosso sem fundo e a população desse país reagirá exigindo nas urnas o respeito aos direitos do cidadão. Só vamos torcer para que isso aconteça sem derramamento de sangue.        

20 de maio de 2023

Bolsa rito de passagem


O programa Bolsa Família, do governo federal, só tem sentido se for um rito de passagem para a vida dos milhões de miseráveis do Brasil que tiveram sua situação financeira agravada nos últimos quatro anos de desgoverno. E para que isso ocorra a atual gestão precisa fazer acontecer rapidamente um plano nacional de emprego e renda aliado a outro de capacitação profissional visando à reinserção desse imenso contingente de pessoas no mercado de trabalho brasileiro, seja público, seja privado.

Os ritos de passagem, termo com forte apelo sociológico, são fases, etapas da vida de todas as pessoas como as celebrações diversas que nos acompanham: nascimento, estudo, primeira comunhão, casamento, trabalho, morte. Talvez o principal seja o que marca a passagem para a vida adulta. Podemos acrescentar a essa lista, no campo da formação profissional e do trabalho, o retorno à vida produtiva depois de uma etapa à míngua. Só o trabalho dignifica o homem e um país não pode conviver com a realidade eterna de uma população que trabalha para sustentar outra sem atividade produtiva.

Há um desvirtuamento na discussão do bolsa família dos dias atuais. O valor mínimo capaz de sustentar as pessoas com um tiquinho de dignidade foi alcançado já como recurso extremo para a economia. Pensar agora em décimo terceiro salário, férias e outras coisas é um despropósito. Esses dispositivos, como também fundo de garantia e auxílios diversos são ligados às relações de trabalho e não a auxílio emergencial. Confundir as coisas será muito ruim. E elaborar projetos de apoio a emprego, renda e capacitação profissional vai custar bem menos caro. Certamente com retorno muito maior.

Sonhar com um Brasil de desemprego zero, que não tenha baixa renda nem miséria seria utópico. Mas não o é pensarmos num país voltado ao reingresso das pessoas no mercado produtivo. Duvido que um plano nacional com esse foco não venha a contar com o apoio da iniciativa privada, ao menos daquela mais lúcida e voltada a olhar o país como um projeto de desenvolvimento sustentável. O Brasil não pode ser para sempre o "país do futuro"; este tem que chegar no presente.  

Vamos imaginar o Bolsa Família como um rito de passagem. Ele só tem sentido assim.             

17 de maio de 2023

Deltan em busca de conforto


Jurei a mim mesmo que não me surpreenderia com mais nada nesse nosso País. Mas hoje, faz muito pouco tempo, cheguei a ficar rubro de inconformismo ao ver o discurso do cassado deputado federal Deltan Dallagnol (foto) que protestava contra a cassação de seu mandato pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cercado de asseclas (ou companheiros de partido...) ele disparou contra o Judiciário, contra o governo, disse que combatia a corrupção, citou até Martin Luther King e disse que mesmo fora da Câmara dos Deputados vai continuar lutando pela nossa liberdade. E de todos os brasileiros.

É muito confortável a posição de vítima, mesmo quando esta não passa de um engodo.

Dallagnol sabe que a vontade expressa nas urnas pelo povo do Paraná não foi violentada. Sabe que ele, sim, tentou passar por cima das leis quando se candidatou e se elegeu como deputado federal. Era investigado e não poderia ocupar cargo público algum. Foi eleito, sim. Mas quando houve uma denúncia formal e o TSE teve que julgar a questão e ele FOI CASSADO POR UNANIMIDADE. Não há, portanto, como se falar em quebra da normalidade democrática e em ataque às liberdades consagradas em nossa Constituição. Ela continua soberana.

Aliás, vamos parar para pensar. Esse agora ex-deputado fazia parte de um grupo político capitaneado por um ex-capitão literalmente expulso do Exército e que se jactava falando em adorar a ditadura militar brasileira. Em diversas ocasiões elogiou publicamente ditadores de extrema direita. Falou a favor da tortura e de torturadores. Queria exterminar os indígenas brasileiros. Colocou idiotas como o general Pazuello na direção de ministérios. Milhares de brasileiros morreram graças à omissão  criminosa do governo federal que antecedeu o atual. Hoje o ex-presidente responde a diversos processos e pode vir a ser preso por ter cometido vários crimes que são sinônimo de corrução.

Que desgraça de liberdade é essa que esse senhor defende? Que arauto do combate à corrupção é esse sujeito que fez parte de golpe judicial perpetrado para tirar de uma eleição presidencial o candidato que a venceria? O que ele fazia no Congresso enquanto uma tentativa de golpe de Estado era parida a fórceps às escuras, nos esgotos do grupo político que ele diz representar?

Não, ele não vai usar por muito tempo o conforto de tentar ser vítima.     

13 de maio de 2023

"Podres Poderes"

Página de abertura de Placar que denunciou os "Podres Poderes"

Não importa a modalidade: esporte depende de credibilidade. Para que ele faça sucesso é preciso os torcedores acreditarem que as pessoas no campo, na quadra, no ringue ou em qualquer outra arena estão jogando com seriedade e fazendo de tudo para derrotar os adversários. Senão vira "telecach", uma comédia pastelão que fez grande sucesso faz cerca de 50 anos, mas era de mentirinha. Tanto que um dia um jornal fez matéria sobre a "modalidade" e a imagem dentro das cordas do ringue era uma imensa marmelada. Se acontecer de se tornar isso, o futebol brasileiro, hoje já mal das pernas, vai falir. 

Na década de 1980, mais precisamente em 1985, a revista Placar investiu pesado numa matéria especial que nasceu da desconfiança de dois jornalistas, Milton Coelho da Graça (morto recentemente) e Juca Kfouri. Eles achavam que estava havendo coincidências demais em certos resultados de jogos da Loteria Esportiva em diversos campeonatos brasileiros. Escalaram o repórter especial Marcelo Rezende para percorrer o Brasil atrás de provas de ilícitos. Marcelo, que morreu em 2017, correu vários estados. Eu era o correspondente de Placar no Espírito Santo à época e o ajudei muito aqui. Descobrimos dois goleiros, de Rio Branco e Desportiva, que se vendiam. E também o esquema em funcionamento na Federação de Futebol, então com uma presidência não séria. Com o título de "Podres Poderes" o esquema da então chamada "Máfia da Loteria Esportiva" foi denunciado e aparentemente extinto. Mas eis que não!

Naquela época da primeira denúncia, a de Placar, a Loteria Esportiva fazia muito sucesso. Esse tempo passou. Agora as apostas de futebol são feitas pela internet e o esquema está voltando. Novamente com jogadores e árbitros desonestos sendo comprados da mesma forma e muito dinheiro sujo circulando pelo universo do futebol. Por ocasião da "Máfia da Loteria" o maior perigo eram os jogadores de clubes pequenos e em final de carreira. Já não tinham mais perspectivas pela frente. Hoje a maioria deve ter o mesmo perfil, mas alguns atletas de maior prestígio estão certamente aderindo ao esquema que permite ganhar dinheiro fácil à custa da boa fé dos torcedores. E da destruição do esporte.

É preciso combater isso. De todas as formas e em nome da grandiosidade que as várias atividades têm. Sem um combate efetivo essa pústula passa do futebol a outras modalidades e destrói todas elas. Na época da "Máfia da Loteria" ainda não tínhamos a internet e todo mundo sabia que Ted Boy Marino e outros do "telecach" eram artistas circenses. Eles não escondiam isso. Agora, não. Com o advento da internet e redes sociais essas quadrilhas vão destruir o esporte como quase fizeram com o futebol há cerca de 40 anos.          

3 de maio de 2023

Um Tenório de triste figura


Vira e volta um personagem do Brasil atual nos remete ao passado não tão remoto assim. Hoje mesmo, por obra e graça do ex-presidente Bolsonaro a cidade de Duque de Caxias voltou às manchetes. Desta feita não por algum feito que relembre diretamente a figura de Tenório Cavalcanti, o político da capa preta e dono da Lurdinha, mas sim porque continua sendo um reduto de crimes e criminosos.

Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque, para quem não o conheceu, era advogado e politico fluminense com área de atuação em Duque de Caxias. Vivia para cima e para baixo carregando sua metralhadora que chamava de Lurdinha (foto). Era violento, usava uma inconfundível capa preta e por muitos foi considerado o criador das milícias no Brasil. Coincidência? Até hoje não se sabe quantos crimes ele realmente cometeu, posto que deve ter mandado matar mais do que matou, mas sua fama era imensa. Desgraçadamente, deixou em Duque de Caxias a mancha de município violento e corrupto. Agora, com o escândalo dos cartões falsos de vacina do entorno de Bolsonaro ele emerge das sombras.

O ex-presidente brasileiro é um caso patológico de mentiroso compulsivo. Daqueles que mentem acreditando que as mentiras sejam verdades. E também está se tornando um ator amador de péssima qualidade. Não à toa, quando presidente debochava da emotividade das pessoas chamando-as de frouxas e outros termos mais, mas agora, depois de perder a reeleição que tentava, se derrama com lágrimas de crocodilo em todas as ocasiões em que se coloca em dificuldades e tem uma câmara pela frente. Um pulha.

É triste termos tido um presidente da República capaz de tantos atos espúrios. Até mesmo de falsificar atestados de vacina porque enfiou na cabeça que esse medicamento causa o mal e não o bem a quem o usa. Até viagem internacional o sujeito fez munido de documento fraudado. Felizmente para nós sua carreira está chegando ao fim. Cadáver político insepulto, ele logo deverá estar numa cela de prisão. Esse é o lugar ideal para o Tenório de triste figura dos tempos atuais.