Não tem jeito: é só ficar distraído e o presidente Lula fala de improviso. Então comete erros que muito bem poderiam ter sido evitados. Refiro-me aos atos conjuntos com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que esteve em Brasília para a cúpula da América do Sul (foto). Ao chamar o visitante de democrata e as críticas a ele dirigidas de "narrativas", o mandatário brasileiro não cometeu apenas uma gafe; ele agrediu a verdade dos fatos, coisa que pode ser facilmente comprovada.
Não teve o menor cabimento receber Maduro no Itamarati separadamente e antes dos demais representantes continentais. Isso foi notado, criticado e causou muito mal estar. O presidente uruguaio Luís Alberto Lacalle Pou questionou as declarações de Lula sobre a "democracia" venezuelana. O mesmo fez o chefe de Estado do Chile, Gabriel Boric, por sinal um socialista. Este falou que a situação dos venezuelanos exilados em território chileno mostra que não falta apenas comida naquele país. Falta sobretudo e principalmente respeito aos direitos humanos. No Brasil também há uma legião de fugidos da Venezuela. Todos famintos. Todos carentes de democracia.
Lula ainda cometeu um novo erro no dia seguinte ao tentar justificar suas declarações de véspera chamando de "narrativas" as críticas ao venezuelano e reafirmando declarações dadas. É bom lutar na vida; é bom defender posições e mantê-las contra adversários. Mas jamais se deve agredir os fatos. Não é possível acreditar que divulgando afirmações falsas, visões obtusas de determinadas situações, um presidente conseguirá construir respeito e admiração, por mais que represente uma guinada política, uma esperança de melhora, uma garantia de sobrevivência da democracia após um governo golpista.
Lula tem uma importância ímpar. Foi eleito três vezes para a presidência, fato inédito na vida do Brasil republicano, ainda elegeu duas vezes uma sucessora e hoje tem a cara da reação ao golpismo, à ditadura militar que nos infelicitou durante 21 anos na última vez que mostrou as garras. Seu antecessor defende uma "liberdade" que é, essa sim, narrativa falsa. O presidente atual não tem sequer o direito de jogar esse momento no lixo da história. Seu governo tem inimigos em cada esquina e enfrenta um Legislativo formado em grande parte de canalhas voltados à destruição dele e do Estado Democrático e de Direito.
Não coloque munição na artilharia dessa gentalha, Lula.