20 de julho de 2023

Gargantas profundas

O filme "Garganta profunda", um pornô norte-americano de grande sucesso, foi lançado em 1972. Todo mundo queria ver aquele clássico do boquete, embora esse termo ainda não fosse usado em lugar nenhum. Eu era um deles. E vi. Mas pouco tempo depois o filme de apenas 25 mil dólares de orçamento foi suplantado por outros do mesmo gênero e com produções mais ambiciosas, o que é normal nesse tipo de "entretenimento". Mas o nome ficou. E hoje, coberto de motivos, volto a usá-lo como indicativo do Centrão, o grupo de parlamentares da foto, de "direita" e que tem e comum a goela imensa, capaz de abocanhar o que vier ela frente, principalmente se der bons resultados eleitorais.

É isso o que acontece agora. Pressionado pela necessidade de fazer passar no Congresso uma pauta sua e que justifica o governo iniciado faz pouco mais de seis meses, o presidente Lula tem que ceder espaço na Esplanada dos ministérios a esse grupo que é formado desde ruralistas, passando por evangélicos, direitistas de carteirinha e canalhas das mais diversas matizes. Há um risco nisso: o de quanto mais o presidente ceder, mais o Centrão querer. E ele não se faz de rogado; se os cargos não saírem as votações dos projetos caros ao governo serão derrotadas. Sem choro nem vela.

Não pensem em patriotismo ou nada parecido. O Centrão quer é voto nas próximas eleições.

Muita gente fala sobre esse assunto tentando justificar o injustificável: seria a governança de coalizão ou coisa parecida. Não é. Trata-se de chantagem da mais rasteira possível, capitaneada pelo presidente da Câmara,
Arthur Lyra, e os da goela imensa, sempre ávidos. A fome deles não passa de forma alguma porque o jogo é claro. Todos querem renovar os mandatos e, para chegar a isso, têm que mostrar "resultados" a seus eleitorados. Por isso querem tanto a Saúde, o Bolsa Família e outros setores caros ao governo federal. Para o Centrão querem dizer apenas votos. Nada além disso.

Houve uma época em que os políticos investiam nos discursos falando em governança, projetos, ideologia e coisas mais. Hoje, não: se o governo quer apoio tem que dar espaço. O que significa ministérios com "porteira fechada" e o direito de os ministros e seus sequazes ou  auxiliares, como vocês preferirem,  dirigirem as pastas da forma como bem entenderem, danem-se os planos do governo. Afinal, eles não o representam e muitos sequer vão apoiar as pautas governamentais porque o ministro é colega de partido. Esse negócio - partido - é só um detalhe e eles têm um porque sem a sigla não é possível obter uma série de vantagens do mandato. Só isso. Partido é coisa descartável.

16 de julho de 2023

Os pontos em comum


O que pode haver em comum entre a luta de alguns estados brasileiros pela manutenção de escolas cívico militares (na foto uma de Nova Venécia, ES) e as agressões sofridas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais sexta-feira à noite no aeroporto de Roma? Ambos os fatos e mais uma série de outros são a imagem pronta e acabada do que ocorre no Brasil: a extrema direita não aceita de forma alguma o fato de que o presidente que antecedeu o atual tenha perdido a reeleição ao final do ano passado e recorre à violência e ao desrespeito a normas constitucionais para impor sua vontade.

Afinal, eles não têm apego ao Estado Democrático e de Direito. São extremistas. Golpistas.

Pedagogos sérios dizem todos os dias e com argumentos irrefutáveis que esse tipo de escola chamado de "cívico militar" é pobre em termos de eficácia de ensino. Embora mantenham a mesma grade curricular das demais escolas da rede pública, seu comando visa a colocar os alunos sob o tacão de princípios militares deturpados. O MP se manifestou contrário a algumas obrigações como, por exemplo, a exigência de que os alunos cortem seus cabelos longos. E educadores não aceitam o fato de que militares cheguem a receber mais do que R$ 9 mil mensais para dar ordem unida enquanto eles ganhem menos da metade disso para passar conhecimentos aos alunos. Conhecimentos reais.

Mas governadores como o de São Paulo enfrentam a decisão do governo federal e dizem que vão até mesmo aumentar a rede dessas escolas, que hoje é pífia em relação ao todo brasileiro. Cerca de 0,25 por cento. Outros como o do  Espírito Santo simplesmente se eximem de emitir opinião. E o assunto fatalmente vai terminar na Justiça ano que vem quando as verbas dessa modalidade escolar cessarem.

Foi essa mesma Justiça a atacada no aeroporto de Roma por uma trinca de marginais que aguardavam um voo para o Brasil e se depararam com o ministro Alexandre de Moraes. Ele foi chamado de "bandido, comunista e comprado" pela sirigaita acompanhada por dois homens, um deles seu marido. Todos, claro, bolsonaristas de carteirinha. Todos, claro, inconformados com a derrota do "mito" ao final do ano passado. E todos, claro, têm que ir para a cadeia porque até o filho do ministro foi agredido fisicamente por Roberto Mantovani Filho. Ele, Alex Zanatta e Andréia Mantovani, que iniciou os as agressões morais, não respeitam as autoridades constituídas de nosso país. Nossas leis.

Eis os pontos em comum entre os dois fatos. São o fruto do desprezo que as alas de extrema direita do espectro social brasileiros sentem por nossas normas legais. São alguns dos muitos braços desse polvo formador da incivilidade geral da nação e que tenta se perpetuar no 8 e janeiro, insistindo em manter o Brasil na ilegalidade. Ainda não saíram da frente dos quartéis e desconhecem o fato de que os quartéis já saíram da frente deles. Deles e de suas falsas escolas cívico militares cuja principal finalidade é a de subverter a educação de base do Brasil criando monstrengos infanto-juvenis.

Todos estão fazenda falta na Papuda!

13 de julho de 2023

Inoportuno e verdadeiro


Sim, fomos nós os que lutaram contra a ditadura militar de 21 anos e que devolveram o Brasil ao estado democrático e de direito que estava distante fazia tanto tempo. E quem muito bem saudou a Constituição Cidadã de 1988 foi o saudoso deputado federal Ulisses Guimarães quando disse em seu discurso de apresentação da carta magna que "traidor da Constituição é traidor da Pátria". E mais adiante que os brasileiros presos ilegalmente, torturados e assassinados são os verdadeiros patriotas.

Também tenho nojo dessa gente da ditadura. Nojo e ódio.

Talvez tenha sido inoportuna a fala do ministro do Supremo Tribunal Federal José Roberto Barroso (esse da foto) quarta-feira numa reunião da UNE, quando afirmou que os brasileiros derrotaram o bolsonarismo. Derrotaram mesmo e a diferença foi pequena porque o chefe de governo usou de todos os artifícios, principalmente os desonestos, para evitar a derrota na eleição passada. Queimou uma dinheirama imensa para comprar votos, ameaçou, fechou estradas para os eleitores não chegarem às suas seções eleitorais e muito mais. Até ministros das relações exteriores foram convocados ao Palácio do Planalto para ouvir suas queixas. As urnas que o elegeram durante 28 anos foram atacadas porque ele queria votos de papel para alterar o resultado.

Tive amigos presos ilegalmente e torturados pelos órgãos de repressão. Nenhum deles foi assassinado, mas inúmeros outros foram. Para não me alongar cito apenas o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho. A ditadura militar brasileira foi uma sala de torturas. Ela não massacrou apenas aqueles que foram opositores do regime de exceção. mas também inocentes.

1988 só chegou para encerrar toda essa escuridão porque gente como os patriotas da UNE, eu e milhões de outros lutaram contra ela. Os bobões que vaiaram o ministro devem ter se esquecido disso. Mas seria bom que se lembrassem. Que pusessem a mão na consciência. É preciso escolher quem vaiar  e analisar que um ministro do Supremo Tribunal Federal é obrigado a sentenciar olhando a Constituição.

 Sim, o ministro foi inoportuno. Mas talvez nunca tenha sido tão verdadeiro. 

5 de julho de 2023

Lula em sua bolha


Lula, liberte-se de sua bolha!

São seis meses de governo do presidente Lula. Nesse curto período já foram comprovadas melhoras consideráveis em crescimento e inflação em queda, novas regras de despesas, reforma tributária em andamento, diminuição do risco país, redução do déficit das contas externas, aumento da arrecadação sem crescimento de impostos (até o momento), redução de vários preços administrados pelo governo como os dos combustíveis, aumento real do salário mínimo, igualmente da isenção do imposto de renda, combate à fome, luta pela erradicação da miséria, Programa Desenrola Brasil, incentivo à indústria, maior Plano Safra da história, Plano Safra de Agricultura Familiar (sensacional!), merenda escolar com aumento de repasses, início da recomposição do orçamento das universidades públicas, pesquisa e inovação, ensino em tempo integral e verba para infraestrutura escolar, Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, combate à violência nas escolas, revogação de decreto sobre armas, vacinação em massa, transferência para estados e municípios fazerem exames e cirurgias em mutirões com apoio a hospitais, Farmácia Popular, Mais Médicos, Brasil Sorridente, combate ao desmatamento e apoio ao meio ambiente, atendimento às populações originárias, volta do Minha Casa, Minha Vida, Lei Paulo Gustavo, política de amparo às mulheres, Lei Geral do Esporte, combate ao racismo, retorno do Brasil ao cenário mundial da política externa, reajuste do funcionalismo público e Democracia Participativa. Tudo isso com pouco dinheiro porque a maior parte foi criminosamente jogada no lixo pela tentativa do ex-presidente de se reeleger.

Lula poderia, hoje, navegar em águas tranquilas, começando a botar no bolso a oposição parlamentar, sobretudo a criminosa do Centrão, pois o sucesso do seu governo fará com que ela se dilua em água e escorra para o esgoto juntamente com Arthur Lira e suas negociatas. Mas o presidente insiste em ser o defensor público número 1 de Nicolás Maduro, de não ver o que acontece na Nicarágua, de confundir democracias plenas com suas nuances de exceção e em falar sem pensar sempre que pode ou é provocado. Como os provocadores já perceberam isso, vão provocar cada vez mais.

E por que ele faz isso? Lula ainda está preso em sua bolha, a aquela das correntes radicais do PT e que garantiram a ele apoio incondicional durante os anos duros de perseguição política e prisão. É digno ser grato, mas hoje esse ex-metalúrgico é presidente de todas as correntes, sobretudo as de centro, majoritárias no Brasil. Ele tem que dizer aos petistas de raiz que o ajudem ficando a seu lado sempre que possível. Esse governo tem tudo para dar certo e sepultar o bolsonarismo. Não pode abdicar a isso. Destruir as raízes da extrema direita é o que importa e por isso dei meu apoio ao atual presidente nas últimas eleições. Eu e milhões de outros brasileiros. Apenas e tão somente por esse motivo. 

Lula, saia de sua bolha.             

1 de julho de 2023

"Five Came Back"


Ouvi dia desses de um alemão radicado no Brasil que ele não era e a maioria de seus compatriotas também não são violentos ou nazistas. Com um sorriso de ironia, completou: "Nem os alemães orientais, hoje libertos do comunismo, pregam a violência". Imediatamente revi na mente o seriado "Five Came Back" (ilustração acima), que a Netflix apresenta atualmente e que conta a história da ida de cinco diretores de cinema de Hollywood para a Europa entre 1942 e 1945 para documentar cinematograficamente a Segunda Guerra Mundial. Foi uma experiência traumática para todos e os modificou radicalmente no retorno a seu país e às atividades que continuaram a desempenhar pelo resto de suas vidas. Recomendo os três episódios da série.

O que fez dos alemães um povo violento, seguidor em grande parte do nazismo de Hitler? E o italiano de adepto fanático do fascismo de Mussolini? Atrevo-me a dizer aqui que isso em muito se assemelha com o trauma passado por nós nos últimos anos no crescimento desenfreado do "bolsonarismo", um fenômeno político que se parece tanto com um quanto com outro. Podemos dizer sem medo de errar que a derrota de seu motivador, o ex-presidente brasileiro hoje inelegível, tirou o Brasil de um atoleiro institucional grave.

Os alemães não são violentos ou nazistas por natureza ou essência. Nem os italianos ou os brasileiros. Essa não é uma questão de nacionalidade, mas sim ligada a fenômenos sociais que podem eclodir em determinadas ocasiões nos planos nacional ou internacional e levam as pessoas à adoção de comportamentos coletivamente ditados pelos extremismos políticos. Um país como o Brasil pode e deve conviver civilizadamente com ideologias de esquerda e direita, mas nunca ter seu comportamento controlado por visões políticas extremistas, sobretudo da extrema direita, como acontece hoje em muitos países pelo mundo afora.

Freud afirma que, na origem, amor e ódio não concernem às pulsões. Ele explica seu pensamento: "O ódio, enquanto relação de objeto, é mais antigo que o amor: nos primórdios da origem ele tem sua fonte na recusa do mundo exterior que emite estímulos, recusa que emana do Eu narcísico". Ele surge de frustrantes relações objetais, do desprazer. É preciso fazer com que um grupo de pessoas ou até parte considerável de uma população sinta asco de outra, levada a isso por circunstâncias às quais não consegue reagir. E gerar o ódio não é nada difícil se esse grupamento populacional já sente ojeriza por uma dada situação. Aqui nós conseguimos gerar esse fenômeno pela aversão de parcela de nossa população pelo petismo e o comunismo.

Mas os dramas que situação assim geram são terríveis e "Five Came Back" mostra claramente o fenômeno em seu último episódio. Retornar a uma certa normalidade social é tarefa lenta e de sucesso não garantido, ao menos em curto prazo. Mas urge tentar. Numa outra conversa com um conhecido, ao fazer crítica ao extremismo de direita brasileiro, ouvi dele que a esquerda também comete violências. Expliquei: "Isaac Newton, célebre matemático, diz em sua terceira lei que a toda ação corresponde uma reação igual e contrária". É preciso começar combatendo a ação geradora da incivilidade.