30 de outubro de 2019

A terceira lei de Newton

Durante toda a campanha política do ano passado, para não dizer desde sempre, Jair Bolsonaro tratou seus adversários políticos e as pessoas das quais não gosta pessoalmente com um desrespeito absoluto, capaz de atingir as raias do absurdo. Fez críticas cruéis à esposa do presidente da França. Ao pai da ex-presidente do Chile. Elogiou ditadores sanguinários ao chegar à capital dos países desses, em viagens internacionais. Enfim, praticou todos os atos espúrios que um chefe de Estado decente não deve praticar jamais. E fez isso às vezes rindo seu riso debochado de todos os dias.
Esqueceu-se, se é que conheceu um dia, da terceira lei de Newton: "A cada ação corresponde uma reação igual e contrária". Isso vale para a física. Isso vale para tudo na vida.
Vamos nos ater a um caso apenas: foi a Buenos Aires durante a campanha presidencial argentina e, para demonstrar apoio à reeleição do presidente Macri, tratou com desprezo e desrespeito o hoje presidente eleito Fernandez. E agora está sentindo que sua maneira de agir, anos luz distante do que é fazer política com diplomaria, afasta o Brasil da Argentina. E prejudica nossos interesses comerciais. Isso ocorre ao menos também na França, Alemanha e Irlanda. Em muitos outros países ele é visto ao menos com desconfiança, embora tente vender publicamente uma outra imagem. Falsa.
Seu último episódio foi contra a Rede Globo. A emissora conseguiu dados que demonstram possíveis ações de despistamento de envolvidos no caso da morte da vereadora carioca Marielly Franco, no Rio de Janeiro. Um dos possíveis assassinos, indivíduo já denunciado, entrou no condomínio onde mora Bolsonaro alegando que ia à casa onde reside não seu provável comparsa, mas o atual presidente.
Em acesso de fúria pela divulgação da notícia - que é sim um fato jornalístico - Jair chegou a chamar a empresa de canalha (foto). Isso pouco tempo depois de colocar no ar em seu perfil pessoal um ridículo vídeo onde um leão - no caso ele - é cercado por hienas identificadas como "inimigos". Uma delas, o Supremo Tribunal Federal. O mesmo STF que, por iniciativa de seu atual presidente, impede o prosseguimento de investigações nas quais está envolvido Flávio, filho de JB. Que inimigo!
A corda talvez esteja começando a apertar no pescoço do pior chefe de Estado da história brasileira. Vai ser preciso esperar pelo desdobramento dos fatos antes de qualquer avaliação mais segura. Mas a terceira lei de Newton agora é uma companheira inseparável no dia a dia do presidente do Brasil. Quer ele queira, quer ele não queira. Ou não goste, pois dá no mesmo.

23 de outubro de 2019

Aqui não é o Chile!

Vamos tentar entender o seguinte: o Estado existe para prestar serviços à população com o dinheiro que arrecada de nossos impostos. A iniciativa privada, para gerar lucros em suas mais diversas atividades, não importando o custo disso. Sobretudo, não importando o custo social.
Por que o Chile está em ebulição? Porque desde 1973, quando houve o golpe que derrubou o presidente Salvador Allende - o maior de todos os chilenos -, os direitos dos trabalhadores foram sendo aos poucos dilapidados. Hoje, mesmo depois dos governos tímidos de Michele Bachelet, a população daquele belíssimo país andino não tem mais ensino público gratuito nem nas universidades do Estado, e acabou a saúde sem cobranças inclusive nas instituições que praticam o sistema público deles. Mais: até quem tem plano particular só obtém sem cobrança a saúde básica. O mais é pago.
O pior ainda está por vir: como o sistema de previdência foi todo privatizado em um modelo que se parece muito com o que o ministro Paulo Guedes está querendo nos fazer botar goela abaixo, houve um gradativo achatamento das pensões e aposentadorias. Claro, se a arrecadação cai as empresas administradoras do sistema não vão deixar de lucrar. Sua galinha dos ovos de ouro continuará reduzindo ou congelando valor dos benefícios. A população que se dane.
Eis o caldo de cultura da revolta popular e da aguda crise chilena.
Porque se quer tanto privatizar a Previdência do Brasil? Porque, com o tamanho de nossa economia, isso vai gerar imensos rios de dinheiro. O Amazonas será um mero riacho. E os pobres vão a cada dia ser menos remunerados. Isso até quando um pequeno reajuste de passagem de ônibus e metrô representar a diferença entre poder usar ou não esse serviço público. For a gota d`água.
Um estudo recente descobriu que das nossas poucas universidades de referência mundial a imensa maioria é de instituições do Estado. São Universidades Federais ou Institutos Federais de ensino. Mas o Estado brasileiro quer destruir essa estrutura. A irmã do ministro Paulo Guedes é presidente(a) da associação que alberga o ensino privado do Brasil. E a iniciativa privada que representa também quer seu quinhão, mesmo que isso signifique tirar das imensa parcela de brasileiros.
A "famiglia" Bolsonaro tem seus interesses ligados a isso tudo. Os ministros também, da mesma forma que as instituições "religiosas" - respeitemos as verdadeiras! - ligadas umbilicalmente apenas a ganhos financeiros. Por último, destruir a Amazônia, também faz parte do grande projeto desse governo que nós erradamente elegemos apenas para votar contra o PT, pois o ganho será incomensurável. E aqui me penitencio: desgraçadamente anulei meu voto. Nunca mais voltarei a fazer isso.
Daqui para a frente, meus amigos, vamos dizer como o homem da foto, na revolta chilena: Não mais. AQUI NÃO É O CHILE e nossa revolta ainda pode e deve ser expressa pelo voto e pela pressão sobre o poder. Afinal, ele foi constituído por nós mesmos.       

16 de outubro de 2019

Ideologia do absurdo

A Assembleia Legislativa do Espírito Santo, seguindo uma tendência nacional pelo obscurantismo intelectual e político, deverá votar e aprovar hoje um texto que criminaliza professores acusados de propagar "ideologia de gênero" entre os estudantes, sobretudo do primeiro grau. Essa reação nasceu de uma série de graves equívocos (?) didáticos de professores, como a que passou para uma estudante de 12 anos lição de casa onde a mandava pesquisar na internet assuntos como sexo oral e masturbação. Obviamente, isso não é nada didático.
Esse termo "ideologia de gênero" nasceu em 1995 na ONU, numa das reuniões da Organização, trazido a ela por sociólogos. Hoje é usado por aqueles que contestam o princípio de que os gêneros seriam construções sociais. Para eles já se nasce menino e menina e ponto final.
Se fosse assim tão simples não haveria o homossexualismo, que é a atração sexual de um ser por outro do mesmo sexo ou gênero. Está claro que o indivíduo nasce fisiologicamente menino ou menina. Mas se a pessoa será heterossexual ou não, isso vai depender de uma série de fatores. E a esmagadora maioria deles será, sim, social. Ou isso ou o sujeito não seria o fruto do seu meio.
Nada justifica o fato de um professor querer substituir o papel do pai e da mãe na escola e pretender dar aulas de pseuda orientação sexual para crianças. Da mesma forma, nada numa sociedade laica como a nossa permite a um legislador, sobretudo marcado por conceitos religiosos que podem ser considerados manipuladores, de querer interferir nas funções do Estado.
O texto a ser votado hoje é extremamente subjetivo. De propósito, pois sua intenção é a de permitir que, por visões teológicas, os detentores do poder possam impor seus dogmas aos outros, mesmo que isso signifique contrariar os princípios do Estado Laico. Ou seja, a Constituição da República.
Não existe "ideologia de gênero". E aqui não importa se a gente considera a ideologia com definição filosófica ou política, tenha essa características marxistas ou não.
O que existe é "identidade de gênero". Um ser  humano, depois de formado intelectualmente, vai inevitavelmente se identificar no terreno das preferências sexuais. Como resultado do meio ou de sua abstração intelectual, será heterossexual, homossexual ou o que mais houver. E a vida seguirá seu curso, independente do que pensam aqueles que desejam impor dogmas aos demais movidos pelo calor das montanhas de dinheiro recolhido em cultos evangélicos suspeitos, ou então das aulas de educadores que fazem mal ao próximo tentando substituir as famílias.
E como se não bastasse isso tudo, o texto a ser aprovado hoje tem conotações inconstitucionais. Cabe aos governantes analisar isso antes de aprovar tais leis de ocasião.             

9 de outubro de 2019

"Cara de pau é você!"

Tenho muitas histórias para contar da época da ditadura militar na vida dos jornais. Havia censura todos os dias, sim. Brava. E muita gente morreu depois de sofrer prisão ilegal e tortura. Só para ilustrar, hoje a vou falar de duas pessoas muito bacanas. Os irmãos Eugênio (foto ao lado) e Darcy Pacheco de Queiroz eram diretores do jornal A Gazeta (aquele que era de papel, vocês devem se lembrar...) e cunhados do principal proprietário da empresa, Carlos Fernando Monteiro Lindenberg, que se casou com as duas irmãs deles. Quando a mais velha morreu, pegou a mais nova...
"Seu" Eugênio, como o chamávamos, cuidava da parte administrativa da empresa. E de parte da interface com o público principal, político. Quando morreu, meu amigo jornalista Paulo Maia chorou muito no velório. Maura Fraga, outra amiga jornalista registrou o fato dizendo que nunca havia visto o Paulo chorar antes de ele ver o corpo "daquele homem sincero". E era assim mesmo.
Na campanha pela legalidade do PCB, botei um cartaz "PCB LEGAL" numa das paredes redação, então já na Rua Chafic Murad. No dia seguinte "Seu" Eugênio me esperava na porta: "Seu Álvaro, mandei tirar o cartaz do Partido Comunista da redação. Mas tirei também os cartazes da Arena. Quero evitar discussão política aqui dentro". Eu simplesmente dei um abraço naquele homem sincero.
Tempos antes disso, ainda na sede da Rua General Osório, Aninha, que era a pessoa encarregada de fazer e servir o cafezinho, entrou na redação e disse: "Chico Flores, Luiz Rogério Fabrino e Álvaro Silva. O general está chamando vocês na sala dele". Lá fomos nós para ver o Diretor Responsável.
Chegando lá havia um coronel do Exército sentado diante do general. Ao lado, dois ordenanças. Darcy, que adorava minhas piadas de sacanagem, olhou para nós e disse: "Gente, o coronel Fulano está chegando do Rio para assumir o 38 BI. E está preocupado porque soube que há membros do Partido Comunista na nossa redação. Vocês, editores, sabem de alguma coisa sobre isso?"
Luiz Rogério disse que jamais havia ouvido falar desse caso. Chico jurou que se encontrasse comunista denunciaria na mesma hora. Eu falei: "Sou editor de esportes, general. Não sei nada de política". O general olhou então para o coronel, que disse: "Estou convencido, general Darcy. E menos preocupado". Ato contínuo levantou-se e saiu junto com os ordenanças, cumprimentando-nos formalmente e apenas de passagem.
Nós rimos muito após sair da sala. Os três membros do PCB na redação de A Gazeta éramos nós mesmos, Chico, Luiz Rogério e eu. E Darcy Queiroz sabia disso muito bem. Muito bem mesmo...
No dia seguinte eu entrava na empresa para trabalhar e cruzei com o general que saia para almoçar. Dei um sorriso e disse:
- General, o senhor é um cara de pau!
Ele devolveu o sorriso e completou:
- Eu? Cara de pau é você!                               

3 de outubro de 2019

A GAZETA fez a terra tremer

Parece surrealismo que A GAZETA circulou pela última vez domingo último no Espírito Santo. Desde o anúncio do fim do jornal impresso as pessoas imaginavam que tudo seria desmentido no final. Tipo: "1º de abril, gente!". Mas não. Aos 91 anos de idade, aparentemente consolidado ele encerrou as atividades para evitar a falência mais do que certa. Não foi uma opção pelo progresso tecnológico, como se tenta fazer crer em todos os informes da Rede. Foi a saída honrosa encontrada como o "corolário" de anos de vividos incompetência empresarial.
Hoje, vários assinantes tentam cancelar as assinaturas sem migrar para o digital e não conseguem contato com a empresa por telefone. Outros passam raiva tentando ler as notícias pela internet num site feio demais e com um preço de assinatura para lá de caro. Irreal!
Conheci A GAZETA em 1971 quando entrei para trabalhar. A exemplo da Rede Globo e muitos outros grandes órgãos de comunicação, era uma empresa cooptada pela ditadura militar para lhe dar sustentação. Um esforço de legitimação do golpe que havia derrubado o presidente constitucional João Goulart e, passado o ímpeto inicial das "Marchas da Família com Deus pela Democracia" e outras farsas, agora precisava fazer o esforço de ser aceita pela parcela culta da população.
Vivi A GAZETA da Rua General Osório e da Chafic Murad. Como AG seguiu religiosamente a cartilha da "Revolução", foi durante algumas décadas agraciada com verbas oficiais generosas via publicidade estatal. Como a Rede Globo. Foi feito naquela época o mesmo que Jair Bolsonaro, um filho bastardo dessa mesma ditadura, tenta fazer agora em sentido inverso. A sede da Chafic Murad foi erguida graças a isso. Da mesma forma que o império da Globo.
E era gostoso trabalhar lá, ainda que com toda a censura interna, oficial ou não. Fiz grandes amigos, aprendi o que sei de jornalismo graças ao convívio com os melhores deles. Tenho tantas belas histórias para contar dessa época que dariam um livro. Mas prefiro me relembrar sozinho, rir sozinho, curtir as recordações desse passado recente, da lida diária por levar informação aos leitores.
A GAZETA começou a naufragar quando perdeu a boa vida dos recursos oficiais e também de grande parte da publicidade privada. Cometeu erro sobre erro, principalmente trazendo para o Espírito Santo profissionais de São Paulo que nada tinham a ver com a cultura capixaba. Eles, exceto Kaka, hoje dirigindo Metro, foram aos poucos formando o caldo de cultura da derrota final. De tanto promover reformas sem sentido, a mais antiga empresa de jornalismo impresso ainda funcionando no Estado conseguiu fazer com que seu leitor não mais se reconhecesse lendo o jornal. Ou então não mais reconhecesse no jornal aquele que ele havia se acostumado a ler todos os dias. Isso é fatal.
Parabéns empresários de A GAZETA. Vocês mataram seu filhote e a terra tremeu mesmo, domingo último em Vitória. Que pena!