12 de agosto de 2020

O filhinho do papai

Se era tão sigiloso o dossiê produzido pelo Ministério da Justiça investigando a vida de brasileiros antifascistas a ponto de o ministro da pasta ter usado de subterfúgios para negar acesso a ele ao Supremo Tribunal Federal, como pôde o deputado Eduardo Bolsonaro ser capaz de, além de tê-lo em mãos, ainda o entregar à embaixada dos Estados Unidos, segundo foi denunciado?

Isso é muito grave. Tão grave que merece investigação séria para que seu resultado, caso confirme crime praticado pelo parlamentar, leve-o a punição severa com, no mínimo, perda do mandato.

É público e notório que o presidente Jair Bolsonaro, o papai do Eduardo, deseja governar um Estado policialesco. Ele quer ter em mãos não apenas o controle sobre a Polícia Federal e todos os seus arquivos, mas também um órgão de governo que substitua o antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), para ter acesso à vida e aos segredos de todos os brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas, Ele sabe que informação é poder e a quer para si de forma indiscriminada. Portanto, é de se suspeitar que esse dossiê que o ministro prefere apelidar de "relatório" tenha caído em suas mãos, Já seria um ato criminoso. Mas chegar ao filho e daí à embaixada dos Estados Unido excede todos os limites do razoável.  Do bom senso. Do diplomaticamente aceitável até mesmo para um projeto de diplomata fazedor de hambúrgueres vetado no cargo pretendido.

Historicamente o Brasil sempre foi alinhado aos ianques. Principalmente durante a ditadura militar, quando aquele país teve participação decisiva nos acontecimentos que levaram à deposição do presidente João Goulart. Mas mesmo então o governo brasileiro mantinha alguma independência em política externa, não confundindo apoio e alinhamento com subserviência. Agora não. Agora até "y love you" Donald Trump já ouviu de Jair Bolsonaro na ONU. Não é possível isso.

Os poderes Judiciário e Legislativo estão na obrigação de desvendar essa excrecência. Primeiro, determinando sob as penas da lei que o Ministério da Justiça mostre aos brasileiros o fruto de sua arapongagem. Por último, desmascarando esse filhinho do papai que tem o desplante e o descaramento de entregar um dossiê contra brasileiros a um governo estrangeiro.

Nós já somos motivo de escárnio por motivos em excesso.  

7 de agosto de 2020

Ele acredita no que fala?

Depois de ver, ontem, o ministro do Meio Ambiente fazer discurso para índios "aculturados" em meio a um acampamento onde estes estavam junto a garimpeiros ilegais da Amazônia - portanto, bandidos - ainda tivemos nós, brasileiros, que assistir a um pronunciamento do vice-presidente da República onde ele defendia o garimpo em terras indígenas e, ainda mais, essa atividade destruidora do meio ambiente sendo executada pelas próprias nações indígenas brasileiras. Segundo ele, "para sua subsistência!".

Fiquei então pensando: como sobreviviam aqueles índios que receberam os marinheiros da frota de Cabral em 1500 nas terras da Bahia? Como conseguiam sua subsistência se ainda não existiam em solo hoje  brasileiro os garimpeiros ilegais? Como eles não morriam de fome sem que padres fossem para lá plantar suas cruzes, vesti-los com suas roupas e rezar suas missas; sem que os pastores neo-pentecostais ávidos por riquezas levassem as bíblias para mostrar a eles onde estava a "verdade"? De que forma podiam se sentir felizes sem militares armados invadindo suas aldeias para dar-lhes "proteção", ensinando a eles a cultura do homem branco, as línguas que não entendiam?

O índio vive em comunhão com a natureza. Ele só mata o que vai comer, só desmata o espaço onde precisa sobreviver. Ele não toca fogo na floresta porque o mato, as árvores e os animais são seu espaço, seu sustento e seu abrigo. Sua sociedade é una, sua vida é de respeito ao próximo e ao que o cerca. Numa aldeia as maiores autoridades são morais e a velhice tem um valor imenso medido pela experiência, pelo saber que é passado de geração em geração por meio oral. Na vida dos índios não existe propriedade privada nem corrupção. Eles não conhecem os princípios da acumulação de riquezas com interesses de perpetuação de poder. Eles, enfim, são puros. Ou eram antes de chegarmos.

Mas, agora entendo, são subversivos. Como o general vice-presidente vai poder entender as raízes de uma cultura tão diferente da sua, da nossa. Como vai aceitar aquele povo nu andando de um lado para outro de forma tão indecente! Imagino a ministra da Família numa aldeia daquelas vendo sob os pés de goiabas nada mais do que os frutos que eles dão de graça para comermos.

Isso faz a essência do discurso do ministro do sacrificado Meio Ambiente e do vice-presidente da Republica com sua máscara do Flamengo. Mas o discurso que a TV nos mostra é tão raso, tão despido de substância que fiquei olhando para aquela paupérrima figura no vídeo e não pude evitar pensar ao menos por um instante no inevitável: "Ele acredita no que fala?"