Imagine um filme que seja nossa cara. E além de tudo a cara do Brasil e daquele país que nós pouco ou nada conhecemos, nos cafundós da Amazônia. Estou falando de "O último azul", de Gabriel Mascaro, vencedor do prêmio máximo de Melhor Filme Íbero-Americano de Ficção no México e de melhor atriz para a atriz principal. É a história de Teresa, mulher de 77 anos vivida por Denise Weinberg, ótima interpretação e que na foto acima aparece em uma cena junto com Rodrigo Santoro. Além deles a película também tem Miriam Socarrás e uma história distópica da sociedade que decide obrigar os idosos dos 75 anos em diante a serem enviados para um exilío forçado onde vão esperar a morte para que os jovens possam produzir em paz. Claro, isso não existe, mas podemos estar caminhando para lá.
A distopia é o inverso da utopia. Trata-se de termo vindo do grego "dys-tópos", lugar ruim, condição de miséria, opressão, autoritarismo e desespero, como uma crítica social e alerta sobre o futuro. Teresa, o personagem de Denise, não quer isso. Velhinha do balacobaco, ela foge porque quer voar. Literalmente. E corre para sua aventura chamada liberdade. O projeto dessa sociedade distópica é maquiavélico, mas é melhor não contar os detalhes para que você vá ver o filme. Não se trata de um tapa na cara como "Ainda estou aqui", até porque a obra é ficcional. Mas ela tem substância, faz pensar e isso não vinha sendo comum no cinema brasileiro até pouco tempo atrás, mesmo nas melhores obras.
O que é o azul? Trata-se de um caracol da baba azul, animal mágico, em estado de extinção e que não existe verdadeiramente na natureza. Foi inventado para essa narrativa. Sua baba tem que ser pingada no olho como uma espécie de colírio que leva a visões. Teresa quer isso. Quer qualquer coisa que não signifique se submeter aos ditames de um estado totalitário e que considera os velhos como seres descartáveis. Imprestáveis. Para embarcar na sua aventura ela encontra uma parceira vivida por Miriam Socarrás e seu barco onde são vendidas bíblias digitais com a promessa do paraíso. Aliás, todos os falsos profetas prometem isso, estejam onde estiverem. Até e principalmente em Brasília.
Esse aparente resgate do cinema nacional é oportuno porque se contrapõe ao momento negacionista que estamos vivendo no Brasil de pouco brilho intelectual e muita distopia política. O filme é de ficção, mas o que ele mostra são pessoas que podem resistir, mesmo passivamente, a condições adversas e ainda se essas vierem na forma de gaiolas que as levam à força para os lugares onde vão esperar a morte porque, e isso é inevitável, ela vai chegar para todos aqueles que vivem. Só não deveria ser dessa forma.
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