22 de fevereiro de 2008

Para Nelson Calado

Porque ele falava muito, chamaram-no Nelson Calado no meio da aviação. Porque ele acreditava em todos, saiu do quase nada, tornou-se um homem de posses e depois empobreceu novamente. Porque ele amava a família acima de tudo, sua morte, no dia 13 de fevereiro deste ano de 2008, provocou dor intensa em muita gente querida.
Era um excelente piloto. Formado em uma das primeiras turmas do Aero Clube do Espírito Santo, em 1943, participou do esforço de guerra brasileiro na II Guerra Mundial, mesmo sem sair daqui, como membro da Patrulha da Madrugada, um grupo de aviadores que voavam todos os dias, dentre outras coisas patrulhando as costas capixabas para vigiar os portos de uma possível incursão de algum submarino alemão. Por sorte não avistou nenhum e a guerra terminou logo, porque os aviões da patrulha não tinham armamento algum.
Trabalhou com construção civil. Construindo pontes e outras iniciativas no Espírito Santo e Minas Gerais. A primeira estação de tratamento de água de Cachoeiro de Itapemirim, comandou as obras de construção do Cais do Avião, em Santo Antônio, e mais uma série de outras atividades afins e correlatas. E também importantes.
Foi gerente, no Espírito Santo, de uma das primeiras empresas regulares de aviação, a Aerovias Brasil. Na época, com o amigo Djalma Cabral, fundou a Vitur, primeira agência de turismo receptivo do Estado. Trouxe para o Brasil, da Espanha, juntamente com um sócio e amigo, Flávio Torres Ribeiro de Castro, um revolucionário – à época – método de beneficiamento de ferro a frio, fundando, junto com esse sócio, a empresa Armaduras Helitraço, em São Paulo. Fabricou por aqui os primeiros karts e organizou a primeira corrida regular no velódromo do Ibirapuera.
Foi fabricante de peças de alumínio para motores de automóveis Simca quando a esmagadora maioria dos equipamentos do gênero eram feitos em aço. Trabalhou com queimadores industriais, com vendas diversas, com ultraleves e outras atividades mais, sempre ligadas a metais ou aviação. Conhecia tanto do que fazia que, não raro, as pessoas perguntavam a ele em que universidade havia se formado em engenharia. E ele tinha apenas o 2º grau técnico. Ria disso, gostosamente. Afinal, discutia engenharia com engenheiros...
Nos últimos anos, foi um espectador da vida. Espectador crítico e jamais renunciando aos seus princípios, alguns deles hoje relevados. Casou-se e amou a mesma mulher por 64 anos, oito meses e sete dias. Também isso é hoje considerado "ultrapassado".
No dia de seu sepultamento, depois de morrer com complicações várias provocadas por uma queda doméstica aos 88 anos de idade, estavam no velório e no sepultamento menos de cinco dezenas de amigos. Não houve tempo de avisar a todos. As homenagens foram daqueles que realmente o amaram e de algum diletos amigos destes.
Faço aqui o registro da morte de Nelson Calado. Também conhecido como Nelson de Albuquerque Silva, fluminense de Campos dos Goitacazes, brasileiro que viveu intensamente e amou a terra pela qual chegou a patrulhar parte da costa capixaba durante uma guerra sem nunca ter recebido um único “muito obrigado” oficial. Faço isso eu: muito obrigado, meu pai. Você deixa vários exemplos. Que possam ser seguidos.
Legenda: na foto, Nelson Calado está em pé à direita, ao lado da mulher. Sentado, seu cunhado Waldyr. É a última foto do velho Nelson.

5 comentários:

Tati disse...

Lindo Pai!
Texto digno de um jornalista-escritor brilhante que você é e de um homem ímpar como foi o vovô!
E eu nem sabia que ele só tinha o 1º grau, parecia ter Pós-doutorado!
Eta homem inteligente!
Que o céu brilhe com as histórias dele!
Tati.

Anônimo disse...

Belo depoimento. Pelo que conheci do sr. Nelson é mais do que justo. E ele vai, sim, ser lembrado por todos os que com ele tiveram algum contato. Esteja certo disso.

Anônimo disse...

Querido Amigo, Álvaro
Conhecemos grandes homens, não por suas grandes "obras edificadas", e sim pela formação humana de seus filhos. Nas poucas horas que convivi com seu Pai, Sr., Nelson tive um grande aprendizado da vida e como ela é.
No Sr. Nelson vi a figura de um grande empreendedor, palavra que na sua época talvez fosse diferente, vi também um homem com uma profunda sabedoria que não se aprende em bancos de faculdades e sim com a vida.
Como falo na abertura deste meu singelo comentário, seu Nelson, se assim posso chamá-lo, vi que sua maior obra foi constituir uma família que não se vê com facilidade nos dias de hoje, mas posso garantir que depois de ler o que vocêescreveu sobre seu DIGNíSSIMO PAI, você retrata como pessoa a grande obra de que falo acima. Quantas vezes, ao sair da minha casa em horas e dias alternados, mesmo nos finais de semana via o seu carro parado na frente da casa do seu pai e comentava com minha esposa: quem dera se pelo menos 10% dos filhos de hoje demonstrassem a carinho e atenção que o Álvaro tem pelos pais. O mundo seria bem melhor.

Scliar disse...

Alvaro, meu amigo desconhecido e colega de blogagem. Texto emocionante. Fica aqui, da distancia, meu abraco e meu carinho para estas horas cheias de saudades. Ethel Scliar

Unknown disse...

Lindo! Muito bem escrito! Cheio de emoções e verdades!