12 de abril de 2012

Do direito de decidir

Feto anencéfalo morto em seguida ao parto 
A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, não é mais crime a mulher que tem no ventre um feto anencéfalo e, portanto, sem chances de sobreviver, interromper a gravidez caso queira. Antes, ela precisava se submeter à decisão solitária de um magistrado que raramente julgava sob a ótica de sua (dela) aflição, mas sim com base nos seus (dele) credos éticos ou religiosos.
O impressionante no caso do julgamento da questão dos anencéfalos foi a pressão exercida pelos diversos credos religiosos cristãos, mais precisamente católicos (infelizmente), contra a decisão do STF. Nós vivemos em um Estado laico. Significa dizer que todos temos ampla liberdade religiosa porque esse Estado não abriga nenhuma religião como sua. Oficial. Da mesma forma, temos o direito de decidir e de moldar leis que atendam aos desejos e valores de toda a sociedade e não de parte dela. Não é lícito que numa situação como essa, uma parcela do todo, por maior que seja, imponha seus dogmas aos demais. Por mais minoria que sejam estes outros.
É possível traçar uma analogia: a pessoa com morte encefálica num hospital "vive" porque aparelhos mantêm seu coração e pulmões funcionando. Se esses aparelhos são desligados, o que resta do organismo deixa de funcionar. Esse procedimento é feito geralmente quando se vai retirar órgãos para doação. Um feto anencéfalo também tem "morte cerebral" porque o cérebro inexiste. Seu coração e pulmões funcionam porque ele, o fato, está ligado à mãe e essa funciona como os aparelhos de um hospital. Ao parir, o organismo da mãe "desliga" os aparelhos. Interrompe o vínculo vital. O coração e os pulmões paralisam suas atividades. Da mesma forma como no caso do paciente com morte cerebral a vida não existe mais, no do feto anencéfalo ela nunca existiu. Portanto, é no mínimo estúpido classificar a interrupção de gravidez nesses casos como um gesto nazista, como alguns religiosos desonestamente estão fazendo nos últimos dias. 
Supremo julga a anencefalia no DF
É pecado interromper a gravidez em casos de anencefelia, gestação provocada por estupro ou que coloque em grave risco a vida da mulher? Ótimo, então não façam isso. Mas vamos dar àquelas mulheres que consideram insuportável parir numa dessas três situações, o direito de decidir por interromper, não a gravidez, mas seu sofrimento.
O Brasil considera crime o aborto. Isso significa matar um feto saudável, gerado às vezes irresponsavelmente e retirado do ventre por conveniências diversas. Às vezes porque é cedo para ter filhos. Outras, porque não há dinheiro para criar. Não importa: é crime.
Mas condenar seres humanos a situações insuportáveis pode ser uma forma de torturar. E o torturador passa a ser aquele que carrega a cruz, o símbolo supremo da tortura, para diante da sede da maior corte de Justiça do Brasil. E tenta impedir, desta forma, o direito de os demais decidirem sobre as vidas afetas a eles com base apenas em crenças suas e desconhecendo totalmente o direito de os outros pensarem diferente.

Um comentário:

João Marcos T. Theodoro disse...

Ótimo, Álvaro. Eu também defendo o direito de aborto em todos os casos.