13 de abril de 2015

Mestre e o preto safado

Faz tantos anos...
Na antiga TV Record, ícone do início da televisão no Brasil, um negro foi dar entrevista. Ao final dela, aceitou o convite de Hebe Camargo, titular do Programa Hebe Camargo, para cantar. Com um vozeirão de fazer inveja, cantou "Dora". Foi aplaudido de pé.
Tratava-se de Esmeraldo Tarquinio (foto acima), ex-favelado, ex-cantor de conjunto de beira de cais que se apresentava em prostíbulos - no caso, o cais do Porto de Santos  -, advogado do Sindicato dos Estivadores, membro do Partido Comunista Brasileiro e recém eleito prefeito de Santos pelo MDB.
Não chegou a tomar posse. Para a ditadura militar recém instalada, era demais. Além de "preto", como foi chamado, era comunista e se apresentava na zona para poder ter dinheiro e estudar Direito. Uma lei foi feita às pressas tornando vários municípios brasileiros região de segurança nacional "livre" de eleições diretas. Esmeraldo teve o mandato cassado. Foi preso. "Bem feito para aquele

preto safado", ouvi muitos dizerem, ainda criança., no clube onde meus pais eram sócios. Esmeraldo, cardiopata, não sobreviveu muito tempo depois disso. Logo estaria sepultado.
Em Vitória viveu Mestre Flores (foto abaixo). Pobre, sem estudo formal, foi  preso como membro do PCB. Nunca mais conseguiria encontrar emprego. Não era negro mas militava em partido político proscrito. Portanto, era um criminoso. Mas sabia tocar. Pegou seu cavaquinho e foi com o conjunto do qual fazia parte tocar em São Sebastião. Ou Carapeba, se preferirem. Ou nos puteiros, para ser mais claro. Afinal, precisava sustentar a família. O velho jornalista Chico Flores recorda-se disso, pois era filho dele. A última entrevista que deu na vida, Mestre Flores deu a mim. Na época, com seu Regional, tocava em praças, clubes ou no bar perto da casa onde morava, em Santa Lúcia. Morreu idoso. Mas até o final da vida guardava mágoa, muita tristeza, por tudo o que havia passado.
Esmeraldo e Flores são vítimas da ditadura militar que infelicitou o Brasil de 1964 a 1985. E vejam: eles não foram torturados e nem mortos nos porões do regime. Não tiveram a "honra" de conhecer o delegado Sérgio Fleury ou seus amigos. Apenas eram lixo para os donos do poder.
Eu pensava nos dois enquanto as emissoras de TV mostravam, ontem à noite e hoje pela manhã, as imagens de pessoas pedindo intervenção militar no Brasil, travestidas de democratas e infiltradas em um movimento que quer apenas um País digno, livre da corrupção crônica na qual vive.
Das duas, uma: ou essas pessoas não sabem o que estão fazendo, ou sabem muito bem. Muito mesmo...    
          

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