Sérgio Carvalho o sertanista Cláudio Villas-Boas |
Durante aquele período, a resistência contra o golpe que chegou à deposição do presidente João Goulart fez com que milhares de brasileiros aderissem à luta armada. Um erro que custou milhares de vidas. E até hoje muitos homenageiam os mortos que tentavam pela via da força acabar com um regime político imposto ao Brasil pelas armas. Admirei e admiro muitos deles. Mas seu erro levou nosso País a permanecer por mais tempo sob a tutela das administrações militares.
Sérgio Miranda de Carvalho nunca foi glorificado por um motivo simples: ele entrou para a história não pode ter atuado com armas nas mãos mais sim por ter se recusado a isso. Com pode?
Em abril de 1968 crescia a reação do governo militar à luta das instituições de esquerda contra a ditadura. Sobretudo reação por luta armada. Presos eram barbaramente torturados e muitas vezes assassinados nas diversas instalações de combate à "subversão". Ainda não havia sido editado o AI 5, mas a estrema direita pretendia aplicar um golpe de morte aos comunistas. Como? Praticando um ato terrorista de grandes dimensões que seria, depois, atribuído a estes. Dessa forma seria possível convencer as alas militares mais brandas e a opinião pública a apoiar um massacre.
O plano foi desenvolvido graças a um psicopata. O brigadeiro João Paulo Burnier entregou a um grupo de quarenta homens do PARASAR (unidade de busca e salvamento da Aeronáutica) o projeto de eles atacarem pontos estratégicos de várias regiões do Brasil e explodirem o gasômetro, no Rio de Janeiro, provocando milhares de mortos. Entre o plano e sua execução estava o capitão aviador da ativa Sérgio Miranda de Carvalho. Ele não apenas se recusou a fazer isso como, apoiado por colegas, frustrou e fez vazar o plano que teve de ser abortado. Mas o alto comando da Aeronáutica, na época da ditadura, era duro: Sérgio foi afastado em definitivo da Força Aérea um ano depois.
O brigadeiro Eduardo Gomes, em 1978, pediu que o oficial fosse reincorporado em carta diretamente enviada ao então "presidente" Geisel. Em vão. Na Justiça, seus parentes e amigos conseguiram que o Supremo Tribunal Federal determinasse o retorno de Sérgio às atividades, como brigadeiro, em 1992 (posto que ele exerceria se tivesse continuado sua carreira). O ministro da Aeronáutica de então, brigadeiro Lélio Lobo, recusou-se a cumprir a ordem. Houve uma segunda determinação, também descumprida. Por derradeiro, o STF determinou o cumprimento da sentença ao presidente Itamar Franco. Esse se recusou a entrar para a história engavetando a ordem da Justiça. Não foi preciso esperar muito mais tempo, pois em 1994 o câncer derrotaria o ex-capitão.
Raramente alguém se lembra dele. Foi um militar oriundo das classes baixas, não tinha descendência na carreira, era negro, apelidado de Macaco e ainda se recusou a cumprir ordens. Como servia no PARASAR, entendeu que o destino o reservara a salvar e não a tirar vidas. Viveu seus últimos tempos quase incógnito. Hoje, quando a gente considera herói até mesmo goleiros que defendem pênaltis, seria bom nos lembrarmos de um oficial militar que poderia ter matado milhares e se recusou.
Seu heroísmo raramente é lembrado.
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