14 de julho de 2016

Um herói esquecido

Sérgio Carvalho o sertanista Cláudio Villas-Boas
No dia seis de fevereiro de 1994, recordo-me bem, foi noticiada a morte de Sérgio Miranda de Carvalho. Sem grande destaque. Lembraram-se os meios de Comunicação de que era um ex-capitão aviador paraquedista da Força Aérea Brasileira, que havia sido reformado compulsoriamente e passado para a reserva em 1969 e que seu apelido era Sérgio Macaco. Pouca coisa. Não houve espalhafato em torno do caso. Mas deveria ter havido. Ele era um herói esquecido da época da ditadura militar.
Durante aquele período, a resistência contra o golpe que chegou à deposição do presidente João Goulart fez com que milhares de brasileiros aderissem à luta armada. Um erro que custou milhares de vidas. E até hoje muitos homenageiam os mortos que tentavam pela via da força acabar com um regime político imposto ao Brasil pelas armas. Admirei e admiro muitos deles. Mas seu erro levou nosso País a permanecer por mais tempo sob a tutela das administrações militares.
Sérgio Miranda de Carvalho nunca foi glorificado por um motivo simples: ele entrou para a história não pode ter atuado com armas nas mãos mais sim por ter se recusado a isso. Com pode?
Em abril de 1968 crescia a reação do governo militar à luta das instituições de esquerda contra a ditadura. Sobretudo reação por luta armada. Presos eram barbaramente torturados e muitas vezes assassinados nas diversas instalações de combate à "subversão". Ainda não havia sido editado o AI 5, mas a estrema direita pretendia aplicar um golpe de morte aos comunistas. Como? Praticando um ato terrorista de grandes dimensões que seria, depois, atribuído a estes. Dessa forma seria possível convencer as alas militares mais brandas e a opinião pública a apoiar um massacre.
O plano foi desenvolvido graças a um psicopata. O brigadeiro João Paulo Burnier entregou a um grupo de quarenta homens do PARASAR (unidade de busca e salvamento da Aeronáutica) o projeto de eles atacarem pontos estratégicos de várias regiões do Brasil e explodirem o gasômetro, no Rio de Janeiro, provocando milhares de mortos. Entre o plano e sua execução estava o capitão aviador da ativa Sérgio Miranda de Carvalho. Ele não apenas se recusou a fazer isso como, apoiado por colegas, frustrou e fez vazar o plano que teve de ser abortado. Mas o alto comando da Aeronáutica, na época da ditadura, era duro: Sérgio foi afastado em definitivo da Força Aérea um ano depois.
O brigadeiro Eduardo Gomes, em 1978, pediu que o oficial fosse reincorporado em carta diretamente enviada ao então "presidente" Geisel. Em vão. Na Justiça, seus parentes e amigos conseguiram que o Supremo Tribunal Federal determinasse o retorno de Sérgio às atividades, como brigadeiro, em 1992 (posto que ele exerceria se tivesse continuado sua carreira). O ministro da Aeronáutica de então, brigadeiro Lélio Lobo, recusou-se a cumprir a ordem. Houve uma segunda determinação, também descumprida. Por derradeiro, o STF determinou o cumprimento da sentença ao presidente Itamar Franco. Esse se recusou a entrar para a história engavetando a ordem da Justiça. Não foi preciso esperar muito mais tempo, pois em 1994 o câncer derrotaria o ex-capitão.
Raramente alguém se lembra dele. Foi um militar oriundo das classes baixas, não tinha descendência na carreira, era negro, apelidado de Macaco e ainda se recusou a cumprir ordens. Como servia no PARASAR, entendeu que o destino o reservara a salvar e não a tirar vidas. Viveu seus últimos tempos quase incógnito. Hoje, quando a gente considera herói até mesmo goleiros que defendem pênaltis, seria bom nos lembrarmos de um oficial militar que poderia ter matado milhares e se recusou.
Seu heroísmo raramente é lembrado.  

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