13 de julho de 2024

Dora de Esmeraldo

Na foto, Esmeraldo assina o livro de posse como prefeito de Santos. Nunca chegou a exercer o cargo

Para quem não conhece, vou apresentar Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho. Mas pode chamar apenas de Esmeraldo Tarquínio que basta. Negro, crooner de prostíbulo do Cais do Porto de Santos, despachante aduaneiro, advogado, jornalista, vereador, deputado estadual e prefeito de Santos além de torcedor apaixonado do  Santos Futebol Clube, não conseguiu cumprir o último mandato porque o teve cassado pela ditadura militar que infelicitou o Brasil de 1964 a 1985. E por quê? Eleito prefeito, foi convidado para uma entrevista pela apresentadora Hebe Camargo, à época na TV Record de São Paulo, e esta perguntou a ele se era verdade que havia cantado em "grupo de zona". Ele disse que sim, pois havia nascido pobre, era negro e precisava ganhar dinheiro honestamente para se formar como advogado e viver a vida que queria, inclusive como politico, pois tinha muito a dar na qualidade de militante ativo do Partido Comunista Brasileiro, PCB ou Partidão.

Eram tempos duros da ditadura militar e no dia seguinte ele teve seu mandato cassado. Para justificar e violência, os generais de plantão disseram que, "por motivos de segurança nacional" daquele dia em diante balneários, estâncias hidrominerais e outros lugares afins teriam seus prefeitos escolhidos pelo governo e não mais pelo povo. Esmeraldo não se conformou, mas nada podia fazer. Triste, foi aos poucos sofrendo de depressão - doença então não diagnosticada - e no dia 10 de novembro de 1982 sucumbiu a um enfarte agudo do miocárdio. Tivesse suportado mais três anos, viveria para ver seu país livre da ditadura.

Conto essa pequena história porque ontem, em reunião politica na casa de um amigo, este que é fazendeiro de Linhares, reagiu a uma pergunta minha sobre como estava o bolsonarismo na sua região e disse que isso não existe. O que há são pessoas que lutam contra a corrupção e não toleram invasão de terras. Nada disso, amigo. Fosse assim e o criminoso que leva o nome do grupamento político atual de extrema direita não teria sido eleito presidente da República. E não estaria até hoje conspirando para dar golpe de Estado e destruir instituições civis reconstruídas com tanto esforço e mortes como a de Esmeraldo.

E ele não foi um caso único. Aqui no Espírito Santo, seu Flores, o crooner do Regional de Mestre Flores, não conseguia trabalhar como marceneiro depois do golpe de Estado de 64.  Para não morrer de fome e sustentar a família, passou a cantar na zona de meretrício de São Sebastião, conhecida como Carapeba. Fez isso durante muito tempo. Um de seus filhos, o jornalista Francisco Flores Rodrigues, o Chico Flores, hoje falecido, recordava-se com carinho e orgulho da luta do pai durante os anos de chumbo.

Não, querido amigo, seus vizinhos de fazendas nessa Linhares um pouco chegada à extrema direita não são patriotas que lutam contra a corrupção. Eles, ao contrário. dão seu apoio a militantes formais e informais de um pensamento político espúrio que prega a destruição da democracia e o assalto aos bens do País. Haja vista que o ex-presidente, seus filhos e demais membros da quadrilha fizeram uso do Estado Brasileiro, através da ABIN, para enriquecer e vasculhar a vida dos outros, além de se protegerem de investigações. Poucos de seus amigos, meu querido camarada, fazem isso inocentemente. A esmagadora maioria desses patriotas de araque sabem que conspiram. Sabem e pagam para ver... 

E só para terminar, na entrevista dada a Hebe, o prefeito Esmeraldo, primeiro negro eleito para aquele cargo na história santista, foi convidado a cantar. Pensou um pouco, mais um pouco e depois disse que faria isso porque "cantar não tira o respeito de ninguém", E então se levantou e emprestou seu vozeirão a uma das obras primas de Ary Barroso e Dorival Caymmi, para deleite de todos os espectadores. Ele cantou "Dora, rainha do frevo e e do maracatu". Ainda o vejo no palco na TV Record:

"Dora, rainha do frevo e do maracatu

Dora, rainha cafusa de um maracatu

Te conheci no Recife

Dos rios cortados de pontes", etc, etc, etc.                         

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Esmeraldo! Exemplo de vida digna que sucumbiu diante de políticos e governos infames.
Quantos brasileiros vieram e vivem constrangidos e sofrem perseguições por causa de Governos que criam Abins paralelas para legislar em causa própria.
Pobre povo brasileiro que, ainda hoje, acredita em Mito!