13 de maio de 2010

Para purgarmos nossos pecados


Vinha resistindo, faz algum tempo, à tentação de escrever sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal de negar o direito de revisão da Lei da Anistia, que nos tornou a todos vítimas eternas dos torturadores que se serviram do Brasil durante o regime militar.
Não que o Brasil de hoje, 25 anos distante de 1985, quando a ditadura efetivamente terminou no País, quisesse um revide contra os que subjugaram essa Nação por 21 anos. Não era isso. Talvez o que a maior parte efetivamente quisesse e ainda queira seja o respeito. O de famílias saberem onde estão os cadáveres de seus entes queridos. De ter acesso a informações sobre como eles morreram. E a de poder divulgar oficialmente os nomes dos que os mataram.
A primeira foto que ilustra esse texto, acima à esquerda, mostra o jornalista Vladimir Herzog morto numa cela militar de São Paulo. Morto por tortura. Assassinado. E seus assassinos não foram até hoje identificados. Não falo de processados.
Os que mataram durante o regime militar por não aceitá-lo tiveram suas identidades reveladas. Inclusive os que não mataram ninguém, mas apenas se opunham à ditadura. Inclusive aqueles que não aderiram à luta armada, mas sabotaram o regime com publicações proibidas, por exemplo. E elas foram feitas aos milhares.
Os que assaltaram bancos e sequestraram pessoas também foram expostos. Inclusive estão sendo denunciados hoje aqueles que continuam assaltando o Estado, montados na máquina administrativo/política, como parte do Poder Executivo. Esses são acusados todos os dias e as denúncias, na maior parte dos casos, procedem. São tristes, portanto.
A Lei da Anistia não foi um pacto nacional, não. Não foi um acordo para passar a borracha sobre o passado, absolutamente. Ela foi aprovada pelo Congresso Nacional por 206 votos da Arena contra 201 do MDB. E até hoje a forma como foi promulgada incomoda muito a muita gente por esse Brasil afora. Muita gente digna - que não matou na ditadura e não rouba hoje, não vivendo encastelada no aparelho do Estado, como se ele fosse uma iniciativa privada sua - se sente mal.
Sabem que motivo me levou a iniciar esse texto com a foto de Vlado Herzog morto? Porque foi a Justiça quem, depois de considerar todo o caso, sentenciou claramente que o Estado era o assassino do Vladimir. Ninguém usou de subterfúgio. O Magistrado não teve medo. E estávamos em plena vigência da ditadura militar. Sob um regime de exceção, que ameaçava e, em casos mais sérios, cumpria as ameaças.
Estávamos na época em que o general Geisel disse a dois jornalistas: "Acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para obter confissões". E era o presidente da República! Era o inquilino do Palácio do Planalto que, em determinadas ocasiões solenes, colocava no peito de torturadores a Medalha do Pacificador. Que terrível ironia: nossos pacificadores eram os donos da paz dos cemitérios!
Forçar o Estado a reconhecer que prendeu ilegalmente, torturou e matou durante um tempo em que ele não era legitimamente dono do poder não é revanche. Não é ação de ódio ou vingança. É um direito dos povos. É um poder que cada nação deve ter e exercer para que todos possamos purgar, juntos, os nossos pecados.
Não, o Brasil não quer processar, condenar e prender seus torturadores, até porque muitos deles já morreram. Mas temos o direito de conhecê-los. Para que não aconteça mais.

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