14 de outubro de 2010

As eleições do aborto e da irresponsabilidade


Existem momentos nas campanhas políticas nos quais elas deixam definitivamente o terreno do sério, da discussão de programas, princípios e metas, e invade a região da falta de decência. A reta final da campanha presidencial de 2010 chegou a esse ponto no momento em que líderes de diversas facções religiosas transformaram palanques em púlpitos para discutir o aborto com os dois candidatos que decidem o segundo turno em 31 de outubro.
Um assunto dessa magnitude jamais poderia ter sido colocado à frente das discussões de campanha. E principalmente com interesses religiosos à frente, num estado laico. O aborto no Brasil é algo tão grave, tão pungente e de saúde pública, que tende a ser tão ou mais urgente que o combate ao crack. As demagogias baratas e promessas de campanha, ainda mais as que contrariam declarações públicas dadas anteriormente, não resolvem. Agridem o assunto.
O Brasil prevê a interrupção da gravidez em três casos: gestação decorrente de estupro, que comprovadamente pode levar a gestante à morte e de feto anencéfalo. Neste último caso com autorização judicial. E muitos magistrados colocam suas crenças, seus dogmas, à frente das decisões sem considerar que as grávidas são outras pessoas. Os danos mentais serão delas.
Simplesmente descriminalizar o aborto, todas as demais formas de interrupção irresponsável da gravidez, ainda mais em instalações do Sistema Único de Saúde, constitui insensatez. Crime.
Mas discutir esse problema - que envolve a morte de milhares de mulheres todos os anos em clínicas clandestinas num Brasil onde o nível de informação das camadas mais subalternas da sociedade é mínimo e a saúde pública, um caos - numa véspera de eleição em palanques improvisados e diante de atores fora do contexto é tão grave, tão hediondo e desonesto quanto as fotos de fetos mutilados que pastores pouco sérios carregam nas pastas e notebooks para impressionar seus "rebanhos" de incautos.
Ao mesmo tempo, não é possível deixar de dizer que as diversas correntes religiosas têm que encontrar uma saída para a imensa contradição contra a qual seus discursos esbarram: ao mesmo tempo em que levam a discussão sobre o aborto aos extremos, demonizam as soluções de contracepção. Já ouvi de lideres religiosos que usar caminha é pecado e não evita a AIDS. Outros estendem essa proibição a todos os métodos anticoncepcionais. E sabemos todos nós que eles devem ser usados, sim, sobretudo e principalmente por casais monogâmicos que não desejam mais filhos por não ter meios de criá-los com dignidade.
Fazer isso é melhor do que trazer ao mundo mais miseráveis. Ou então buscar a morte nas "fábricas de anjinhos" que ocupam quase todas as periferias brasileiras. Demagogias de época de eleição, documentos-compromisso assinados em troca de votos, promessas feitas na esperança de conquistar o poder para pagar depois com cargos, nada disso resolve problemas graves. Muito pior: sequer consegue escondê-los. Só a miséria somada à ignorância das populações podem fazer com que essas aberrações continuem existindo.

Um comentário:

Paulo Machado disse...

Com muita propriedade o autor fez a avaliação dos assuntos Eleição x Religião. Com certeza canditatos estão fazendo a insersão indevida de assunto tão sério como o aborto no contexto eleitoral; deixando de apresentar propostas diretas, verdadeiras e prauziveis de realização no contexto atual nacional. Fazendo realmente a ignorância, a pobreza e falta de interesse politico do Braileiro ser influenciada por mentiras e falsidades.