23 de fevereiro de 2011

O tiro de canhão no bolso do cidadão


O Brasil é mestre em criar impostos. E quanto mais injustos, mais estapafúrdios, mais eles duram. O que criou os Terrenos de Marinha é um deles. Em 1831 imaginou-se a que distância chegaria uma bala de canhão disparada por um navio de guerra de então e que se aproximasse da costa brasileira até a linha de preamar daquele ano para efeito de nos atacar. Eram 33 metros. Então, daí em diante, essa faixa litorânea, estivesse ela onde estivesse, passou a ser Área de Marinha. Ou seja, uma faixa de terra onde tudo era da União e onde as pessoas só poderiam morar como ocupantes ou foreiros. Como em parte dessa foto, hoje de região nobre da cidade de Vitória. Afinal, precisamos ser defendidos!
Passaram-se os anos. Dois séculos foram comemorados desde o tido de canhão de 1931. Mas o Estado, com sua voracidade perdulária que cresceu de forma desmedida com a chegada do PT ao poder, manteve e ainda amplia a Taxa de Marinha, o imposto de temos de pagar para morar num terreno que, "por segurança", pertence à União para nos proteger.
Também, pudera: já pensaram vocês se surge de repente por aqui uma caravela portuguesa e começa a atirar para tentar recuperar sua antiga colônia? Seria um Deus nos acuda!
Por conta disso, em Vitória, que é uma ilha, e em mais 13 municípios do Espírito Santo, novas áreas de Marinha estão sendo demarcadas. Cerca de 30 mil pessoas, além das atuais, vão ter de pagar à União o imposto mais cretino dentre todos os existentes no Brasil. Há anos luta-se pelo fim desse absurdo. Mas o Estado resiste. O Serviço de Patrimônio da União (SPU) fiscaliza como um pastor alemão os moradores das áreas. E ai de quem não pagar o imposto!
Nos outros estados brasileiros também se luta contra tal situação. Em Pernambuco, uma ação civil pública conseguiu sustar as cobranças. No Espírito Santo, a Justiça Federal está para dar sentença relativa à questão. Mesmo diante do silêncio comprometedor das autoridades federais, omissas ou cúmplices, e de muitos parlamentares interessados em ver crescer a arrecadação do Governo para mamar mais e mais, a sociedade reage. E resiste, ajudada por políticos sérios.
A Taxa de Marinha é uma prova cabal de que Charles de Gaulle estava certo. Nós não somos um Pais sério.

16 de fevereiro de 2011

Os pobres nos seus catres


Fiz questão de usar a calculadora para que essa conta saísse exata: um brasileiro que ganha salário mínimo (de R$ 545,00) precisa trabalhar 49,03326605504587 meses para botar no bolso os R$ 26.723,13 mensais percebidos por um deputado federal. E eles ganham isso, afora os penduricalhos do cargo, que vão de auxílio moradia a polpudas verbas de gabinete, passando por outros. E são estes, os deputados, quem decide quanto vão ganhar aqueles, os trabalhadores que ganham salário mínimo, todos os anos. E decidem quanto eles vão ganhar também, como fizeram no final do ano passado, concedendo a si próprios quase cem por cento de aumento em seus subsídios. Um escárnio, um atentado ao pudor político!
Nos últimos dias, acompanhamos as discussões acerca do salário mínino. Quando se tratou de decidir os vencimentos dos senadores e deputados, foi fácil o Congresso Nacional chegar a um veredito: rápido e rasteiro, bem tarde da noite, o aumento foi auto-concedido. Mas decidir quanto vão receber os pobres diabos envolveu até mesmo discussões sobre cargos de primeiro e segundo escalão do Governo, além de liberação de verbas parlamentares. Existem prostitutas que se recusam a chegar a um patamar tão baixo em suas atividades.
O Ministro da Fazenda certamente poderá continuar a desfilar uma longa lista de justificativas e ameaças para o mínimo continuar bem pequeno e, de agora em diante, fora da apreciação do Parlamento. Mas ele sabe, e os deputados e senadores também, que se as vantagens dos políticos e apaniguados do Governo fossem menores, se não houvesse o inchaço demagógico da máquina pública e se todos emprestassem honestidade às suas funções isso seria suficiente para reduzir ao máximo a extrema desigualdade brasileira. A presidente Dilma Roussef também sabe disso.
Quer acompanhar a evolução do mínimo de 2000 até agora? Vai lá: 2000 - R$ 151,00; 2001 - R$ 180,00; 2002 - R$ 200,00; 2003 - 240,00; 2004 - 260,00; 2005 - R$ 300,00; 2006 - 350,00; 2007 - 380,00; 2008 - 415,00; 2009 - 465,00; 2010 - 510,00; 2011 - 545,00.
A propósito desse tema, um belo dia já faz um bom número de anos, um vereador pitoresco e simpático de Vitória (ES), fazendo discurso na Câmara municipal, disse hilariamente em alto e bom som, para defender um projeto de lei qualquer, pretensamente defensor dos sem (quase) nada: "Meus amigos, aqui no Brasil enquanto os ricos dormem em camas maravilhosas de colchões de molas, os pobres têm que se esticar nos catres de pau duro!".
E nem serve de consolo porque não é verdade. Infelizmente!

8 de fevereiro de 2011

A "independência" dos poderes


O presidente do Senado, José Sarney, está tão preocupado com a "judicialização da democracia brasileira" que externou essa questão ao presidente do Supremo Tribunal Federal, César Peluzo. Ele reinvidica uma espécie de acordo tácito que preserve a independência dos três poderes dessa nossa república ainda de bananas.
O que está por trás da iniciativa de Sarney? O medo dele e de seus parceiros de que a imobilidade do Legislativo acabe gerando cada vez mais pendências e que essas pendências, sendo levadas ao Judiciário, gerem por sua vez mais decisões que invadam a (in)competência dos legisladores brasileiros.
Mas isso é inevitável. O Poder Legislativo brasileiro se pendura no Executivo para obter vantagens lícitas e ilícitas. Agora, por exemplo, uma sucessão de apagões se sucedem no país enquanto o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão (foto), diz que temos um dos sistemas mais modernos do mundo. Lobão, a pior escolha do mundo para essa função, é um exemplo candente de como os conchavos dos bastidores políticos em troca de cargos podem produzir anomalias. Ele é ministro para garantir cota de participação no primeiro escalão a seu partido e, como não nasceu para isso, declara coisas absurdas quase todos os dias.
Sarney só não deseja tocar em um ponto da independência entre os três poderes: o direito constitucional que eles têm de definir os vencimentos de seus membros à revelia de toda a vontade da sociedade. Sim, porque um dos motivos de tanta negociação nos dias de hoje é o apoio que o Congresso vai dar ou não ao aumento miserável a ser determinado para o salário mínimo, para a correção do imposto de renda e para os vencimentos dos aposentados.
E isso demora, claro. Porque ninguém vai tocar em Lobão e os reajustes do topo do Executivo, Legislativo e Judiciário já foram definidos. Sem negociações.