29 de março de 2012

Duas ausências

Entre 1964 e 1985, milhares de brasileiros lutaram contra a ditadura militar que infelicitou o País. Cada qual a seu modo. Houve quem lutasse armado e morresse nessa luta. Mas ouso dizer que os mais bem humorados e inteligentes usaram o humor, o deboche, para dar vazão à sua ira e à ira de milhões. Dois deles, os também humoristas - além de muitas outras coisas - Chico Anysio e Millôr Fernandes morreram num período de tempo inferior a uma semana.
O que mais a ditadura odiava neles era seu brilhantismo. Ditadores sempre detestam a inteligência. Afinal, eles não têm como competir com ela. Chico criou mais de duas centenas de tipos para a TV e o teatro - principalmente - e usou muitos deles para suas críticas mordazes. Sempre inteligentes. Sempre ferinas. Sempre indo até o limite do tolerável para a época. Millôr era uma frasista incomparável, além de praticar várias outras artes com inegável valor. Também ao seu modo, foi ferino, inteligente e tentou não ultrapassar o limite do tolerável para os ditadores e seus séquitos.
O irônico é ver que eles se foram exatamente no ano em que o dia 31 de março, usado há 47 anos para homenagear a "Revolução" de 1964, deixa de fazer parte do calendário brasileiro de datas a serem comemoradas. Não pode mais ser comemorado nem em instalações militares, onde foi usado durante quase cinco décadas para lembrar o estupro da democracia brasileira. Com todas as suas consequências danosas. Todas as humilhações e mortes que provocou.
Chico e Millôr se foram para serem sempre lembrados de forma respeitosa. E com sonoras gargalhadas. O tal 31 de março - ou seria 1º de abril? - se vai porque seu lugar é o lixo da história. Aquele canto desprezado onde os homens só olham quando precisam levantar algum dado ou pesquisar até que ponto pode chegar a indignidade humana e a falta de respeito para com os semelhantes.      

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