12 de fevereiro de 2013

A encruzilhada católica

Ratzinger anuncia no Vaticano que vai deixar de ser Bento XVI em breve
A renúncia do papa Bento XVI, o ex-cardeal alemão Ratzinger, longe de ser um mal para os crentes do mundo todo, pode se tornar um bem, sobretudo para a Igreja Católica, representada por ele. Essa religião precisa urgentemente se fortalecer, deter a sangria de fieis identificada já faz muitos anos, e isso não pode ser feito com uma imagem política conservadora, fechada dentro de si mesma, como numa fortaleza medieval.
E por que deixar essa identidade visceralmente conservadora é hoje necessário? No caso brasileiro, para deter ou diminuir o ritmo de crescimento de seitas chamadas oficialmente de "confissões neo-pentecostais" ou simplesmente "evangélicas". Diferentemente das religiões Católica e protestantes tradicionais e seculares, nascidas quando da Reforma, como Luterana, Batista, Anglicana, Pentecostal e outras, a quase totalidade das mais recentes não passam de grandes negócios escusos. Multinacionais por sinal. Ou têm seus líderes (ou seriam seus donos?) envolvidos em escândalos ou já os tiveram. Provavelmente terão. Agem como franquias, abrindo templos que visam especificamente o lucro. E enriquecem mesmo. Seus donos são multimilionários e dividem lucros. Dividendos.
O Brasil já assistiu a vários episódios de envio irregular de dinheiro amealhado por essas seitas para o exterior, bem como escândalos de desvio de dízimos. Um líder de uma congregação pediu em televisão para que os fieis passassem a pagar seus dízimos via autorização de desconto bancário, para que "o diabo não faça você se esquecer". Mesmo assim, o governo brasileiro cometeu a leviandade de dar passaporte diplomático a um "apóstolo". É assim mesmo que eles se intitulam: apóstolos. Esse passaporte, da mesma forma que os demais, vai ser usado para tirar dinheiro ilegalmente do País e levá-lo para o Exterior.
Mais do que isso: essas seitas têm um projeto de Estado. Querem conquistar o poder para moldar o Brasil à sua vontade, desconhecendo o fato de sermos um Estado laico. E esse país sem religião oficial comete outra leviandade: permite que as seitas aluguem espaço de televisão, uma concessão de serviço público, para transmitir suas pregações e conquistar mais incautos. Isso é fácil, porque além de termos no nosso solo milhões de pessoas religiosamente inocentes, nenhuma dessas seitas paga impostos.
As religiões tradicionais podem deter esse movimento, pura e simplesmente conquistando novos fieis, reconquistando muitos dos que foram perdidos e não perdendo mais os que têm, embora eu não creia que os protestantes tenham interesse nisso.. O maior poder nesse sentido vem do catolicismo, que agora precisa atentar para os novos tempos. Moldar-se a eles. E não existe ocasião mais propícia à escolha de um papa do Terceiro Mundo do que essa. Um pontífice oriundo de um país africano, centro-americano ou de outra região pobre do mundo teria uma visão diametralmente oposta à de um europeu, por exemplo, no que tange à miséria, ao colonialismo, às práticas ditatoriais e outras.
Dom Elder abraça um pobre em sua igreja. Ele sequer tinha o direito de falar
Nas últimas décadas, a chamada Teologia da Libertação foi combatida porque era comum dizer que ela seria uma intromissão da igreja na política, no Estado. Mas o que fez João Paulo II ao combater o comunismo na sua Polônia e em outros países do mundo, inclusive na então União Soviética? Aqui, a Opção Preferencial pelos Pobres lutou contra a ditadura. Ela era uma opção ruim somente porque essa ditadura era de direita? Matava tanto ou mais que as demais.
Sacerdotes como Dom Elder Câmara, de Pernambuco, foram alijados de decisões maiores da igreja, jamais chegaram ao cardinalato e terminaram proibidos de falar pela ditadura militar brasileira porque a combatiam. Dom Paulo Evaristo Harns (este, cardeal) e Dom Pedro Casaldaliga sofreram perseguições sérias. E ameaças. Eram e são exemplos de dignidade, de sabedoria e de respeito às suas crenças e aos valores dos próximos.
A Igreja Católica está numa encruzilhada. E pode surgir em breve, caso queira, como uma instituição reformadora, conquistadora de fieis, lúcida, moderna e com espaço maior para a atuação das mulheres (coisa que as outras também não fazem). Mas é preciso acordar para os tempos modernos. O papa que renunciou disse que as mudanças hoje acontecem muito rapidamente. É verdade, e ele teve a lucidez de identificá-la, da mesma forma como sabia e sabe ser incapaz de se adaptar a ela. Se for sucedido por um reformista com visão de futuro, o Trono de São Pedro será pequeno para tantos fieis.
Quem diz isso, assinando esse blog, é um agnóstico oriundo de uma família de forte vocação religiosa. e com raízes fincadas, firmes como as toras, no catolicismo.                         

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