9 de julho de 2021

Soldadinhos de chumbo


"Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos".

Sérgio Porto (foto acima), o Stanislaw Ponte Preta, revoltava-se com os desmandos do Brasil, mas se manifestava com deboche. E fez isso sobretudo contra a classe política e os militares na época da ditadura de 1964/1985. Ele não era contra as forças armadas como instituições e sim contrário à instrumentalização da categoria e de seu uso político. A frase que abre o texto, extremamente crítica, foi uma das melhores que deixou antes de um enfarte fulminante o matar em 1968, ano da edição do AI-5.

Conto uma história bem resumida: minha avó materna, Almerinda, tinha um irmão caçula e temporão da família que, contra o desejo do pai decidiu ser médico. Meu bisavô tabelião, Francisco Gomes Villela, disse que custearia os estudos do filho até a formatura e depois disso que ele se virasse. Foi o que fez. Como o Brasil havia declarado guerra ao Eixo Berlin/Roma/Tóquio, meu tio avô alistou-se no Exército para ir à Itália com a Força Expedicionária Brasileira em 1943. A intenção era guardar dinheiro, aprender mais medicina e na volta montar seu consultório. Mas aconteceu o inesperado de ele se apaixonar pela vida militar e nunca mais a deixar. Quando se reformou era o general Hélio de Oliveira Villela, ex-diretor clínico do Hospital Militar do Rio de Janeiro. Um dia estava em Vitória e conversava com meu avô José Maria, seu cunhado e marido de Almerinda. Vovô elogiou a presença dos militares na ditadura, que chamava de "revolução". Tio Hélio, lembro-me disso até hoje, olhou para ele e disse: "Não entendo de política e não sou comunista. Mas sei que lugar de militar é no quartel!" Fora de lá tornam-se apenas soldadinhos de chumbo, caricatos, sem utilidade.  

Nesses dias em que o Ministro da Defesa e os comandantes das forças armadas divulgam notas oficiais que ameaçam a democracia isso me vem à mente. Os militares estão em grande número se locupletando em cargos civis. Está claro que muitos deles cometeram, cometem ou cometerão crimes financeiros os mais variados, pois não sofrem qualquer tipo de restrição. Ao contrário, foram arregimentados para garantir ao presidente da República uma chance de golpe de Estado. De ruptura constitucional que ainda não aconteceu porque 2022 não é 1964 e o Brasil, apesar de seu "gado", amadureceu.

Ontem mesmo o comandante da Marinha se manifestou de forma ameaçadora e me fez lembrar um outro da época de Sérgio Porto. O ministro de então, na década de 1960, almirante Carlos Pena Botto, fascista de carteirinha, fez um ataque à China e disse que "o mundo livre" deveria invadir aquele país para livrá-lo da Praga Comunista. Stanislaw, autor de um personagem caricato chamado "Bonifácio Ponte Preta, o Patriota" escreveu que seu boneco anedótico, ao ouvir aquilo, espumando da patriotismo, começou a gritar sem conseguir se controlar;

- Deixa ele ir, deixa ele ir...    

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