25 de abril de 2024

Sejam heróis vocês!

"uns dizem a sua "história"
outros fazem história
e hão-de viver no exemplo e na memória"

O texto que abre esse artigo é do poeta português José Magro (José Alves Tavares Magro). Esse escritor revolucionário português também vai encerrar meu texto. Trata-se do homem que lutou a vida toda contra o salazarismo, contra a ditadura de seu país, passou 21 anos na prisão - na maioria do tempo em Peniche, para onde a PIDE de Salazar mandava os presos políticos - e só viveu por apenas quase seis anos depois do 15 de abril de 1974, data que hoje completa 50 anos. Morreu pouco antes de completar 60 anos de idade, debilitado que estava por inúmeras torturas e privações. É de gente como José Magro que é construído o futuro do gênero humano. Por essa gente vale a pena viver e lutar!
E foi uma senhora portuguesa, Celeste Caeiro, dona de casa e na época com 40 anos, quem deu nome ao movimento civil e militar que tirou do poder o salazarismo. Ela voltava para casa e viu aquele movimento todo, blindados nas ruas, parou e ficou olhando. Um soldado de entre os amotinados chegou a ela e pediu-lhe um cigarro. Celeste não tinha, não fumava nem nunca fumou. Tirou um dos cravos vermelhos do maço que havia comprado no mercado para enfeitar sua casa e o entregou ao soldado que colocou a flor em seu uniforme. Em pouco tempo outros amotinados encontravam mais cravos, muitos foram colocados até nos canos das armas e as flores acabaram dando home ao movimento que encerrou em Portugal seus tempos mais tristes. A imagem que ilustra esse texto recria o momento em que Celeste entra para a história. Hoje aos 90 anos, debilitada pela idade ela foi instruída pelos médicos a não se emocionar. Como, doutores?
A Revolução dos Cravos é um exemplo. Foi a mais longa ditadura europeia, mais longeva que a de Francisco Franco. E nos 50 anos que se seguiram a ela Portugal deixou de ser um país inexpressivo para se tornar modelo na Europa. Nem mesmo os riscos dos tempos atuais, quando uma extrema direita criminosa tenta dominar o mundo, surge como divisor de águas naquela terrinha de meu avô materno. Como eu gostaria de estar lá hoje! Que pena não estou e só posso ver tudo isso via satélite!
O texto abaixo chama-se "Sê herói, José". Eu digo a todos: sejam heróis vocês. Todos nós. É nessas horas decisivas que o homem se impõe ou tem que viver se escondendo e camuflando suas condições subterrâneas que às vezes afloram em posts de internet enviados para lugares errados e por engano dos diversos milhares de membros dos gados fascistas modernos daqui e de muitos outros países. Aqui, por exemplo, chegamos ao cúmulo de ver durante meses sociopatas acampados em frente a unidades militares pedindo golpe de Estado, rezando para pneus e extra terrestres. Nenhum povo foi mais bizarro que o nosso. 
A mulher de José Magro chamava-se Aída, viveu 102 anos e durante esse tempo todo dignificou o nome de seu companheiro de vida e de Partido Comunista de Portugal. Ela colecionou as poesias do marido que depois seriam publicadas em dois livros. São uma história de vida, de lutas e de ideais que sobrevivem aos homens, como aconteceu na Revolução dos Cravos. Eis o poema feito na prisão de Peniche:

SÊ HERÓI, JOSÉ

tarde de domingo
no largo da vila
toca um realejo que se ouve daqui
no pátio interior prossegue o recreio
e ouço o sussurro da voz dos amigos
não sinto mais nada
o mundo é a cela
veleiro sem vento num mar de vazio

a vida é tão curta e a tarde tão longa!
como hei-de passá-la se só tenho um livro
que li e reli e já nada sugere?!...
deitar-me não quero que logo não durmo
cantar não me deixam falar é de doido
passear os três metros pior que funâmbulo?!...

José que fazer se sei que não gostas
Da introspecção seguro que estás
Que a chave do mundo não cabe no umbigo
E temes ser santo que os santos não têm
O travo salgado do gosto da vida
E os traços de classe que a luta te dá

Que coisas heroicas José que farias
lá fora esta tarde
aqui por teu mal
o grande heroísmo é não fazer nada
Pois é:
- sê herói, José, e sorri…

“TORRE CINZENTA - Poemas da Prisão”
José Magro. C
oleção “Resistência” editora AVANTE!)  

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