14 de novembro de 2012

Quem liga para isso?

O lindo vagão restaurante do Trem de Prata que ligava Rio/SP
Lembro-me como se fosse hoje: em vez de um vôo direto de Vitória para São Paulo, comprei certa feita passagem para o Rio de Janeiro. Do Aeroporto Santos Dumont fui para a estação ferroviária e embarquei na Primeira Classe do Trem de Prata ou Trem Húngaro, que ligava aquela cidade a São Paulo. Queria passar a noite no "comboio", como dizem os portugueses, fazendo a viagem que muitos homens de negócios usavam para poder ir de uma cidade para a outra resolver pendências relativas a dinheiro, indo a voltando sem precisar pagar hotel porque o trem fazia a viagem entre 23 horas e 07 da manhã seguinte.
O beliche da Primeira Classe servia de hotel. Corri aquilo tudo. Era um trem simpático, romântico, relativamente lento mas cheio de charme, principalmente no vagão restaurante. E ainda havia a hipótese de se dormir um pouco mais, pois quando ele chegava a São Paulo ou ao Rio ainda aguardava pelo acordar dos passageiros.
Lembrei-me disso vendo uma série de reportagens do Jornal Hoje, da Rede Globo, sobre transporte ferroviário. Na primeira delas foram mostrados os cerca de sete quilômetros de vagões e locomotivas abandonados, além de estações ferroviárias que viraram ruínas fantasmagóricas Brasil afora. Resta apenas a ligação diária Vitória/Belo Horizonte (ou vice versa) como uma linha regular de trens para passageiros no Brasil.
Muita gente diz que é um absurdo e uma burrice um país como esse não investir em transporte ferroviário. Concordo: é um absurdo. Mas não se trata de burrice. Trata-se de um crime contra o Brasil, praticado a partir de meados da década de 1950, quando as linhas férreas já estavam defasadas, necessitavam de ampliação e modernização, mas a vinda para o Brasil de montadoras de veículos fez com que o Governo Federal investisse maciçamente em rodovias e deixasse toda a malha ferroviária nacional sucatear. Restou apenas o transporte de carga, em poucos troncos que ainda funcionam tocados pela iniciativa privada.
Essa opção enriqueceu muita gente. O sucateamento das linhas ferroviárias brasileiras foi um atentado contra o Brasil. Mas quem liga para isso? Agora mesmo estamos convivendo mais uma vez com escândalos, pois a construção da ferrovia que deveria interligar o Nordeste ao Centro do Brasil é um caminho por onde o dinheiro público abasteceu o bolso de um grande número de ladrões graças a instituições como a Valec.
Aliás, o dinheiro público sempre enriqueceu bandidos nesse país. O faz agora nas obras paradas da transposição do Rio São Francisco. Um mar de água doce de dinheiro já foi gasto sem que uma gota de água real passasse por aquelas calhas imensas. Enquanto isso acontecesse, o nordestino perde lavouras, gado e as poucas esperanças que restam.
Mas quem liga para isso?     
   

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