7 de junho de 2021

O comunista e o "comunista"


Em 1969 o Brasil disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970 no México e o presidente/ditador Emílio Medici fez chegar à seleção a informação de que gostaria de ver Dario como titular. João Saldanha, jornalista, radialista e técnico da equipe soube disso e disparou: "o presidente não me deixa escalar o ministério dele, então meu time quem escala sou eu" (foto). Era época de ditadura militar, a antiga CBD teve que demitir Saldanha, Zagalo assumiu no lugar dele e na convocação final para a Copa Dario estava na lista no lugar de Toninho Guerreiro, o favorito do treinador demitido.

É tenebroso quando a política interfere na vida do esporte. Zagalo jamais admitiu ter assumido o cargo de técnico e ter ganhado o tricampeonato mundial com a exigência de convocar Dario, mas jamais relacionou o jogador sequer para o banco de reservas. O folclórico Dadá, como ele próprio se chamava, apenas treinava. E o Brasil teria sido campeão do mundo com Saldanha porque era, disparado, o melhor time. Mas o afastamento daquele que ousou enfrentar Medici foi imposto à Confederação. João Havelange, então presidente e capacho de ditadores, concordou sem protestar. Afinal, Saldanha era comunista mesmo, "de carteirinha".

Hoje, passados 52 anos desses episódios, o atual presidente Bolsonaro, um saudoso da ditadura militar que adoraria ver de volta ao Brasil, resolveu fazer algo parecido. Como o técnico da Seleção Brasileira, Tite, não é do seu grupo, tentou de todas as formas que ele fosse demitido e substituído por Renato Gaúcho. O presidente da atual CBF, o inexpressivo Rogério Caboclo ia fazendo isso para agradar, não fosse o escândalo de seu afastamento provocado por agressões morais e sexuais a uma funcionária. Um projeto de ditador de aldeia de um lado, um maníaco sexual de outro: eles se merecem.

Não se sabe ainda o que vai acontecer nos desdobramentos desse escarcéu. O Brasil jogará a Copa América em nosso território, mesmo sob protestos, e o atual chefe do Executivo vai poder ver as partidas e entrar em campo após o jogo final para seu show demagógico, que será maior se os brasileiros forem campeões. O circo está armado no país onde falta pão e isso não agride os governantes.

Há uma última diferença a considerar: embora João Saldanha fosse comunista, membro do PCB, o Partidão, Tite, não. Ele apenas é "xingado" assim porque essa é a receita dos nazistas hoje encastelados no poder brasileiro para identificar quem não concorda com seu Capitão Cloroquina. Se os medíocres não podem subir ao nível dos outros, têm que tentar rebaixá-los ao seu.            

2 comentários:

Gerusa Contti disse...

Parabéns pelo artigo e por lembrar a gente que a história se repete, sempre que a gente a perde de mira. Adorei o blog.

Denise disse...

Belo texto Álvaro. É sempre bom lembrar os fatos e a história...