19 de abril de 2022

Lugar de Toda Canalhice


Um dia ele estava na pensão onde morava e a polícia entrou. Foi levado para um destacamento militar onde chegou com um dedo machucado. "Está doendo?", perguntou o soldado com fuzil nas mãos. Ato contínuo disse que iria tratar do ferimento e, com a coronha fuzil bateu contra o dedo ferido até praticamente o esmagar. O preso, Gildo Loyola Rodrigues (foto), fotógrafo profissional, um dos criadores do Departamento Fotográfico do jornal A Gazeta sofreu tantas torturas que, depois de solto passou algum tempo em um hospício antes de se recuperar e poder voltar a trabalhar normalmente.

A polícia queria saber qual era a "senha". Que senha? É que na entrada da pensão todo dia ia sendo colocado o cardápio de almoço. Por exemplo: "arroz, feijão, bife acebolado, batata frita, salada". E essa relação mudava diariamente. Como Gildo, que tinha militância em partido político clandestino, mas nunca havia atirado em ninguém, se recusasse a dar uma senha inexistente, a polícia e o Exército fizeram o que sabiam fazer quando achavam que alguém era culpado de alguma coisa: torturaram.

Gildo se aposentou em 2011. Fotógrafo brilhante, foi um dos autores do livro "Lugar de Toda Pobreza", produzido juntamente com os também jornalistas Amylton de Almeida e Carlos Henrique Gobbi e parceria de fotos com Helô Sant'Anna sobre o documentário do mesmo nome com dados levantados por Amylton e Gobbi na região do contorno de Vitória onde uma grande invasão se dava em fins da década de 1970. Ele nada tinha a ver com guerrilha, com resistência armada e outros atos de violência. Mais morava, como moramos, no Lugar de Toda Canalhice.

A divulgação dos áudios de julgamentos do Superior Tribunal Militar (STM) com a admissão de torturas durante a ditadura militar brasileira, feito pela jornalista Miriam Leitão que começou sua carreira trabalhando em Vitória no jornal A Gazeta, só surpreende a dois tipos de gente: desavisados e desonestos. E só faz rir os canalhas que consideram lícito terem organizações policiais e as Forças Armadas Brasileiras participado de atos de ignomínia contra parcela de nossa população. Sim, é preciso denunciar. É preciso trazer à baila esse assunto escabroso e deixar tudo registrado nos jornais, rádios, TVs, livros e outros meios, inclusive eletrônicos. Senão acontece de novo.       

Nenhum comentário: