11 de janeiro de 2008

Como se fosse hoje...






1968 é o ano que não cala.
A raiz de tudo foi o dia 28 de março quando um estudante, Edson Luís de Lima Souto, foi morto por forças de segurança no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Os fatos se deram da seguinte forma: Edson era um estudante que participava dos preparativos de uma passeata de protesto contra o aumento de preços das refeições e a demora no término das obras do estabelecimento.
Três choques da Polícia Militar e a guarnição de dois veículos de patrulha chegaram ao Calabouço naquele momento. Auxiliados por uma tropa da Aeronáutica, entraram no restaurante disparando suas armas e dois estudantes caíram feridos: Benedito Frazão Dutra e Edson Luis. O segundo, de 17 anos morreu, com um tiro no peito antes de ser levado a tempo para o hospital. Os amigos tentaram socorrê-lo, mas já era tarde. Revoltados, levaram o corpo para o saguão da Assembléia Legislativa, de onde se recusaram a sair até que alguma providência fosse tomada. O caso teve grande repercussão nacional e internacional. Diversas passeatas e protestos foram organizados, mas sem nenhuma resposta concreta por parte do governo e autoridades para a sociedade, a não ser o afastamento de alguns policiais envolvidos no episódio.
Edson não era subversivo, marginal ou coisa parecida. Era um garoto de 17 anos que, como nós, amava os Beatles e os Rolling Stones. Sua morte provocou um juramente dos estudantes: “Neste luto, a luta começou”. No dia 26 de junho, cem de 100 mil estudantes foram às ruas do Rio de Janeiro, em protesto. Foi a célebre Passeata dos Cem Mil (foto acima, ilustrando o artigo). Em seguida, outras cidades seguiram o exemplo. Daí em diante, 1968, o ano da contestação estudantil, explodiu. E essa explosão tomou todo o Brasil, unindo estudantes secundaristas e universitários numa mesma onda de protestos. Um vagalhão que crescia a cada passo dado.
Em São Paulo, um dos palcos mais importantes foi a Avenida São João. E os desfiles de estudantes eram saudados pela população, que chegava a jogar papel picado do alto dos prédios, à passagem das passeatas. Isso inflamava mais ainda a garotada, que avançava aos gritos de “Abaixo a ditadura” e outras palavras de ordem contrárias ao regime instalado à força, quatro anos antes. E então chegava o Brucutu. Era, nada mais nada menos que um carro blindado usado pelas forças policiais de segurança, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Lembrava de longe o Caveirão dos dias atuais, mas com a diferença de que possuía, na parte de cima, um canhão de lançar água ou areia. Era capaz de, pela força do jato, jogar um homem adulto a cinco ou seis metros de distância.
O Brucutu vinha junto com a cavalaria da PM. Esta levava desvantagem quando atacava de baixo para cima, vinda do Anhangabaú, na subida da São João, em direção do Largo do Paissandu. Os estudantes a esperavam com os bolsos cheios de bolas de gude, além de pedras. As “inocentes” bolinhas de gude que eram arremessadas ao asfalto da avenida. Os cavalos patinavam sobre elas, as ferraduras em contato com o vidro e não contra o piso da rua. Montarias e cavaleiros às vezes vinham ao chão.
Um dia, penalizado mas também paralisado, vi o soldado que se levantava possesso, sacando a arma do coldre e olhando para o joelho ensangüentado da pata dianteira direita de seu animal. Virou-se feito um louco em direção a nós, tentando identificar no meio da multidão de estudantes, aquele que havia jogado a bola responsável pela queda de seu cavalo. Estava ensandecido. Era um mulato, alto, forte como um touro.
Não encontrou em quem atirar e fez fogo para cima. Para o ar. No momento em que mais policiais chegavam, cercando a turba de estudantes que, aos gritos de “Abaixo a ditadura”, começava a se dispersar. Faz 40 anos que isso aconteceu. Parece que foi ontem. Ainda consigo sentir nas narinas o cheiro de pólvora. Ainda vejo o asfalto molhado e as bolinhas de gude descendo a avenida enquanto a cavalaria subia e o Brucutu cuspia água fria em todos nós.
Como se fosse hoje...

Um comentário:

Anônimo disse...

Agora me diz... porque eu fui nascer em uma geracao tao sem sal e sem acucar ?

Abaixo a Ditadura !