7 de janeiro de 2008

Lembrando 68 e "Roda Viva"




Estamos em 2008, ano das comemorações dos 40 anos de 1968. Muita coisa foi dita, muita coisa está sendo dita e muita coisa será dita sobre esse ano que mudou tanto o mundo e o Brasil, graças aos fatos nele vividos. Quero me ater somente a um.

Nós ainda não vivíamos o AI-5 - ele seria promulgado em dezembro -, nem muitos brasileiros tinham sido torturados e mortos pelo golpe militar de 1º de abril de 1964 (sempre o chamo de Golpe de 1º de abril porque, na época, era obrigatório dizer Revolução de 31 de março de 1964. Recuaram em um dia a aquartelada para que ela não parecesse de mentirinha. E não foi mesmo). Mas muitos fatos agudos já haviam se passado. Um inconformismo tomava conta das pessoas, havia protestos em todos os cantos e, em meados de julho, 110 homens ligados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o Teatro Galpão, em São Paulo, e agrediram os atores que encenavam a peça Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda (a foto que ilustra esse texto, da peça, é de uma apresentação no Rio de Janeiro. Não encontrei outra). A obra era considerada subversiva. Marília Pêra, uma das atrizes, chegou a ser agredida, teve que passar nua por um corredor polonês e se afastou de algumas das apresentações seguintes, traumatizada que havia ficado com as agressões. Não resisti e fui ao teatro logo em seguida.

A encenação contava a história de Benedito Silva que não cantava nada mas virou o cantor Ben Silver, da Jovem Guarda. Tornou-se depois o intérprete de música nordestina Benedito Lampião, foi para os Estados Unidos, voltou como traidor e, a partir daí, Chico Buarque de Holanda traçou um painel inteligente do Brasil de então, com todas as suas mazelas e as críticas mais inteligentes possíveis. Com linguagem dura, palavrões em profusão e mensagens políticas e personagens canhestros como a figura do empresário. Não pretendo fazer um texto acadêmico sobre a peça. Mas havia nela um momento fantástico. Durante uma enceração de protesto, atores entravam correndo em cena, atravessavam o palco e lançavam centenas de panfletos ao público. Peguei um deles e li:

"Abaixo a hipocrisia e a burrice, pequenos burgueses. Levantem a bunda da cadeira e façam uma guerrilha teatral, já que vocês não têm peito para fazer uma real, porra!"

Hoje, 40 anos depois, isso parece longe, irreal, banal até. Mas, naqueles tempos, naqueles dias, era um enfrentamento sério. De todos os que vi e vivi posteriormente nas contestações à ditadura militar, talvez tivesse sido o mais belicoso. O mais perigoso. O mais inteligente também, porque inteligência é correr riscos. Nunca mais me esqueci naquela noite em São Paulo. Afinal, pouco tempo depois baixaram o AI-5. E uma longa outra noite de 17 anos se abateu sobre o Brasil. Quem não a viveu deu sorte. Eu, que então morava em São Paulo, pude testemunhar isso e mais muitos outros prelúdios desse longo período de trevas.
Mas já passou. Findou-se (ou finou-se, tanto faz) há quase 23 anos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Alvaro, vim aqui lhe dar as boas vindas ao clube do livro e me deparei com esse post que quase me levaram as lagrimas. Eu ainda nao havia nascido nessa epoca mas consegui sentir absolutamente cada detalhes atraves de suas palavras.

Lindo ! Ou melhor... terrivel.

Eu definitivamente amo esse moco de zoiao azul que se chama Chico :)

Anônimo disse...

Oi Alvaro!!
Cheguei atraves do Clube do Livro. Adorei o texto!! Como disse a Lys... lindo, ou terrivel!!! Deve ter sido uma epoca dificil e angustiante.
Ainda bem q passou...
Beijos, Dani

Unknown disse...

Alvoro,

Muito importante relatos como este para que nosso povo nunca se esqueça o que passaram para que tenhamos a nossa liberdade de hoje.
Estou fazendo um docúmentário aonde Marília Pera relata essa história, vc sabe aonde consigo uma foto de Roda Viva em alta resolução? E como descubrir exatamente o dia em que o ataque aconteçeu? Queria achar alguma reportagem em jornais.
Muito obrigado,
Raphael Alvarez
raphael.alvarez@gmail.com

Anônimo disse...

Raphael;
o ataque ao teatro deu-se no dia 17 de julho de 1968,com as consequências que você bem conhece. Não sei onde pode ser encontrada foto em alta resolução, nem se existe tal foto. Sabendo, comunico a você.

Anônimo disse...

Alvaro, parabens por resgatar nossa história cultural tão esquecida. Particularmente essa de Roda Viva que ainda não veio devidamente à tona. Obrigado.
Romario José Borelli, (organista da peça Roda Viva, principal vítima dos ataques à peça em Porto Alegre.)
romarioj@terra.com.br

Unknown disse...

Meu caro: vi o nome Romário José Borelli. Diferentemente, talvez, de uma boa parte das pessoas daqui, eu vivi essa época e o episódio envolvendo o Roda Viva. Mas, em particular, gostaria muito de saber se esse mesmo Romário José Borelli é o compositor de uma maravilhosa marcha-rancho que a gente cantava muito nos tempos de faculdade ("você sabe o que é um rancho, meu irmão? Na certa já esqueceu? Rancho é um povo em cordão lembrando que a tristeza já morreu". Obrigado. Bellini